Sempre tive pudor em chamar Seleção Brasileira de qualquer modalidade de “nossa seleção”, “nosso time”, e por aí vai. Nem tanto por simples frieza ou pela falta da sensação de pertencimento. Creio ser mais por rigor jornalístico, por entender que, por estar do lado de cá da notícia, seja necessário um certo distanciamento para que as análises tenham a maior imparcialidade possível. A busca é sempre pelo despojamento de emoções, para que a avaliação dos fatos não fique comprometida. Mas, confesso, volta e meia me pego caindo em tentação. Geralmente, tal quebra de regras é motivada por equipes/atletas que estão à margem de qualquer badalação, que contrariam estatísticas, que travam uma batalha inglória por espaço, por apoio. Que lutam pela sobrevivência na selva esportiva. Esse carinho travestido de solidariedade é o que me faz torcer pelo sucesso alheio. É, também, o que me faz torcer pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo de Futebol Feminino.
O Brasil chegou à França distante de qualquer favoritismo. Em baixa, rendendo pouco, mal treinado até. O técnico, Vadão, muito questionado por quem, de fato, acompanha a Seleção. Eram (e ainda são) muitas as perguntas: por que a antecessora dele, Emily Lima, não teve a mesma condescendência por parte da CBF, mesmo com os pedidos das próprias atletas para que fosse mantida no comando? Primeira mulher a dirigir o time feminino nacional, Emily ficou menos de um ano no cargo: em 13 partidas, foram sete vitórias, um empate e cinco derrotas.
Por que a insistência com Vadão quando o rendimento mostrava haver algo muito errado? As críticas se avolumaram quando veio a nona derrota em 10 amistosos. Mal posicionado no ranking da Fifa – atualmente, está em 10º –, o Brasil nem sequer foi cabeça de chave no sorteio que definiu os grupos do Mundial. Começou a competição sem expectativas. Foram vários os sinais de que, para uma campanha histórica, de título, não bastaria ter aquela que é apontada a melhor jogadora de todos os tempos, Marta – isso, aliás, nunca bastou. Não bastaria a experiência de Formiga, em seu sétimo Mundial de oito disputados. Ou a raça e o talento de Cristiane.
Veio a estreia no Mundial contra a Jamaica, uma equipe frágil, inocente até. Que, há cinco anos, nem existia, já que foi extinta pela federação de futebol do país por causa da falta de recursos e voltou a se reunir, a partir de 2014, graças ao apoio, moral e financeiro, de Cedella Marley, filha do lendário Bob Marley. Melhor adversária não poderia haver. Mesmo sem sua principal estrela, Marta, o Brasil jogou com seriedade, explorou as deficiências das jamaicanas e construiu uma vitória expressiva (3 a 0), num dia muito inspirado de Cristiane, autora do hat-trick.
Ontem, o primeiro desafio real, aquele que daria a exata medida do momento da Seleção Brasileira – e a gente já sabia que não era dos melhores. A Austrália não é um time qualquer. A maior parte das jogadoras se divide, durante o ano, entre o campeonato local e a liga norte-americana, uma das mais fortes do mundo. É o caso de Sam Kerr, uma das principais atletas do futebol feminino da atualidade.
O Brasil tinha Marta de volta e, a reboque da presença dela, a esperança de boa atuação. O primeiro tempo foi positivamente supreendente. O controle de jogo, a posse de bola, o posicionamento, a segurança defensiva, o repertório ofensivo... Não foi obra do acaso o placar de 2 a 0. No último ato da etapa inicial, as Matildas deram o primeiro sinal de força, diminuindo para 2 a 1. Na volta do intervalo, sem Marta e Formiga, o choque de realidade. Um time anestesiado, aceitando passivamente o crescimento australiano na partida. A virada para 3 a 2 foi questão de tempo. Mesmo com a legítima reclamação de um pênalti não marcado para a equipe brasileira, foi um placar normal dentro do que se previa antes de a bola rolar.
Diante das italianas, o time comandado por Vadão terá de ser aquele do primeiro tempo contra a Austrália para buscar a classificação para a próxima fase. Embora a Azzurra seja uma equipe que entrou numa curva ascendente apenas nos últimos dois anos, impulsionada pelo fortalecimento do futebol feminino no país, o desafio para as brasileiras não será pequeno. E isso se baseia tanto nas dificuldades externas quanto nas internas mesmo. São obstáculos que fazem não só com que eu me identifique como torça pelo êxito da (agora sim) “nossa seleção”. Porque eu acabo me sentindo parte delas, compreendendo que, às vezes, a solução não está apenas nas mãos – nos pés e cabeça – delas. A questão extrapola, e muito, o campo. O que está em jogo não é apenas um resultado. E, nessa hora, meninas, estamos juntas!