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TIRO LIVRE

Santo de casa

À diretoria do Atlético, cabe definir o tamanho do risco que quer correr neste momento

postado em 16/02/2018 08:30

BRUNO CANTINI / ATLÉTICO

No futebol (e na vida), qualquer escolha é um risco. Raramente há garantias e, mesmo quando a gente acredita que há, não existe a certeza de que tudo vai sair conforme o planejado. O jeito é confiar no próprio taco, contar com a sorte e seguir em frente, torcendo para ter tomado o caminho adequado. Se vai dar certo ou não, só lá na frente mesmo que você vai ficar sabendo. É bem esse o cenário atual do Atlético, em sua inglória busca por um treinador. O clube está diante de uma encruzilhada: de um lado, péssimas opções no mercado – treinadores até de algum nome, porém caros e de trabalhos pouco convincentes nos últimos anos. De outro, uma aposta caseira, o auxiliar Thiago Larghi, que aparentemente conta com o apoio do grupo, mas ainda é muito cru para o tamanho do desafio que teria nas mãos, ao ser efetivado no cargo. À diretoria, cabe definir o tamanho do risco que quer correr neste momento.

A esperança na Cidade do Galo reside em exemplos bem-sucedidos bem recentes no futebol brasileiro. O primeiro nome lembrado por todos é o de Fábio Carille, de 44 anos, que até o início de 2017 não passava de mero desconhecido da maioria e acabou conduzindo o Corinthians ao título brasileiro de forma inesperada. Levado para o clube do Parque São Jorge por Mano Menezes, ele é discípulo de Tite e, dizem, foi seguindo a cartilha do atual treinador da Seleção Brasileira que alcançou o topo.

Na ponta da língua também está o jovem Jair Ventura, de 38, que levou o limitado time do Botafogo até longe demais no Nacional do ano passado. Em quase 10 anos de alvinegro carioca, ele foi preparador físico, técnico do Sub-20, interino e auxiliar permanente antes de ser efetivado na equipe principal. Com o bom trabalho, entrou no radar de vários clubes e acabou indo parar no Santos nesta temporada.

Nada disso é fato novo no futebol. Há casos clássicos, como o de Muricy Ramalho, pupilo de Telê Santana no São Paulo e que acabou se tornando um dos técnicos mais vitoriosos do tricolor. Outro é o próprio Oswaldo de Oliveira, recém-demitido no Galo e que começou sua carreira sob as asas de Vanderlei Luxemburgo no Corinthians – de cara, foi campeão paulista e brasileiro, em 1999.

Voltando um pouco no tempo, no início da década de 1980, Paulo César Carpegiani saiu de jogador para assistente do técnico Dino Sani e, três meses depois, assumiu o Flamengo para conquistar, em sequência, Libertadores, Carioca e Mundial de 1981 e Brasileiro de 1982. Mais recentemente, dois ex-auxiliares deram títulos brasileiros ao rubro-negro: Carlinhos (1987) e Andrade (2009). Em 2013, ainda foi campeão da Copa do Brasil com Jayme de Almeida. Para quem diz que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar...

O Cruzeiro também tem suas cartadas acertadas nesse quesito. Ilton Chaves era auxiliar ao substituir Filpo Núñez em 1970; voltou a ser assistente em meados de 1971, com Fantoni e Yustrich; reassumiu o cargo em 1972 e é o treinador que mais vezes dirigiu a equipe celeste na história.

Em âmbito internacional, não dá para deixar de citar Joachim Löw, que era um técnico de certa forma inexpressivo na Alemanha até aceitar ser auxiliar de Klinsmann na seleção. Saiu da sombra do ex-atacante em 2006, quando foi efetivado no comando da Mannschaft. Em seu primeiro compromisso oficial, foi vice-campeão da Eurocopa’2008. Terceiro colocado na Copa do Mundo de 2010, mostrou ao mundo a geração de Thomas Müller, Mesut Özil e companhia, que se consagraria quatro anos depois, com o título mundial em gramados brasileiros. Löw tem contrato com a Seleção Germânica até 2020, mas está cotado para assumir o Real Madrid diante das críticas à fase atual dos merengues com Zidane.

Voltemos à Cidade do Galo. Aos 37 anos, Thiago Larghi é um dos mais jovens do circuito. Tem a mesma idade do atacante atleticano Ricardo Oliveira e é um ano mais novo que o zagueiro e capitão Leonardo Silva. No currículo, traz experiência também como analista de desempenho. Passou por Botafogo, Corinthians, Sport e Seleção Brasileira. Ele mesmo deve saber o tamanho do abacaxi que terá para descascar, caso seja escolhido para o cargo.

Geralmente, quando optam por esse caminho, os clubes fazem uma espécie de test-drive disfarçado – embora nunca admitam. A vida útil de um iniciante costuma ser bem mais curta que a de um profissional já conhecido, proporcional à paciência de torcida e dirigentes com seu trabalho. Mais do que todos, ele depende de resultados imediatos. Para quem gosta de desafios, crise é sinônimo de oportunidade. Resta saber se o Galo alcançará o desejado milagre se optar pelo santo da casa.

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