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TIRO LIVRE

O amor pela zebra

Esse mesmo fenômeno é visto em época de Olimpíada e Copa do Mundo. Uma tendência quase cruel de desejar que os grandes fiquem pelo caminho

postado em 21/12/2018 09:42

AFP / Giuseppe CACACE
O futebol volta e meia nos mostra quão tênue é a linha que separa a paixão pelo esporte de um certo sadismo. O Mundial de Clubes, organizado pela Fifa, deu, nesta semana, mais uma prova desse sentimento estranho que toma conta de alguns torcedores. É uma mescla entre a solidariedade aos fracos e oprimidos (no caso, as equipes de menor tradição) e uma espécie de prazer com a dor alheia – aqui, na figura dos clubes mais poderosos. Um amor quase desmedido pela zebra.

Esse foi o cenário de River Plate x Al Ain (foto) e Real Madrid x Kashima Antlers, pelas semifinais do torneio que está sendo disputado nos Emirados Árabes. Tirando da conta os genuínos torcedores dos times – que, naturalmente, têm motivos para escolher um lado –, pipocou por toda parte gente demonstrando forte predileção por uma decisão de título entre Al Ain e Kashima. A eliminação dos argentinos pelos árabes foi comemorada efusivamente. A turma esperou, então, a queda dos merengues diante dos nipônicos, o que acabou não ocorrendo.

Vi/li/ouvi várias justificativas para essa torcida contra. Porque na real, mais do que torcer a favor de Al Ain e Kashima, essa ala estava era secando River e Real. Pouquíssimos argumentos foram convincentes. Houve quem colocasse na mesa até questões políticas para explicar sua predileção. Outros, viam a derrocada dos argentinos como a esperada punição mais dura que faltou à Conmebol para as “transgressões” do clube na Copa Libertadores, tanto as cometidas pelo técnico Marcelo Gallardo (que mesmo suspenso passou instruções a seus jogadores na semifinal contra o Grêmio, em Porto Alegre) quanto os ataques da torcida ao ônibus do Boca Juniors nos arredores do Estádio Monumental de Núñez. Do Real, muitos tinham é antipatia mesmo, acabei chegando a essa conclusão.

Esse mesmo fenômeno é visto em época de Olimpíada e Copa do Mundo. Uma tendência quase cruel de desejar que os grandes fiquem pelo caminho. Não é bem essa a minha corrente ideológica: sou do grupo que, embora reconheça o mérito de todos que chegam às competições, gosto de ver os melhores duelando, os clássicos mundiais, os gigantes do esporte. Não quer dizer que só há espaço para eles: é muito legal quando um time/atleta praticamente desconhecido surpreende e vence. Histórias assim ajudam a tornar o esporte mágico. Mas, no caso do Mundial de Clubes, por exemplo, eu torcia por uma final River Plate x Real Madrid, por ver mais atrativos no confronto. Da mesma forma que considerei uma decepção a última Copa do Mundo, na Rússia, sem Itália e Holanda – em que pese a incompetência de ambos nas eliminatórias.

Curioso foi descobrir, por meio de uma rápida pesquisa, que a adoração pelas zebras no esporte é um comportamento que já foi até estudado. Os responsáveis pela análise foram os norte-americanos Jimmy A. Frazier e Eldon E. Snyder, em artigo publicado no Sociology of Sport Journal em 1991 com o nome de “The underdog concept in sport”, em tradução livre, “O conceito de azarão no esporte”.

Após pesquisa com 100 estudantes, eles detectaram o que definiram como “economia emocional”. O torcedor, hedonista por princípio, quer sempre sentir o máximo de emoção com o esporte. Por isso, quando não é o time dele que está envolvido na disputa, ele transporta essa emoção para o resultado inesperado, e daí a torcida pelo triunfo do azarão.

Neste sábado, quando Real Madrid e Al Ain se encontrarem às 14h30 (de Brasília), no Estádio Sheikh Zayed, em Abu Dhabi, pela decisão do Mundial, novamente os fãs dos underdogs estarão a postos, torcendo por uma façanha dos árabes e secando os merengues – que buscam seu sétimo título na competição. Na teoria (e possivelmente na prática também), a missão dos donos da casa, a maior dos seus 50 anos de fundação, é inglória. Ao mesmo tempo, não deixa de ser sua maior chance de alcançar um feito histórico e jamais imaginado, até porque a fase do time merengue não é das melhores.

Enquanto o Al Ain ataca com a zebra, o Real, mesmo claudicante, contra-ataca com suas feras. Quem tem jogadores do nível, principalmente, de Kroos e Modric nunca pode ser subestimado. Sem contar Bale, que num dia iluminado como o de ontem definiu a parada diante do Kashima Antlers. Vamos ver qual animal vai se dar melhor na final nos Emirados Árabes.

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