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TIRO LIVRE

A ressurreição de Dedé

Foram 40 jogos, a maioria em alto nível, do dia em que retornou aos gramados até a finalíssima da Copa do Brasil

postado em 19/10/2018 10:08 / atualizado em 19/10/2018 10:21

Vinnicius Silva/Cruzeiro E.C.


De todas as lágrimas derramadas de alegria, de todos os discursos emocionados, de todas as manifestações eufóricas dos jogadores do Cruzeiro pela conquista da sexta taça da Copa do Brasil, uma teve peso diferenciado. Não foram apenas palavras de felicidade por um título. Nem tampouco somente a sensação do dever cumprido. Foi muito, mas muito além de satisfação esportiva. A declaração do zagueiro Dedé depois da partida foi um misto de desabafo e deleite, de alívio e gratidão. Uma gratidão, sobretudo, à vida e às chances que ela oferece para a volta por cima. Para o recomeço.

Ainda no gramado do Itaquerão, Dedé retrocedeu praticamente um ano no tempo. “Você imagina”, ele disse para o repórter que o entrevistava. “Neste mesmo momento no ano passado, o doutor Sérgio Campolina (médico do Cruzeiro) chegou no meu ouvido: ‘Olha, você vai ter que fazer uma cirurgia no joelho’, no dia do título”, contou, referindo-se a 28 de setembro de 2017, dia da conquista do pentacampeonato da Copa do Brasil em cima do Flamengo. “Hoje, estou aqui. Depois de uma cirurgia perfeita, coroando o título dentro de campo. Agora, você imagina o que está passando na minha cabeça, a emoção”, completou o defensor.

Ninguém além de Dedé e de quem viveu ao lado dele todo o seu calvário pode dimensionar o que ele passou nos últimos quatro anos. E essa história vale a pena ser contada desde o capítulo inicial. Dedé foi contratado pela Raposa em abril de 2013, por US$ 6,5 milhões, maior transação feita, até então, pelo clube celeste em sua história. Já chegou à Toca, aos 24 anos, carregando a alcunha de Mito, apelido que ganhou da torcida vascaína, clube onde ganhou projeção nacional. Estreou em 22 de maio, em partida contra o Resende, pela Copa do Brasil, e não mais saiu do time. Foi um dos pilares da conquista do Campeonato Brasileiro daquele ano.

A temporada seguinte só não foi perfeita porque as lesões invadiram a biografia do zagueiro. Em maio, machucou o joelho direito pela primeira vez, mas fez tratamento conservador, sem cirurgia. Em novembro, no entanto, na reta final da Copa do Brasil e do Brasileiro (do qual foi bicampeão), teve constatado um edema ósseo no mesmo joelho. Em janeiro de 2015, o clube anunciou que Dedé seria operado, para a correção do problema, e só voltaria a atuar no segundo semestre. O tempo passou e nada de o zagueiro reaparecer nos treinos. Em outubro, então, o clube divulgou que o jogador havia passado por dois procedimentos cirúrgicos, e não apenas um, como havia sido previsto.

Depois de 14 meses longe dos gramados, Dedé parecia dar um ponto final ao drama em fevereiro de 2016, quando atuou no empate por 1 a 1 com o América, pelo Mineiro. A alegria, contudo, durou apenas seis jogos. De novo, o joelho direito, agora com uma fratura na patela, o tirou de combate. Mais tratamento sem sucesso, outra cirurgia e mais um ano perdido. Em março de 2017, uma nova tentativa de recomeço foi abruptamente interrompida. Ele atuou no empate por 0 a 0 com o Joinville, mas, menos de três meses depois, teve constatado um edema ósseo no joelho esquerdo. Foi afastado novamente. E outra artroscopia atravessou seu caminho.

Ainda que indiretamente, acompanhei esse drama de Dedé de perto. Na luta para aceitar todo aquele martírio sem esmorecer, superá-lo e retomar a carreira, ele se agarrou à família e à fé. Nessa jornada, bateu ponto no grupo de oração da Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, no Bairro Santo Agostinho, em BH, que se reúne às segundas-feiras. Religiosamente (e aqui vale o duplo sentido), era lá que o zagueiro começava sua semana, em busca de conforto para a alma e da cura para o corpo. Volta e meia, ele registrava em suas redes sociais a ida à igreja, os cânticos e mensagens do encontro. Chegava e saía discretamente. Ali, Dedé era apenas mais um a apresentar seu pedido, a ouvir as reflexões, a fazer sua oração.

O ano de 2018 trouxe a redenção. O zagueiro voltou a ser relacionado no jogo contra o Villa Nova, em 17 de fevereiro, pelo Campeonato Mineiro. Voltou a jogar no dia 24 do mesmo mês, contra o Boa. E não saiu mais do time. Até à Seleção Brasileira retornou – e sua presença no grupo que disputará a Copa América do ano que vem já é fortemente defendida Brasil afora.

Foram 40 jogos, a maioria em alto nível, do dia em que retornou aos gramados até a finalíssima da Copa do Brasil, contra o Corinthians. Até a noite histórica no Itaquerão, que consagrou também o Cruzeiro, também o técnico Mano Menezes mas, sobretudo, toda a luta do zagueiro desde novembro de 2014. Consagrou a sua persistência e a sua fé. Contra o Corinthians, Dedé foi gigante. O Mito ressurgiu das cinzas, mais forte do que nunca. E é um exemplo para todos nós.

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