No encontro, o segundo em menos de 15 dias, o departamento jurídico da Chapecoense entregou cópias dos seguintes documentos: relatório preliminar do acidente; certificado da aeronave e matrícula Lamia; contrato firmado entre Associação Chapecoense e Lamia; apontamentos da Sra. Célia Castedo Monasterio sobre o plano de voo; e o plano de voo. Muito pouco, na opinião de Fabienne Belle, viúva do Cezinha, ex-fisiologista da comissão técnica catarinense, um dos 71 mortos.
"A maior preocupação nossa são os prazos. Nós sabemos que todas essas questões têm um prazo para ser levada à justiça. Estamos completando dez meses (do acidente) e até agora não evoluímos em absolutamente nada. Mesmo a entrega desses documentos mostra que pouco evoluímos nas questões das investigações e responsabilidades", argumenta a presidente da AFAV, que sequer tem informação sobre a data limite para tal.
"O prazo não foi passado para nós. Nossos advogados buscam informações e ainda não mostraram essa questão da quitação.
Toda a investigação precisa ser concluída até 29 de novembro e até agora apenas indenizações de seguros de vida previstos nos contratos dos jogadores e dos profissionais de imprensa que acabaram mortos foram acertados.
"Ainda não recebemos nada, nenhum familiar recebeu nada. O seguro foi negado, porém, eles nos ofereceram um fundo humanitário de 200 mil dólares por vítima. Caberia a cada família aceitar ou não, mas ninguém aceitou, principalmente porque não ficou definido que tipo de situação seria caso alguém aceitasse", afirma Fabienne.
A seguradora citada é a boliviana BISA, que tem a britânica Clyde&Co como sua representante legal, vinculada a aeronave da Lamia.
"Nesse seguro vinculado a apólice, o teto (de indenização) seria de 25 milhões de dólares. Essa apólice foi negada por causa de algumas cláusulas, como por exemplo uma cláusula de restrição geográfica, ou seja, o avião não poderia voar para a Colômbia, não poderia levar uma equipe de futebol, entre outras", diz Fabienne, claramente preocupada com tanta burocracia.
E nenhuma situação simboliza tão bem essa dificuldade para acesso a documentos quanto a ligação do governo boliviano no caso. Fernando Mattos, diretor de comunicação da Chapecoense e responsável por intermediar as conversas com AFAV, corrobora com o discurso de Fabienne nesse sentido.
"Nós tivemos realmente uma missão muito árdua dos profissionais na busca dos documentos, principalmente na Bolívia. O que os advogados colocaram como ponto de destaque foi o plano de voo, por exemplo. Apesar dele já ter aparecido em reportagens, nós não tínhamos conseguindo obter ele de maneira oficial, ou seja, se você apresenta uma ação e falta esse documento, tem a dificuldade imposta pela lei. Mas, quando esses documentos chegaram, prontamente marcamos a reunião (com a AFAV) para fazer o compartilhamento, porque todos têm estratégia jurídica para o futuro", revela Mattos, um pouco mais satisfeito com o que foi recolhido nessa última coleta de arquivos.
"Os advogados entendem que esses documentos que a gente obteve atestam uma responsabilidade primeira (entende-se Lamia) nessa autorização do voo. No momento de apurar a responsabilidade, esses documentos têm comprovações importantes", diz. "O plano de voo mostra que o tempo de duração é o mesmo tempo de autonomia da aeronave. Já é uma situação que você tem argumentos para não autorizar o voo, como foi feito", completa.
Chape e famílias ainda buscam entendimento
A próxima reunião entre representantes da Chapecoense e familiares das vítimas está marcada para 16 de outubro, em Chapecó. Lá, provavelmente Fernando Mattos comunicará a decisão do clube sobre a divisão do valor arrecadado com os jogos que a equipe verde fez no exterior: primeiro contra o Barcelona, depois na Copa Suruga e por fim, diante da Roma.
"Dos jogos na Europa, nós solicitamos que fosse mudada a forma de ratear esses valores. O clube colocou nessa reunião de sexta o valor que seria repassado, na verdade um valor que nós discordamos e pedimos que fosse reavaliado, porque é muito discrepante: 25%, que nós refutamos, porque não é um valor justo diante do fato", opina Fabienne.
"O clube precisa se refazer, mas quem perdeu mesmo foram as famílias e quem tem menos chance de se reconstruir são as famílias.
Fernando Mattos admite que não houve um acordo e que nos próximos dias se terá uma definição sobre quanto a Chapecoense de fato repassará aos familiares das vítimas da tragédia.
"Não houve, naquele momento, uma concordância. Houve uma contraproposta das associações. Agora, temos o compromisso de nos reunirmos com a direção do clube, apresentarmos o que foi discutido e tomar uma decisão. Vamos comunicar prontamente assim que a gente chegar a um consenso, mas o diálogo nesse sentido foi muito tranquilo, a opinião deles é importante, sem criar uma polêmica. Creio que a gente vai se entender", diz, antes de detalhar como o dinheiro está chegando ao clube.
"O único recurso que até agora já está nos cofres do clube é o dinheiro relativo ao amistoso do Barcelona: 250 mil euros. Esse valor já foi pago. Já a Copa Suruga, que na verdade é uma competição oficial, e amistoso com a Roma ainda estão sendo contabilizados, porque tem despesas a calcular. Estes ainda não foram pagos, ainda aguardamos".
O otimismo e a vontade de Fernando Mattos em criar um clima no mínimo de respeito e cumplicidade entre o clube catarinense e os familiares é notório e tem uma explicação: no início das conversas, logo após o acidente aéreo, as partes tiveram muitas dificuldades em se entender e a relação sofreu um abalo, que agora começa a ser reparado pouco a pouco.
"Essa relação foi estremecida logo após aqueles eventos iniciais, quando as famílias foram deixadas de lado pelo clube. Nós levantamos essa questão para que o clube enxergasse quem realmente eram as vítimas. Após isso, nós conseguimos iniciar uma nova fase de diálogo, desde agosto estamos conseguindo um diálogo aberto com o clube", conta Fabienne, representante de mais de 68 famílias.
"Mas é uma relação que vai depender da forma como vai ser levada, porque precisamos de ações efetivas, temos famílias que precisam de apoio financeiro, psicológico e não temos mais tempo a perder.
Após receber doações de diversas origens, pouco após a tragédia, a Chapecoense destinou R$ 42 mil a cada família que perdeu um parente naquele voo, além dos familiares dos quatro sobreviventes brasileiros. Mesmo assim, a insatisfação não baixou. "O volume que o clube recebeu era muito maior do que foi repassado para as famílias", conclui Fabienne Belle..