Por mais que a paixão pelas quatro linhas esteja no sangue da maioria dos brasileiros, como se concentrar numa partida de futebol enquanto vivemos um dos períodos mais conturbados e tenebrosos da história do nosso país? Como pensar nos pontos que seu time pode conquistar em campo enquanto quase não há mais gasolina (foto), já começa a faltar alimento em supermercados, hospitais ficam sem suprimentos, existem ameaças de racionamento de água e energia? Num contexto desse, como esperar que torcedores se disponham a ir aos jogos pela sétima rodada do Campeonato Brasileiro, neste fim de semana – se é que as partidas vão mesmo ocorrer, diante da possibilidade de cancelamento de voos em diversas regiões do país?
São perguntas difíceis de responder, e não apenas por razões econômicas. A questão é mais profunda, extrapola em muito rasas teses filosóficas e políticas que levam muita gente a esbravejar pelas redes sociais para comprovar seu ponto de vista, em alguns casos, embasadas em fake news e/ou em personagens forjados pelo oportunismo e pelo desconhecimento histórico de seus seguidores. São tempos sombrios, diria o saudoso Nelson Rodrigues se testemunhasse este pandemônio.
Em meio ao noticiário temeroso dos últimos dias (na verdade, meses), é um grande esforço de reportagem se abstrair e focar apenas no futebol. Em condições normais, teríamos para as equipes mineiras confrontos de tirar o fôlego e encher estádios, sábado e domingo. No panorama atual, no entanto, é difícil apostar alto nisso – numa previsão pessimista em muito contaminada pelo desalento com a atual conjuntura política do país, confesso.
No Independência, o horário das 21h para o Atlético x Flamengo, neste sábado, já não ajuda muito. Aí você junta a previsão de temperatura em torno de 15 graus e tem mais um motivo para afugentar a torcida. Na liderança do Brasileiro, o Galo faz o primeiro do cinco confrontos que terá em BH antes da paralisação do campeonato para a Copa do Mundo da Rússia. É a chance de selar a paz com sua torcida, depois de decepções que ainda ecoam forte, e garantir uma reserva importante de pontos para quando o Nacional for reativado. Se deixar passar a oportunidade, pode se complicar mais adiante, então, melhor não vacilar.
Domingo, o Cruzeiro encara o Santos, no Pacaembu, já sem a desculpa de se dividir com a Copa Libertadores, pela qual só voltará a entrar em campo em agosto, pelas oitavas de final. Até lá, o Brasileiro é prioridade. Ainda que a mira do clube esteja no título continental, a Raposa carregará consigo a obrigação de ir bem também na competição nacional, até para comprovar o poderio de seu grupo, que ainda enfrenta certo descrédito por causa da oscilação constante– o que foi admitido até pelo técnico Mano Menezes depois da vitória por 2 a 1 sobre o Racing, na terça-feira, no Mineirão. Como o próprio comandante celeste disse, em tom filosófico após o duelo com os argentinos, “Você não entra para a história se não fizer algo muito diferente dos outros”. Que assim seja.
No mesmo dia, o América recebe o São Paulo, no Horto, num confronto direto por posições, já que ambos somam 10 pontos e o que deixa o Coelho à frente do Tricolor Paulista na classificação, em sexto lugar, é o fato de ter uma vitória a mais: três contra duas dos paulistas. Aliás,a arrancada americana no Brasileiro, analisando friamente, está saindo melhor do que o esperado. Talvez nem o mais otimista dos torcedores poderia imaginar a equipe no G-4, como já ocorreu. À exceção da pífia exibição diante do Vasco, quando foi goleado por 4 a 1, o time de Enderson Moreira tem conseguido manter uma sequência linear de atuações, arrancando pontos de equipes que, teoricamente, são seus concorrentes diretos na luta pela permanência na elite. Essa é a receita. O que vier, a partir daí, será lucro.