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COLUNA TIRO LIVRE

Do discurso para a prática

A aposta da torcida e até do técnico Mano Menezes é de que, 21 anos depois, a maré celeste também vai virar

postado em 20/04/2018 09:16

AFP / MARTIN BERNETTI

O empate por 0 a 0 do Cruzeiro com o Universidad de Chile, ontem à noite, em Santiago, deixou o torcedor celeste com uma sensação no mínimo estranha. Se, para as pretensões da equipe na Copa Libertadores, não teve efeito tão desastroso quanto o de uma derrota, também está longe de ser um resultado a se comemorar, diante das circunstâncias: o time de Mano Menezes ainda não venceu no torneio e se obriga a ter excelente aproveitamento nos três jogos que restam pela fase de grupos para passar às oitavas de final. O jejum pressiona, a cobrança cresce, mas a Raposa ainda não está fora da briga – e, neste momento, é o que importa.

Os cruzeirenses mais supersticiosos (e otimistas) logo se recordarão da Libertadores de 1997, quando a equipe iniciou a competição com três derrotas seguidas (para Grêmio, Alianza Lima e Sporting Cristal) e terminou erguendo a taça, em 13 de agosto, no Mineirão. Em termos de comparação, a situação atual é até melhor, não apenas na sequência de resultados.

Para começar, o ambiente, naquela ocasião, estava longe de ser o de um grupo vencedor. A Raposa começou o torneio sob o comando do ex-zagueiro Oscar Bernardi, que encontrou resistência entre os jogadores e acabou demitido logo depois do revés para o tricolor gaúcho na estreia. Paulo Autuori assumiu e de cara perdeu para os peruanos, o que não foi lá muito animador.

Até que veio o returno e a maré virou. Precisando ganhar a todo custo, o Cruzeiro venceu o Grêmio, em Porto Alegre (1 a 0), e, no Mineirão, superou Alianza Lima (2 a 0) e Sporting Cristal (2 a 1). A caminhada, a partir dali, não ficou fácil, mas, pelo menos, o universo conspirou, Dida começou sua série de defesas milagrosas, Marcelo Ramos mostrou seu faro de gol e, na derradeira partida, o baixinho Elivélton marcou um daqueles gols improváveis e épicos.

A aposta da torcida e até do técnico Mano Menezes é de que, 21 anos depois, a maré celeste também vai virar. A partir do returno, o time vai começar a ter atuações mais regulares e convincentes. E a vitória, finalmente, virá. Até porque o Cruzeiro nunca caiu na fase de grupos da Libertadores e ontem, após a partida contra La U, o treinador bateu no peito e chamou para si a responsabilidade, dizendo: “Não vai ser agora que o Cruzeiro vai cair (na fase de grupos)”.

Aí há alguns ângulos a se analisar. O primeiro é que o treinador tem mesmo de passar toda essa confiança publicamente, até num discurso motivador para seus próprios jogadores e para a torcida. Se ele começar a jogar a toalha, quem é que vai acreditar no time? Talvez até por isso, Mano tenha elogiado a postura do Cruzeiro no Chile, afirmando que, se tivesse de haver um vencedor na noite de ontem, seria sua equipe. Ainda: que, em campo, os jogadores responderam da forma que ele esperava.

O que se viu, no entanto, foi um quadro um pouco diferente deste tão renascentista pintado pelo comandante celeste. O Cruzeiro mandou duas bolas traves, a entrada de Sassá injetou um combustível a mais na equipe, que pressionou nos últimos cinco minutos (e ninguém entendeu o motivo de o treinador não ter colocado o atacante em campo antes), mas a atuação celeste esteve longe de ser elogiável. Esse senso crítico é necessário para quem assiste de fora. Afinal, se tudo tivesse corrido tão bem como disse Mano, convenhamos, o Cruzeiro teria vencido. A não ser que o objetivo do treinador em Santiago tenha sido mesmo apenas o empate.

A situação não é irreversível, a missão não é impossível. Vitória sobre os chilenos na quinta-feira, no Mineirão, muda bem o quadro atual. Se ganhar por dois gols de diferença, o Cruzeiro vai até superar o Universidad de Chile na classificação. Ainda dependerá dos demais resultados, mas já terá avançado uma casa no tabuleiro.

O maior desafio de Mano, neste momento, nem será o emocional. Isso aí vai ser a parte fácil. É certo que a torcida vai lotar o Gigante da Pampulha e o grupo tem jogadores experientes o suficiente para atravessar este momento. O que tem pesado mesmo é a instabilidade tática e técnica do Cruzeiro. A grande meta do treinador precisa ser devolver a regularidade ao time, fazer jogadores normalmente decisivos, como Thiago Neves, voltarem a brilhar.

O maior adversário cruzeirense no returno, mais do que La U, Vasco e Racing, será ele mesmo. Mano tem de fazer o Cruzeiro ser aquele time que se espera dele. Sair do potencial que tem no papel e mostrá-lo na prática. Isso ainda não foi visto nesta edição da Libertadores. Continuar forte apenas no discurso pode custar caro demais para Mano Menezes.

Tags: cruzeiroec