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Atlético: economista avalia impacto de doação de R$ 49 milhões no balanço do clube e vê em venda de shopping saída para reduzir dívida

De acordo com o gestor em finanças do esporte Cesar Grafietti, clube deveria cortar custos para reduzir o endividamento

postado em 24/06/2020 06:00 / atualizado em 24/06/2020 09:48

(Foto: Bruno Cantini/Atlético)
O Atlético é um dos poucos clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro que ainda não publicaram o balanço referente ao ano de 2019. Os dados financeiros já foram encaminhados para o Conselho Fiscal, mas, até agora, nada foi oficializado. Apesar disso, o documento vazou e alguns dados chamaram atenção, como a doação do empresário Rubens Menin (MRV) de R$ 49 milhões ao clube. Esse valor se refere ao terreno no bairro Califórnia onde o Galo construirá seu estádio. Embora não tenha entrado dinheiro em caixa, isso reduziu o déficit no período de R$ 55 milhões para R$ 5.785.901.  


Em entrevista ao Superesportes, o economista Cesar Grafietti explica que esse tipo de operação não é considerada uma irregularidade contábil, mas confunde torcedores e conselheiros que não se aprofundam nos números.

“Não está errado. Sob o ponto de vista técnico, está tudo certo. Mas claramente gera uma sensação e um impacto diferente da realidade. O problema é que tanto os torcedores como muitos conselheiros e sócios se prendem a poucas linhas das demonstrações financeiras. Por isso, o ideal é fazer uma análise independente que ajuste os itens contábeis à realidade econômico-financeira”, disse.

O endividamento do clube em 2019 chegou a quase R$ 94 milhões. No geral, o Atlético tem a quinta maior dívida dos clubes brasileiros, com cerca de R$ 700 milhões líquidos - o valor varia de acordo com critérios usados no cálculo. Em entrevista recente à Rádio Itatiaia, o presidente Sette Câmara culpou a herança recebida pelos antecessores e os juros.

“Quando esta diretoria assumiu o clube, nossa dívida líquida era de R$ 538 milhões, valor este publicado no balanço auditado de 2017. Essa dívida corrigida em 31/12/2019, pelo CDI, atingiria um montante de R$ 630 milhões, ou seja, apenas com o efeito financeiro produzido pela correção monetária, sem considerarmos os juros contratuais. Dessa forma, o endividamento líquido atual de R$ 656 milhões nada mais é que a evolução da dívida anterior, corrigida pelas taxas de mercado e juros contratuais. Esses valores podem ser facilmente verificados na publicação de nossos demonstrativos”, ponderou.

Para Cesar Grafietti, o Atlético deveria pagar parte do passivo para reduzir o dinheiro destinado a juros. Hoje, o Galo tem o segundo maior endividamento por empréstimo bancário: cerca de R$ 312 milhões. Grande parte deste valor é devido ao banco BMG, do ex-presidente do clube, Ricardo Guimarães.

"Tanto a correção como parte da dívida precisam ser pagas. E isto significa tirar dinheiro do clube de alguma forma. Além do aumento real da dívida de quase R$ 30 milhões (segundo as próprias contas do presidente), parte dessa correção precisa ser paga, drenando dinheiro do clube. As dívidas historicamente altas são um problema na gestão porque demandam esforços em administração, rolagem, alongamento, geram pressão de fluxo de caixa. A realidade é que os clubes mais endividados precisam reduzir a dívida, mas para isso precisam cortar custos, usar receitas extraordinárias como venda de atletas para liquidar passivos. A verdade é que ninguém quer fazer isso”, destaca o economista.

Rota oposta?

Se precisa economizar para pagar parte do passivo em busca de uma melhor situação financeira no futuro, hoje o Atlético parece fazer justamente o contrário. A pedido do técnico Jorge Sampaoli, o clube contratou nos últimos dias o zagueiro Bueno, do Kashima Antlers; o volante Léo Sena, do Goiás; o meio-campista equatoriano Alan Franco, do Independiente del Valle; e os atacantes Marrony, do Vasco, e Keno, do Pyramids.

O Atlético alega que o investimento é feito com dinheiro de empresários ligados ao clubes, em especial do conselheiro Rubens Menin (MRV). Segundo a diretoria alvinegra, o montante destinado às contratações é um empréstimo sem juros. O clube pagará quando conseguir vender os jogadores.

Apesar disso, os salários serão quitados pelo próprio Atlético. Sette Câmara alega que fez uma engenharia financeira, demitindo mais de 200 funcionários. Alguns atletas também foram afastados, mas ainda não assinaram a rescisão formal ou foram vendidos ou emprestados. São os casos do lateral-esquerdo Lucas Hernández, dos volantes Zé Welison e Ramón Martínez, e dos atacantes Franco Di Santo, Edinho, Clayton e Ricardo Oliveira.

Em entrevista ao Superesportes, ele se mostrou seguro de que esses investimentos recentes darão, na verdade, condições de o clube reduzir suas dívidas em médio prazo. Sette Câmara argumenta que um bom time gera grandes vendas de atletas, premiações relevantes, mais bilheteria e aumenta a comercialização de produtos oficiais.

"Não, não temo (deixar dívidas para outras gestões). Nós vamos, na verdade, é colocar o Atlético sem dívida nenhuma. Até porque o trabalho que a Ernst & Young (consultoria) está fazendo é justamente estruturar o clube economicamente. Se você fizer esse tipo de análise (com receio de contratar e se endividar), ninguém contrata jogador visando ganhar dinheiro. E aí não vai ter elenco e sem elenco corre o risco de cair. O clube que cai de divisão não ganha nenhum centavo (um modo de falar). Vai ganhar um valor irrisório. (...) Você estando bem colocado no Brasileiro, coloca a mão em R$ 30 milhões. Estando lá atrás, não pega a metade disso", disse o mandatário.

Venda de shopping para redução do passivo

Uma das possibilidades para a redução da dívida é a venda dos direitos sobre 49,9% do shopping Diamond Mall a que o Atlético tem direito. O clube negociou 50,1% por R$ 250 milhões em 2017. Com os juros, já que só começou a receber o dinheiro no início deste ano, o Galo terá acesso a cerca de R$ 300 milhões - o restante do pagamento será feito durante os próximos 48 meses.

A outra porcentagem que pertence ao Galo é avaliada pelo clube em R$ 435.965.000,00. Em caso de venda, o Atlético conseguiria abater parte considerável do passivo, deixando de perder dinheiro com juros. Contudo, o clube deixaria de ganhar uma renda anual do faturamento de aluguéis, que rendeu em 2019 aproximadamente R$ 10 milhões ao Galo.  

Sérgio Sette Câmara chegou a montar um grupo de estudo para discutir a venda do restante do imóvel no bairro de Lourdes. Por enquanto, o assunto ainda não avançou. Caso a diretoria queira prosseguir com a ideia, o Conselho Deliberativo deve aprovar a negociação, assim como ocorreu em 2017. Ex-diretor financeiro do Atlético, Carlos Fabel chegou a dizer em 2018 que o clube não conseguiria equacionar as dívidas sem vender o shopping.  

O economista Cesar Grafietti acredita que a venda pode deixar o clube financeiramente mais saudável. “Vejo com bons olhos a venda do shopping. Mas para isso é preciso uma mudança de comportamento, pois significa que não haverá mais onde se apoiar para conseguir dinheiro que tape buracos de gestão. Uma alternativa é conseguir estruturar uma operação de longo prazo com o fluxo de caixa do shopping, alongando o passivo existente. O que é fundamental é dar uma solução que reduza o custo do passivo e retire a pressão sobre o caixa do futebol”.

O que pensa o presidente?

Consultado pelo Superesportes sobre a possibilidade de o Atlético se desfazer do percentual que tem do shopping, Sérgio Sette Câmara lembrou que essa é uma decisão do Conselho. Pessoalmente, sua posição é de que a venda só poderia ocorrer se o estatuto do clube for modificado a ponto de evitar que futuros presidentes coloquem em risco a saúde financeira da instituição.

Hoje, ele vê no regimento interno poucos mecanismos de controle sobre os gastos por parte da diretoria executiva. 

Para Sette Câmara, a perda da receita do shopping, conciliada com um estatuto pouco rigoroso com eventuais gastos abusivos, pode fazer, no futuro, desandar ainda mais o quadro financeiro do Atlético.

“A minha posição é que isso pode vir a ser a solução (venda do shopping para liquidar dívidas), mas desde que se decida concomitantemente de uma alteração radical do nosso estatuto. Nós não podemos nos desfazer de um patrimônio como esse e correr o risco de mais adiante voltar a ter algum tipo de endividamento no clube. A mudança radical no estatuto seria no sentido de criar mecanismos rígidos de controle da diretoria executiva. Tirar um pouco do poder da caneta do presidente e de sua diretoria no sentido que ele possa fazer algum tipo de investimento, venda, contratações, outras coisas mais, sempre com a concordância de um conselho gestor que esteja no dia a dia e sempre dentro do orçamento votado. São evoluções necessárias no nosso estatuto para se pensar na venda do shopping. Sem isso acontecer, eu mesmo seria contrário”, pontuou.

Colaboraram Bruno Furtado, João Vitor Marques, Roger Dias e Túlio Kaizer

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