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TRAGÉDIA

Avião fez várias viagens com o combustível no limite, uma delas de BH para Buenos Aires

Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da LaMia

Renan Damasceno
- Foto: ARTE / ESTADO DE MINAS

Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da empresa LaMia, que operava o voo que fez 71 vítimas no trecho entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na terça-feiraNos últimos quatro meses, o Avro RJ-85 realizou cinco voos com mais de quatro horas de duração, sem escala para abastecimento, entre eles o que levou a Seleção Argentina de Belo Horizonte para Buenos Aires, em 11 de novembro, logo depois da derrota para a Seleção Brasileira por 3 a 0, no Mineirão.

Segundo dados da plataforma FlightRadar consultados pela reportagem, a aeronave realizou três voos sem abastecimento no sentido oposto ao da última segunda-feiraEm 22 de agosto, a aeronave cumpriu o trecho entre Medellín (Colômbia) e Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) em 4h28minNas outras duas vezes, o voo durou 4h32min e 4h33min, sempre no limite da autonomia, que era de 4h30min, segundo os fabricantes da aeronaveAinda houve um quarto voo, entre Medellín e Cochabamba, que durou 4h27, em 28 de outubroNeste período, na única vez em que voou entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na manhã de 22 de agosto, o piloto fez escala para abastecimento em Cobija, na fronteira entre Bolívia e Brasil, que era uma das opções para o trajeto com a equipe da Chapecoense – a outra alternativa era via Bogotá.

A aeronave esteve em Belo Horizonte no mês passadoEla viajou de Santa Cruz para Buenos Aires, em 5 de novembro, e no dia seguinte seguiu para a capital mineira com parte da comissão técnica e alguns atletasO voo durou 3h29Depois da partida do Mineirão, ele partiu de Confins às 3h56 e chegou ao aeroporto de Ezeiza às 7h – totalizando 4h04 de percurso.

“O avião tem que ter autonomia para cumprir o trecho, além de combustível extra para chegar até um aeroporto alternativo, mais 45 minutos, caso precise taxiarO piloto, que também era dono da companhia, decolou no limiteA única explicação é ganância e irresponsabilidade”, afirmou à reportagem Ivan Sant’Anna, piloto e autor de livros sobre acidentes na aviação.

Ontem, segundo o jornal boliviano El Deber, a Agência de Aviação da Bolívia colocou em xeque o plano de voo da Lamia, uma vez que a autonomia – 4h22min – era o mesmo tempo da previsão da viagem
A oficial Celia Castedo Monasterio questionou a duração e pediu mudança, mas Alex Quispe, um dos tripulantes e despachante, sustentou que o combustível era suficiente“Não, senhora Celia, essa autonomia, como me passaram, chega bemFazemos em menos tempo, não se preocupe”, teria dito Quispe à funcionária.

“Podemos perceber que o piloto já estava voando neste limite há algum tempo e achou que daria”, analisou Sant’Anna“Mas precisamos aguardar os desdobramentos das investigações para saber por que ele não pediu emergência para posar, o que o faria ser o primeiro na filaQualquer avião, desde os anos 1960, por mais simples, tem indicadores de combustível e tempo até a chegadaEle (o piloto) foi culpado”, enfatizou.

Na quarta-feira, autoridades colombianas confirmaram que pane seca foi a causa da queda do avião da LaMiaA última conversa entre o piloto Miguel Quiroga e a torre de comando foi a peça que ajudou a montar o quebra-cabeçaOntem, em carta divulgada pela imprensa colombiana, a controladora de voo que fez o último contato com a aeronave, Yaneth Molina, desabafou e afirmou ter feito o procedimento que a situação demandava.

“Lamentavelmente, meus esforços foram em vão pelas razões que todos vocês conhecem(…) Tudo que fiz na frequência foi para preservar a integridade dos ocupantes dessas aeronaves, principalmente e porque os ocupantes das outras aeronaves estavam sob minha responsabilidade”, disse a controladora, que manteve contato com voos da LaMia, LaTam, Avianca e VivaColombia, que solicitou e teve prioridade no pouso por causa de vazamento de combustível – em razão disso, o voo que levava a delegação da Chapecoense precisou dar voltas e acabou caindo a poucos quilômetros do aeroporto José Maria Córdova.

Avião chegou a transportar a Seleção Argentina entre Buenos Aires e Belo Horizonte - Foto: Reprodução Twitter

ERROS EM SÉRIE

1) Voar uma distância (2.975 quilômetros) muito próxima à autonomia da aeronave (3.000 quilômetros)O piloto teve duas chances para reabastecer e não o fez
O reabastecimento implicaria em taxas aeroportuárias

2) Apesentar plano de voo com combustível suficiente somente para o tempo total da viagem (4h22min), sem previsão de abastecimento, enquanto a legislação exige cota extra para chegar a um aeroporto alternativo, equivalente a mais 45 minutos de voo

3) O piloto não ter ouvido o alerta de uma funcionária da Agência Nacional de Aviação da Bolívia (Aasana), que questionou o risco do plano de vooO avião não poderia ter decolado da Bolívia

4) Não ter pedido emergência à torre de comando, passando de quarta à primeira aeronave na fila de pouso em MedellínA declaração de emergência poderia implicar em punições ao piloto Voar no limite da autonomia da aeronave era uma prática recorrente da empresa LaMia, que operava o voo que fez 71 vítimas no trecho entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, na terça-feiraNos últimos quatro meses, o Avro RJ-85 realizou cinco voos com mais de quatro horas de duração, sem escala para abastecimento, entre eles o que levou a Seleção Argentina de Belo Horizonte para Buenos Aires, em 11 de novembro, logo depois da derrota para a Seleção Brasileira por 3 a 0, no Mineirão.