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Laura desabou, mas Luísa a reergueu: bastidores do pódio histórico do tênis

Brasileiras demonstraram poder de superação e protagonizaram uma das conquistas mais improváveis dos Jogos Olímpicos de Tóquio

31/07/2021 12:09 / atualizado em 31/07/2021 22:17
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Luisa Stefani vê Laura Pigossi desabafar de emoção com a medalha olímpica
foto: Vincenzo PINTO / AFP

Luisa Stefani vê Laura Pigossi desabafar de emoção com a medalha olímpica



Laura Pigossi não conseguiu aguentar. Parecia ter acordado do sonho que vivia desde 16 de julho, quando soube, de última hora, que iria a Tóquio para os Jogos Olímpicos. Aos prantos, pediu apoio à amiga de infância - e duplista no torneio de tênis no Japão - Luísa Stefani, que a ajudou a ser reerguer. A eliminação na semifinal da competição em que sequer sabia que havia sido inscrita a abateu profundamente. "Comecei a soluçar de tanto chorar", conta. Mas, em meio às lamentações, uma mensagem vinda de Minas Gerais a motivou rumo a um feito histórico para o Brasil: a medalha de bronze olímpica.

A paulista de 26 anos recebeu no celular uma foto que a fez perceber, ainda que momentaneamente, quem havia se tornado - ou melhor, quem poderia se tornar nas próximas horas. Na imagem, tenistas mineiros se reúnem para vê-la ao lado de Luísa em ação do outro lado do mundo. "Realmente mexeu comigo. Me fez lembrar quando eu tinha 12 anos vendo o Guga jogar na TV. Eu percebi como é jogar por um Brasil inteiro, como é representar uma nação. Me emocionou", conta, desta vez com um sorriso ao invés das lágrimas no rosto.

Luísa e Laura são mais do que uma história olímpica improvável. Em um país de baixíssimo investimento no tênis - especialmente o feminino -, a dupla conseguiu uma espécie de reparação histórica. O Brasil de Gustavo Kuerten, da lenda Maria Esther Bueno e de tantos outros tenistas memoráveis nunca havia conseguido chegar ao pódio da modalidade numa Olimpíada.

A espera durou décadas e parecia ter de se renovar até Paris, em 2024. As principais esperanças de medalha estavam, como em várias edições recentes, nos homens, que já tinham ficado pelo caminho. "Tinha muita gente pensando que a gente não ia chegar tão longe", desabafa Luísa.

Emoção de Luisa Stefani e Laura Pigossi em Tóquio
foto: Vincenzo PINTO / AFP

Emoção de Luisa Stefani e Laura Pigossi em Tóquio



Não era à toa. A dupla brasileira, que disputou menos de cinco torneios antes dos Jogos, tinha o pior ranking entre todos os competidores na capital japonesa. E nem sabia que atravessaria o mundo com a oportunidade de fazer história. A confirmação de que participaria da Olimpíada ocorreu em 16 de julho, a apenas oito dias do início da competição. E foi uma correria para que tudo desse certo.

Laura foi a primeira a saber - e a vibrar - da possibilidade de disputar os Jogos Olímpicos. Ela estava no Cazaquistão, prestes a disputar uma partida, quando recebeu a boa notícia de Eduardo Frick, gerente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). "Eu falava: 'Não, vou jogar a semifinal e depois te ligo'. E ele falou: 'Não, é agora, é urgente'. Pensei que tivesse algum torneio novo no Brasil. Nem sabia que a gente estava inscrita (na Olimpíada), não sabia que ia ter chance de a gente entrar. Fiquei sem chão", conta a tenista.

Mas ainda era preciso avisar a amiga. O telefone tocava, tocava, tocava, mas ela não respondia. "Nada me tira do sono", brincou. Era madrugada nos Estados Unidos, onde Luísa estava dormindo tranquilamente. Do outro lado do mundo, Laura, no Cazaquistão, corria para conseguir a resposta positiva da duplista e, nas últimas horas do prazo, confirmar a inscrição no torneio que, mal sabiam, as consagraria na história do tênis brasileiro.

Luisa Stefani e Laura Pigossi festejaram muito o bronze
foto: Vincenzo PINTO / AFP

Luisa Stefani e Laura Pigossi festejaram muito o bronze



Originalmente, as amigas realmente não disputariam os Jogos de Tóquio. Luísa é a número 23 do mundo nas duplas, enquanto Laura é só a 190. Sem ranking para o torneio, já estavam conformadas de que o sonho olímpico ficaria para três anos depois. Mesmo assim, Eduardo Frick resolveu inscrevê-las na lista de espera. Era torcer para o impossível. E o impossível aconteceu. As brasileiras herdaram vagas de outras tenistas que desistiram da competição e, mesmo desacreditadas, partiram rumo a Tóquio.

"Para jogar um torneio tem que estar inscrito. Se não está inscrito, não joga. Foi o que fizemos. Essa foi a inscrição feita no dia 22 de junho e eu sabia que o último dia que a lista poderia ter uma alteração era 16 de julho. E foi o que ocorreu. A ITF (Federação Internacional de Tênis) me liga pela manhã e diz que, com as realocações, as meninas tinham entrado. Teve uma dupla da Geórgia que reclamou. Elas tinham um ranking melhor que as meninas, mas não fizeram a inscrição. Paciência, nós que entramos e deu tudo certo", conta o dirigente.

O sonho olímpico


De tão improvável, a história das duas soa como um clichê. A ensolarada tarde de sábado no Ariake Tennis Park (madrugada no Brasil) parecia que terminaria da pior forma para as paulistas, que perderam o primeiro set por 6 a 4 para as russas Elena Vesnina e Veronika Kudermetova. A segunda parcial da disputa pelo bronze terminou com a mesma pontuação, mas a favor das brasileiras.

O super tie-break colocou Luísa e Laura contra as cordas. As russas abriram 9 a 5 e tinham quatro oportunidades para fechar o jogo. Mas não era a hora de desistir. Não depois de tudo o que havia passado com as duas. As brasileiras demonstraram um poder mental impressionante, emendaram seis pontos consecutivos contra as atuais vice-campeãs de Wimbledon e fecharam em 11 a 9 para conquistar o bronze histórico. O impossível, mais uma vez, agraciou a dupla.

Luísa e Laura superaram Fernando Meligeni como a melhor campanha do Brasil na história dos Jogos Olímpicos. Em 1996, o 'Fininho' ficou em quarto lugar em Atlanta, nos Estados Unidos. Guga chegou aos Jogos de Sydney (2000) como um dos favoritos ao pódio, mas caiu nas quartas de final contra, curiosamente, um russo: Yevgeny Kafelnikov, que conquistaria o ouro. Em Atenas (2004), caiu ainda na primeira rodada para o chileno Nicolás Massú - campeão olímpico naquele ano.

Lenda do esporte brasileiro, Maria Esther Bueno foi impedida de disputar Jogos Olímpicos. A tenista ganhou impressionantes sete grand slams no simples e 12 nas duplas, mas não participou do principal evento esportivo do planeta, já que a modalidade saiu do programa olímpico na década de 1930 e só voltou em 1996.

Na primeira Olimpíada sem Maria Esther viva, coube às paulistas a missão de resgatar a tradição das mulheres no tênis brasileiro, que recebe tão poucos investimentos. "Quanto mais meninas estiverem jogando e podendo ter esses sonhos, vivendo as experiências incríveis que tive, é o mais legal do esporte. Quero ver o tênis do Brasil crescer, fazer o esporte ensinar tanto para as nossas meninas", disse Luísa.

De volta ao sonho


As duas não conseguem e nem querem disfarçar: ainda estão vivendo o sonho. Por vezes, até elas mesmas duvidavam que poderiam chegar tão longe nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas chegaram. "Ainda não caiu a ficha. O sentimento... Eu não tenho palavras ainda para explicar. Não consigo acreditar que a gente tem uma medalha olímpica", contou Laura, que não parava de sorrir durante a entrevista coletiva após o heróico resultado no Ariake Tennis Park.

Elas não querem saber do futuro. É aproveitar o agora, viver intensamente o feito histórico que alcançaram quando (quase) ninguém acreditava. Para chegar ao bronze, tiveram que superar as canadenses Dabrowski e Fichman, as tchecas Pliskova e Vondrousova e as estadunidenses Mattek-Sands e Pegula. Na semifinal, caíram diante das suíças Bencic e Golubic, mas tiveram forças para dar a volta por cima e buscar o bronze contra as russas.

"O sentimento é incrível. Estou tentando aproveitar o momento o máximo possível. Não estou pensando em nada, estou só pensando em receber a medalha e comemorar. Isso vai ser o mais importante, é a única coisa que está passando na minha cabeça agora", sorriu Luísa.

A ordem é viver o momento:  "É comemorar agora, o resto a gente vê depois. É sentir, comemorar agora com o Time Brasil. Os próximos passos a gente vai ver. Isso é muito novo, é muito louco, é surreal. É aproveitar o momento agora e o resto eu aviso quando a gente souber", disse Luísa. "Por enquanto, a gente não tem nenhum plano", respondeu Laura. "O plano é aproveitar o momento", completou Luísa.

As homenagens


Nas redes sociais, tenistas brasileiros exaltaram o feito das paulistas. "Vitória histórica! Parabéns pela conquista desse nosso sonho. Medalha inédita para o tênis brasileiro. Simplesmente fantástico!", comemorou Guga.

"Obrigado, Luísa e Laura. Eu me senti vingado. Obrigado por tirar esse fardo eterno do quase medalha para o tênis até esta madrugada. O tênis tem sua medalha olímpica sim!", festejou Meligeni.

"Feriado nacional. Para tudo. Vocês são foda, Lu e Lau. Obrigado por tanto", escreveu o mineiro Bruno Soares, impedido de disputar os Jogos de Tóquio por uma apendicite.

"Lutaram do primeiro ao último ponto, salvaram match points, acreditaram em vocês e na equipe! Medalha mais do que justa! Muito feliz por vocês, aproveitem e curtam bastante! Espero que incentive a garotada a acreditar no sonho de conquistar uma medalha, um Grand Slam ou de até mesmo ser um tenista profissional!", publicou o também mineiro Marcelo Melo.

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