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DA ARQUIBANCADA

O mundo tá chato? Pois vai piorar

Um grande clube de futebol é uma instituição que gera cultura, influencia posicionamentos, propaga visões de mundo. Pode apequenar-se ou agigantar-se diante dos desafios que estão além do futebol

postado em 09/12/2017 12:00

BRUNO CANTINI / ATLÉTICO
Robinho foi acusado de participar de um estupro coletivo na Itália em 2013. De investigado, passou a indiciado. De indiciado, a réu. Foi julgado e condenado, em primeira instância, a nove anos de prisão. A notícia saiu no New York Times, no Guardian, na Reuters, na BBC, em todos os noticiários da Itália, em todos os grandes jornais do Brasil. Nas fotos que ilustram boa parte dessas reportagens, Robinho veste a camisa do Atlético. O clube é citado em dezenas de matérias. Mas os nossos dirigentes não têm opinião sobre o assunto.

O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em 2016, registra 45.460 casos de estupro no Brasil. Um outro levantamento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, revela que apenas 10% dos casos são reportados à polícia – e que as tentativas ou os estupros de fato chegam a 527 mil. Mesmo que se considerem apenas os 10%, atingimos a incrível marca de um estupro a cada 11 minutos, e um estupro coletivo a cada 2 horas e meia. 69,9% das vítimas são menores de 19 anos. Mas os nossos dirigentes acham que o caso de Robinho é “um assunto particular”.

Desde os grandes protestos de 2013, o Brasil vive o embate entre a modernidade e a Idade Média. Conservadores desejam conservar as coisas como sempre foram, a despeito de viver na cloaca do mundo, num dos países mais desiguais do planeta; minorias e maiorias (negros e mulheres) oprimidas desejam romper com o atraso – a tradição escravocrata, racista, machista e corrupta que nos caracteriza e define desde sempre. O Brasil de hoje prende e humilha reitores sem antecedentes criminais, enquanto malas de dinheiro sujo não provam nada. O Brasil criminaliza curadores de museu, enquanto um helicóptero com meia tonelada de cocaína paira sobre as nossas consciências. Pode parecer que a Idade Média triunfará gloriosa, tendo à frente, digamos, um Magno Malta montado em seu cavalo branco. Mas o Belchior é que sabia das coisas: é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem. Ah, se vem!

Em 1908, apenas 20 anos depois de abolida a escravidão, 22 estudantes da elite de Belo Horizonte escolheram fundar um clube em que houvesse negros e brancos, pobres e ricos, homens e mulheres – simbolizados pelas listras de sua camisa, o preto e o branco em condição de igualdade. Era muito mais do que futebol, como gostam de dizer muitos daqueles que agora atacam as “feministas do Galo” por gritarem contra Robinho: o Atlético era o sonho de uma cidade que acabava de nascer, a utopia de um Brasil mais justo e solidário. “Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único. Espero que um dia você se junte a nós, e o mundo será como um só” – o Galo era (e é) Lennon, Gandhi, Mandela, Zumbi, o papa Francisco. O fascismo, como se sabe, jogava em outro time.

Se tivéssemos de eleger uma única pessoa capaz de representar tudo o que somos desde 1908, essa pessoa seria Reinaldo José de Lima (como dizia o Willy, botando o Rei na frente do José). Tudo em Reinaldo nos remete ao Atlético e vice-versa: o sonho, o talento, a alegria, a consciência social, a tragédia, a injustiça, o azar. Se tivéssemos de escolher uma imagem apenas capaz de simbolizar o que somos, seria o Rei com o punho cerrado, símbolo histórico de luta e resistência: podem nos roubar, podem nos torturar e matar, mas nós vamos ficar e resistir. Nós vamos ficar e cantar.

Robinho pode recorrer de sua sentença. Tem o direito mais uma vez de provar sua inocência, e todos torcemos para que o faça. Mas enquanto não o faz, deveria ser afastado, em respeito à história do Atlético e a todas as suas torcedoras, mesmo àquelas a quem falta consciência sobre a luta das mulheres e suas motivações. Um grande clube de futebol é uma instituição que gera cultura, influencia posicionamentos, propaga visões de mundo. Pode apequenar-se ou agigantar-se diante dos desafios que estão além do futebol. Infelizmente, só consigo imaginar nossos valorosos dirigentes reclamando da faixa das “feministas do Galo” instalada em frente à sede esta semana: “O mundo tá chato”. Adoro a resposta que elas têm a esse slogan da Idade Média: “Tá achando chato? Pois vai piorar”. Tomara.

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