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Chapecoense se aproxima, mas familiares cobram clube e temem prazo curto

Familiares das vítimas discutem como seria dividido valor arrecadado

postado em 04/10/2017 08:00 / atualizado em 04/10/2017 09:38

AFP
Pouco mais de dez meses após o trágico acidente aéreo com o avião que levava a delegação da Chapecoense, profissionais de imprensa e convidados a Colômbia, as incertezas ainda são muitas e os motivos para preocupação apenas crescem. Na última sexta-feira, o clube catarinense e a Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas (AFAV) se reuniram para que novos documentos sobre o caso fossem compartilhados, e também para discutir como seria dividido o valor arrecadado pela Chape com os amistosos internacionais que a equipe fez recentemente.

No encontro, o segundo em menos de 15 dias, o departamento jurídico da Chapecoense entregou cópias dos seguintes documentos: relatório preliminar do acidente; certificado da aeronave e matrícula Lamia; contrato firmado entre Associação Chapecoense e Lamia; apontamentos da Sra. Célia Castedo Monasterio sobre o plano de voo; e o plano de voo. Muito pouco, na opinião de Fabienne Belle, viúva do Cezinha, ex-fisiologista da comissão técnica catarinense, um dos 71 mortos.

"A maior preocupação nossa são os prazos. Nós sabemos que todas essas questões têm um prazo para ser levada à justiça. Estamos completando dez meses (do acidente) e até agora não evoluímos em absolutamente nada. Mesmo a entrega desses documentos mostra que pouco evoluímos nas questões das investigações e responsabilidades", argumenta a presidente da AFAV, que sequer tem informação sobre a data limite para tal.

"O prazo não foi passado para nós. Nossos advogados buscam informações e ainda não mostraram essa questão da quitação. Nós também não sabemos, são três países: Brasil, Colômbia e Bolívia, cada país tem seu próprio período, até foi uma discussão levantada a possibilidade de solicitar um tipo de dispositivo que suspenderia esse prazo para que a gente não perca a possibilidade de entrar na justiça", explica.

Toda a investigação precisa ser concluída até 29 de novembro e até agora apenas indenizações de seguros de vida previstos nos contratos dos jogadores e dos profissionais de imprensa que acabaram mortos foram acertados.

"Ainda não recebemos nada, nenhum familiar recebeu nada. O seguro foi negado, porém, eles nos ofereceram um fundo humanitário de 200 mil dólares por vítima. Caberia a cada família aceitar ou não, mas ninguém aceitou, principalmente porque não ficou definido que tipo de situação seria caso alguém aceitasse", afirma Fabienne.

A seguradora citada é a boliviana BISA, que tem a britânica Clyde&Co como sua representante legal, vinculada a aeronave da Lamia.

"Nesse seguro vinculado a apólice, o teto (de indenização) seria de 25 milhões de dólares. Essa apólice foi negada por causa de algumas cláusulas, como por exemplo uma cláusula de restrição geográfica, ou seja, o avião não poderia voar para a Colômbia, não poderia levar uma equipe de futebol, entre outras", diz Fabienne, claramente preocupada com tanta burocracia.

E nenhuma situação simboliza tão bem essa dificuldade para acesso a documentos quanto a ligação do governo boliviano no caso. Fernando Mattos, diretor de comunicação da Chapecoense e responsável por intermediar as conversas com AFAV, corrobora com o discurso de Fabienne nesse sentido.

"Nós tivemos realmente uma missão muito árdua dos profissionais na busca dos documentos, principalmente na Bolívia. O que os advogados colocaram como ponto de destaque foi o plano de voo, por exemplo. Apesar dele já ter aparecido em reportagens, nós não tínhamos conseguindo obter ele de maneira oficial, ou seja, se você apresenta uma ação e falta esse documento, tem a dificuldade imposta pela lei. Mas, quando esses documentos chegaram, prontamente marcamos a reunião (com a AFAV) para fazer o compartilhamento, porque todos têm estratégia jurídica para o futuro", revela Mattos, um pouco mais satisfeito com o que foi recolhido nessa última coleta de arquivos.

"Os advogados entendem que esses documentos que a gente obteve atestam uma responsabilidade primeira (entende-se Lamia) nessa autorização do voo. No momento de apurar a responsabilidade, esses documentos têm comprovações importantes", diz. "O plano de voo mostra que o tempo de duração é o mesmo tempo de autonomia da aeronave. Já é uma situação que você tem argumentos para não autorizar o voo, como foi feito", completa.

Chape e famílias ainda buscam entendimento

A próxima reunião entre representantes da Chapecoense e familiares das vítimas está marcada para 16 de outubro, em Chapecó. Lá, provavelmente Fernando Mattos comunicará a decisão do clube sobre a divisão do valor arrecadado com os jogos que a equipe verde fez no exterior: primeiro contra o Barcelona, depois na Copa Suruga e por fim, diante da Roma.

"Dos jogos na Europa, nós solicitamos que fosse mudada a forma de ratear esses valores. O clube colocou nessa reunião de sexta o valor que seria repassado, na verdade um valor que nós discordamos e pedimos que fosse reavaliado, porque é muito discrepante: 25%, que nós refutamos, porque não é um valor justo diante do fato", opina Fabienne.

"O clube precisa se refazer, mas quem perdeu mesmo foram as famílias e quem tem menos chance de se reconstruir são as famílias. Muitos não têm de onde tirar os recursos, uma grande parcela precisa buscar assistência para sobreviver", insiste.

Fernando Mattos admite que não houve um acordo e que nos próximos dias se terá uma definição sobre quanto a Chapecoense de fato repassará aos familiares das vítimas da tragédia.

"Não houve, naquele momento, uma concordância. Houve uma contraproposta das associações. Agora, temos o compromisso de nos reunirmos com a direção do clube, apresentarmos o que foi discutido e tomar uma decisão. Vamos comunicar prontamente assim que a gente chegar a um consenso, mas o diálogo nesse sentido foi muito tranquilo, a opinião deles é importante, sem criar uma polêmica. Creio que a gente vai se entender", diz, antes de detalhar como o dinheiro está chegando ao clube.

"O único recurso que até agora já está nos cofres do clube é o dinheiro relativo ao amistoso do Barcelona: 250 mil euros. Esse valor já foi pago. Já a Copa Suruga, que na verdade é uma competição oficial, e amistoso com a Roma ainda estão sendo contabilizados, porque tem despesas a calcular. Estes ainda não foram pagos, ainda aguardamos".

O otimismo e a vontade de Fernando Mattos em criar um clima no mínimo de respeito e cumplicidade entre o clube catarinense e os familiares é notório e tem uma explicação: no início das conversas, logo após o acidente aéreo, as partes tiveram muitas dificuldades em se entender e a relação sofreu um abalo, que agora começa a ser reparado pouco a pouco.

"Essa relação foi estremecida logo após aqueles eventos iniciais, quando as famílias foram deixadas de lado pelo clube. Nós levantamos essa questão para que o clube enxergasse quem realmente eram as vítimas. Após isso, nós conseguimos iniciar uma nova fase de diálogo, desde agosto estamos conseguindo um diálogo aberto com o clube", conta Fabienne, representante de mais de 68 famílias.

"Mas é uma relação que vai depender da forma como vai ser levada, porque precisamos de ações efetivas, temos famílias que precisam de apoio financeiro, psicológico e não temos mais tempo a perder. São 10 meses, o clube tem que correr atrás do prejuízo", cobra a viúva de Cezinha.

Após receber doações de diversas origens, pouco após a tragédia, a Chapecoense destinou R$ 42 mil a cada família que perdeu um parente naquele voo, além dos familiares dos quatro sobreviventes brasileiros. Mesmo assim, a insatisfação não baixou. "O volume que o clube recebeu era muito maior do que foi repassado para as famílias", conclui Fabienne Belle.

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