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Atletas que não embarcaram relembram mortos; famílias seguem sem indenização

Hyoran e Rafael Lima destacam torcida pela permanência do clube na Série A; advogado explica situação judicial entre familiares de vítimas e clube

postado em 29/11/2018 12:10 / atualizado em 29/11/2018 15:36

Breno Fortes/CB/D.A Press
É difícil chamar de “sorte” quando alguém perde tantos amigos e companheiros de clube de repente. Porém, 11 jogadores do elenco da Chapecoense de 2016 não estavam no voo LaMia 2933, quando 71 pessoas morreram a caminho de Medellín, onde a equipe jogaria a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional.

Por motivos diferentes, Martinuccio, Hyoran, Nivaldo, Marcelo Boeck, Moisés, Cláudio Winck, Demerson, Neném, Lucas Mineiro, Lourency e Rafael Lima não foram relacionados pelo treinador Caio Júnior para aquela que seria a partida mais importante da história do pequeno time catarinense.

O assunto ainda mexe com o meia Hyoran, campeão brasileiro no último domingo pelo Palmeiras. “É muito difícil falar sobre o acidente. Não tenho palavras para descrever a dor e o sentimento por tantas perdas”, diz em entrevista exclusiva ao Correio. À época, ele estava acertado com o time paulista e não viajou devido a uma lesão no joelho direito.
Nascido em Chapecó, Hyoran chegou ao clube em 2013, com 22 anos. Na temporada seguinte, estreou como profissional com a camisa do Verdão do Oeste. Marcou oito vezes em 78 partidas. Além do título continental, levantou a taça do Campeonato Catarinense de 2016.

Perguntado sobre a sensação de quase ter embarcado no voo, Hyoran se esquiva. “Não gosto de pensar como seria ou deixou de ser. A dor é grande e não penso no assunto”. Ele ainda tem contato com várias pessoas no clube, incluindo os sobreviventes Neto, Jakson Follmann e Alan Ruschell.

Uma morte foi mais dolorosa para o meia do Palmeiras. O lateral-esquerdo Dener seria padrinho de Isaac, filho de Hyoran. A criança completará dois anos em abril. Além disso, o casamento de Dener com a então namorada seria apadrinhado por Hyoran e a esposa dele. “Deus me conforta, e graças a Ele conseguimos viver bem, em frente, mesmo com tantas perdas significativas”, diz.
Hoje no Coritiba, o zagueiro Rafael Lima é outro que não fez check-in no voo de 29 de novembro de 2016. Estava no clube desde 2012, tinha 30 anos e perdeu espaço ao longo daquela temporada. Por isso, não estava entre os relacionados para a decisão da Sul-Americana. Mesmo assim, entrou em campo em 20 partidas do Verdão do Oeste.

Torcedor

Depois do acidente, ele deixou a Chape e acertou com o América-MG, antes de fazer as malas para o Coxa. Mesmo tendo rodado por duas equipes após a tragédia, Rafael Lima é fã do time de Chapecó. “Eu penso sempre no clube. Torço para que eles se mantenham na Série A. Foi uma oportunidade única para mim, já que estava desempregado antes de chegar lá”, relembra. A Chapecoense depende apenas dela para permanecer na elite. Neste domingo, os catarinenses precisam vencer o São Paulo, na Arena Condá, para não ter riscos de rebaixamento. O Verdão do Oeste jamais foi rebaixado.

Dos 19 atletas que faleceram, o atacante Bruno Rangel é quem mais deixou saudade. “Era um cara muito para cima, além de ser um exímio matador. Sempre lembro dele falando para a gente segurar lá atrás, que no ataque ele guardaria pelo menos um gol. Geralmente, ele fazia mesmo”, conta Rafael Lima, companheiro de Rangel entre 2012 e 2016. Lima é padrinho do filho de Neném, outro atleta que não embarcou para Medellín.

Além dos jogadores, a perda de Anderson Paixão, preparador físico, mexeu com o emocional de Rafael Lima, hoje com 32 anos. “Uma das figuras mais importantes da história da Chape. Além da preparação física, era psicólogo, sempre ajudava todos”, elogia. O profissional era filho de Paulo Paixão, membro da comissão técnica da Seleção Brasileira na campanha do penta, em 2002.

A reportagem tentou entrar em contato com Marcelo Boeck, goleiro campeão da segunda divisão do Campeonato Brasileiro com o Fortaleza, mas ele afirmou que ainda não se sente confortável para comentar sobre o assunto. Ele não embarcou com a Chapecoense por ter pedido dispensa da partida. Estava insatisfeito com a titularidade de Danilo. O arqueiro comemora o aniversário com o filho, em 28 de novembro, e pediu para ficar no Brasil, pois seria reserva. Por isso, Jakson Follmann, um dos que sobreviveu ao acidente, foi convocado para o duelo.

 
Na Justiça, processos seguem sem solução 

Breno Fortes/CB/D.A Press
Enquanto os sobreviventes do voo, ex-companheiros e familiares lamentam a tragédia de dois anos atrás, os advogados das famílias das vítimas ainda tentam, na Justiça, que as viúvas e parentes recebam a indenização por parte dos culpados pelo acidente aéreo.

O advogado Marcel Camilo acredita que os processos judiciais estão longe do desfecho. Até o momento, ele só entrou com ações contra a Chapecoense. “Já ocorreram as primeiras audiências, algumas testemunhas estão sendo ouvidas. É difícil precisar os prazos na Justiça. Imagino que, para esta sentença, no mínimo seis meses, e ainda cabe recurso”, analisa a defesa dos familiares de Gil, Ananias, Rangel, Gimenez, Canela e Lucas Gomes.

Apesar de o clube se posicionar apenas como vítima na situação, Marcel Camilo acredita que a Chape foi negligente em diversas situações. “Caixões chegaram quebrados ao Brasil. Os corpos foram tratados para suportar 10 dias, sabendo que o processo demoraria mais, simplesmente por ser mais barato. O sofrimento da família, que jogou perfume nos corpos durante o velório, começa aí”, disse ao Correio, em novembro de 2017.

Como processo judicial é lento, o pagamento pode ser feito apenas em 2021. Os familiares dos mortos no acidente de Medellín têm direito a indenizações a serem pagas pela Chapecoense, pela Lamia — companhia aérea boliviana responsável pela viagem — e pela Pisa, seguradora contratada por clube e empresa na ocasião. (VG)

Saiba onde estão os jogadores que não embarcaram no voo da tragédia

Cláudio Winck> não viajou por opção > está no Sport-PE
Demerson > não viajou por opção > está no Bali United (IND)
Hyoran > não viajou por lesão > está no Palmeiras-SP
Lourency > não viajou por opção > está no Brasil de Pelotas-RS
Lucas Mineiro > não viajou por opção > está no Ponte Preta-SP
Marcelo Boeck> não viajou porque pediu dispensa > está no Fortaleza-CE   
Martinuccio > não viajou por lesão > está no CD Móstoles (ESP)
Moisés > não viajou por opção > permanece na Chapecoense-SC*
Neném > não viajou por opção > permanece na Chapecoense-SC
Nivaldo > não viajou por opção > está aposentado**
Rafael Lima > não viajou por opção > está no Coritiba-PR

*Em agosto, Moisés falhou no exame antidoping pelo uso de corticoide. Ele foi suspenso por dois anos.
**Após a tragédia, Nivaldo assumiu o cargo de gerente de futebol do clube.