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TECNOLOGIA

Pioneirismo como marca registrada

Além de levar o primeiro homem ao espaço, academia russa formou estudiosos responsáveis por grandes invenções e descobertas

postado em 24/05/2018 16:12 / atualizado em 05/06/2018 21:02

AP Photo/ITAR-TASS
Se os jogadores brasileiros colocarem os pés em Samara, terão cumprido a primeira missão na Copa da Rússia: a classificação em primeiro lugar no Grupo E. Na cidade em que serão disputadas as oitavas de final, estarão pisando numa terra cujo significado é decididamente emblemático para a história aeroespacial mundial. Ela talvez seja síntese do protagonismo russo no campo das inovações tecnológicas, um país que, guardadas as polêmicas sobre a paternidade de muitas criações, reivindica responsabilidade por tantas delas nas mais variadas áreas – eletricidade, geração de imagens, aviação, computação...
AFP / Mladen ANTONOV

O caráter pioneiro na corrida espacial, porém, é ponto incontestável. E isso é icônico em Samara, como no museu espacial, de cuja fachada simplesmente brota um foguete Soyuz de 68 metros. Em 1961, um protótipo do Soyuz, o Vostok, construído por lá, levou o primeiro homem ao espaço, o cosmonauta Yuri Gagarin. Era um tempo em que, movidos pela Guerra Fria (a disputa pelo domínio da narrativa global entre comunismo e capitalismo), Rússia, sob a bandeira soviética, e Estados Unidos disputavam a primazia da liderança em que área fosse.

Como nada acontece por acaso, a posição geográfica estratégica de Samara, praticamente no centro russo, seria determinante para que ali fosse instalada parte do núcleo do setor de aviação, antes implantada em Voronej, bem a Oeste, no início dos anos 1930. Com o avanço das tropas alemãs na Segunda Guerra, o governo soviético tratou de proteger não só suas estruturas burocráticas, levando para Samara ministérios, construindo um bunker para Josef Stalin, como empurrou para o Leste do país algumas indústrias de peso, como a siderúrgica. Em dezembro de 1941 já saíam dali os primeiros aviões.

Texto da embaixada da Rússia sugere que os passos iniciais para esse protagonismo nasceram com a fundação da Academia de Ciências e da Universidade Estatal de São Petersburgo, em 1724, criada pelo czar Pedro, o Grande (1672-1725). O impulso adicional viria com a Universidade Estatal de Moscou, estabelecida em 1755. Era o caminho para ganhar força a escola da ciência e da inovação.

Teriam dado frutos, por exemplo, a projetos icônicos, como os de Vladimir Zworykin (1888-1982), que se mudaria para os Estados Unidos em 1919, considerado um dos “pais” da televisão. Ele criou em 1923 o tubo iconoscópico, que é a base desse aparelho eletrônico, cuja invenção é atribuída ao escocês John Baird dois anos mais tarde.

Entre os que se formaram em São Petersburgo está Dimitri Ivanovski (1864-1920), biólogo que descobriu o vírus, enquanto pesquisava o agente infeccioso que seria responsável por uma doença conhecida como mosaico, que atacava o tabaco. Seus estudos foram de 1892, precedendo os do holandês Martinus Beijerinck, de 1898.

E ainda que o norte-americano Thomas Edison seja reconhecido como o inventor da lâmpada incandescente, de 1879, há pioneirismo também em Alexander Lodygin (1847-1923), que em 1874 patenteou uma lâmpada com uma haste de carvão e em Pavel Yablochkov (1847-1894), que em 1876 criou uma de caulim. Todos inspirados nas pesquisas feitas pelo inglês Humphry Davy, tido como o “pai” da eletroquímica, no início do século 19.
Na esteira dos feitos aeronáuticos, a Rússia inclui ainda o Tupolev TU-144, o primeiro jato supersônico comercial, que voou dois meses antes do Concorde, em dezembro de 1968. Teve vida curta, porém. Um acidente em 1973 e outro em 1978, além de problemas técnicos, colocaram em xeque a viabilidade do projeto.

Sputnik, Laika, Vostok, Gagarin... Ícones soviéticos da corrida aeroespacial

Comece pelo Sputnik ou por Yuri Gagarin e o traço de pioneirismo na corrida espacial terá inevitavelmente a assinatura russa. O estopim estava na disputa direta pelo protagonismo mundial com os Estados Unidos e teria começado por motivos militares. Das experiências em busca de um foguete que pudesse lançar bombas surgiu o modelo que seria responsável pelo lançamento do primeiro satélite artificial ao espaço. Em 4 de outubro de 1957, o Sputnik, uma esfera de metal de cerca de 58 centímetros de diâmetro que emitia sinais de rádio, entrava em órbita.
AFP / Mladen ANTONOV

A missão durou até 4 de janeiro de 1958, embora as baterias do transmissor tenham se esgotado em 22 dias. Os dados coletados teriam auxiliado em estudos astronômicos sobre a atmosfera terrestre e meteoritos. O Sputnik II, foi lançado em novembro de 1957, colocando o primeiro ser vivo no espaço, a cadela Laika, cujos sinais vitais foram monitorados e, posteriormente, perdidos. A morte teria sido provocada por suposta falta de oxigênio, mas há versões que indicam superaquecimento da cabine.

Na guerra pela supremacia com os norte-americanos, viria o emblemático 12 de abril de 1961. Às 6h07 daquele dia (horário local), Yuri Gagarin, então com 27 anos, se tornaria o primeiro homem a viajar ao espaço. A bordo da nave espacial Vostok-1, impulsionada pelo foguete R-7, partiu do centro espacial de Baikonur, no Cazaquistão. Consta que, por segurança, o modelo era completamente automático, mas com um código para acionamento do controle manual em caso de emergência.

Havia razões para tamanho protocolo. De 48 cães enviados ao espaço pela União Soviética, 20 tinham morrido. Gagarin deu uma volta completa em torno da Terra em uma hora e 48 minutos. A ele é atribuída a frase que se tornaria célebre (“A Terra é azul”), embora alguns autores contestem a originalidade dessa informação. O astronauta retornou ao solo terrestre em uma área de plantação em Smelovka, na província de Saratov, a 300 quilômetros de onde deveria ter pousado, ejetando-se de paraquedas, como previsto.

Gagarin não só seria recebido como herói, como se tornaria celebridade mundial. Entre suas viagens ao exterior estava o Brasil, onde foi recebido em julho de 1961, passando por Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.