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FUTEBOL RUSSO

Jogador mineiro tenta driblar a intolerância de torcedores radicais do Zenit, da Rússia

Único negro do grupo, sua presença não agradou a parte radical da torcida

postado em 21/06/2018 23:21 / atualizado em 21/06/2018 23:45

AFP / Belga / VIRGINIE LEFOUR
Palco do duelo desta sexta-feira entre Brasil e Costa Rica, São Petersburgo é a casa do Zenit, um dos maiores clubes do país. Mas, mais do que os feitos no âmbito esportivo, o que chama a atenção – negativamente – é a intolerância de parte de sua torcida em relação aos negros. E um mineiro tem a missão de tentar superar essa escrita.

Natural de São Gonçalo do Sapucaí, no Sul de Minas, o volante Hernani começou a carreira no Vespasiano Esporte Clube, time amador da Região Metropolitana de BH. Destacou-se e foi para a base do Atlético-PR. Campeão sul-americano Sub-17 pelo Brasil em 2011, estreou como profissional no Furacão dois anos depois. Em dezembro de 2016, foi para o Zenit por 8 milhões de euros. Apesar de contar com ajuda dos compatriotas Giuliano e Maurício, as coisas não saíram tão bem no ano seguinte.

Único negro do grupo, sua presença não agradou a parte radical da torcida. Tanto que, no fim de março, em entrevista ao Daily Mirror, da Inglaterra, o presidente da Landscrona, mais violenta uniformizada do Zenit, soltou: “Não temos jogadores negros representando o Zenit. Temos apenas jogadores com a pele um pouco bronzeada”. O nome dele não foi divulgado pelo jornal.

Reprodução

Por pressão da torcida ou não, Hernani começou jogando no time B. Teve poucas chances na equipe principal, principalmente após a chegada do técnico italiano Roberto Mancini. Em agosto, acabou emprestado ao Saint-Étienne, da França. Agora, pode ter uma nova chance de mostrar seu valor e calar os preconceituosos. Novo técnico do Zenit, o russo Sergei Semak o incluiu na lista de 29 relacionados para a pré-temporada, iniciada domingo, em Mittersill, na Áustria. Continua sendo o único negro do grupo. Mas não conta mais com o apoio de nenhum outro brasuca, pois Giuliano e Maurício já deixaram o time.

HISTÓRICO

Atos racistas da torcida do Zenit vêm de longa data. Em 2008, a Uefa cogitou até eliminar o clube de suas competições. O preconceito era tão enraizado que o holandês Dick Advocaat, que treinava a equipe, confessou que não pedia contratação de negros para não contrariar os fãs.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu com o lateral brasileiro Roberto Carlos, em 2011, quando defendia o Anzhi, da Rússia. Durante o aquecimento para o jogo contra o Zenit, torcedores mostraram uma banana pro brasileiro.

Parte da torcida nem se preocupa em disfarçar o preconceito. Em dezembro de 2012, um grupo, intitulado Seleção 12, publicou manifesto justificando contrariedade às contratações de negros ou homossexuais. A direção do clube se posicionou, dizendo que “jogadores entram no time não pelas nacionalidades ou cor de pele”. Indiferentes, em 2013 alguns radicias chegaram a ir aos jogos vestindo capuzes brancos, ao estilo dos racistas norte-americanos da Ku Klux Klan.

Após período de aparente calmaria, os atos racistas voltaram com força total às vésperas da Copa. Em 2017, o goleiro Guilherme, brasileiro naturalizado russo, foi chamado de “macaco”. Neste ano, durante amistoso entre França e Rússia em São Petersburgo, sempre que os atletas negros franceses pegavam na bola, eram ouvidos gritos semelhantes aos de macacos. Em duelo pela Liga Europa, em junho, o alvo dos insultos foi Naby Keita, do Leipzig, nascido em Guiné. Lamentavelmente, a chama do ódio e do preconceito continua acessa.

PERFIL

Nome: Hernani Azevedo Júnior
Nascimento: /1994, em São Gonçalo do Sapucaí (MG)
Altura e peso: 1,78m e 77kg.
Carreira: Atlético-PR (2013; 2014 a 20116), Joinville (2013), Zenit (2017; 2018/2018); Saint-Etiénne (2017/2018)

FICHA TÉCNICA

Clube: Zenit
Fundação: 25 de maio de 1925
Sede: São Petersburgo
Títulos: Copa da União Soviética (1944); Campeonato Soviético (1984); Supercopa Soviética (1984); Campeonato Russo (2007, 2010, 2011/12, 2014/15); Copa da Rússia (1998/99, 2009/10, 2015/16), Supercopa da Rússia (2008, 2011, 2015, 2016); Copa da Uefa (2007/2008); Supercopa Europeia (2008)

SUCESSÃO DE VEXAMES

Março de 2008 – Torcedores do Zenit chamam jogadores do Olympique de Marselha de “macacos” durante confronto pela Copa da Uefa (atual Liga Europa). A entidade europeia cogitou eliminar o clube da competição, mas acabou aplicando apenas multa.

Março de 2011 – o brasileiro Roberto Carlos, que defendia o Anzhi, foi obrigado a aturar insultos racistas por parte de torcedores do Zenit, que mostraram uma banana para o brasileiro durante o aquecimento. Federação Russa multou o clube em US$ 10,6 mil.

Dezembro de 2012 – Grupo de torcedores do Zenit publica manifesto justificando sua política de contrariedade às contratações de jogadores negros ou homossexuais. Até essa época, era o único grande clube russo a nunca ter tido um atleta negro.

Dezembro de 2013 – Uefa puniu o Zenit por comportamento racista da torcida diante do Áustria Viena. Além de multa de 40 mil euros, parte do estádio foi interditado para o duelo contra o Borussia Dortmund, pela Liga dos Campeões.

Setembro de 2014 – O atacante brasileiro Hulk, jogador do Zenit, sofre ofensas raciais. Responde marcando gols.

Abril de 2015 – Brian Idowu, jogador russo de origem nigeriana, afirmou que, quando ainda atuava na base do Zenit, foi informado que seu caminho ao time principal seria inviável por sua cor de pele. Oficialmente, o clube negou.

Março de 2017 – Líder de uma das torcidas mais violentas do Zenit se recusa a reconhecer que há negros jogando pelo time. “Temos apenas jogadores com a pele um pouco bronzeada”.

Julho de 2017 – O goleiro Guilherme, brasileiro naturalizado russo, foi chamado de “macaco” pelos torcedores do Zenit, durante partida contra o Lokomotiv Moscou, seu clube.

Dezembro de 2017 – Uefa pune o Zenit com a interdição de parte do estádio e cobrança de multa de 16 mil euros em função de atitudes racistas da torcida durante o jogo contra o Valdar, da Macedônia.

Março de 2018 – Durante a vitória da França sobre a Rússia por 3 a 1, gritos semelhantes aos de macacos eram ouvidos sempre que atletas negros franceses pegavam na bola. Fifa multou a federação russa em 22 mil euros.

Junho de 2018 – Em duelo pela Liga Europa, torcedores do Zenit praticaram atos racistas contra Naby Keita, nascido em Guiné, e jogador do Leipzig (ALE). Além de multa de 50 mil euros, o clube foi punido pela Uefa com a disputa de uma partida com portões fechados.

JUSTIFICANDO O INJUSTIFICÁVEL

“Não somos racistas, mas a ausência de jogadores negros na escalação do Zenit é uma importante tradição que enfatiza a identidade do clube e nada mais.

Nós, como o clube mais setentrional das grandes cidades europeias, nunca compartilhamos a mentalidade de África, América do Sul, Austrália ou Oceania. Apenas queremos jogadores de outras nações eslavas, assim como dos países bálticos e Escandinávia. Temos a mesma mentalidade, histórico e cultura destas nações.

Grande parte desses campeonatos é jogada em climas duros. Nessas condições, às vezes, é difícil para os jogadores técnicos de países quentes exibirem seus talentos no futebol de forma completa. Queremos jogadores mais próximos da nossa alma e mentalidade para jogar pelo Zenit. E somos contra a inclusão de representantes das minorias sexuais no time”.

Manifesto de integrantes da torcida do Zentih, Seleção 12, divulgado em dezembro de 2012.

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