Enquanto a Chapecoense se reconstrói dentro e fora de campo, aqueles que perderam entes queridos na tragédia tentam cicatrizar as feridas e recomeçar. Os cerca de 300 familiares das 64 vítimas (não entram na lista os sete tripulantes do avião) e quatro sobreviventes são assistidos por duas entidades, que trabalham cada uma à sua maneira para ajudar nos problemas do dia a dia e assegurar os direitos das vítimas.
Idealizada por Túlio de Melo - jogador que defendeu a Chapecoense em 2015 e voltou nesta temporada para ajudar a reerguer o clube -, a Associação Brasileira da Vítimas do Acidente com a Chapecoense (Abravic) presta assistência social imediata aos parentes das vítimas, pagando, por exemplo, mensalidades escolares, medicamentos e tratamento psicológico.
Embora receba auxílio do clube para atender às necessidades das famílias, a Abravic mantém independência em relação à Chapecoense. "Inicialmente, todos os recursos que conseguimos foram da iniciativa privada e da sociedade civil", explica o presidente Gabriel Andrade.
Em outubro deste ano, a associação firmou seu primeiro convênio com a Chapecoense, que paga R$ 28,8 mil por mês para arcar com gastos de saúde dos parentes das vítimas. O valor é dividido igualmente entre as famílias.
O principal desafio da Abravic, passada a comoção inicial da tragédia e do "efeito solidário maior", é garantir estabilidade para os familiares das vítimas reestruturarem suas vidas, já que muitos dos jogadores eram os únicos responsáveis pelo sustento da casa. "Queremos manter esses benefícios por dois a três anos, dar um prazo razoável para que os parentes se recuperem emocional, psicológica e financeiramente", afirma Andrade.
A Associação dos Familiares das Vítimas do Voo da Chapecoense (Afav-C), por sua vez, exerce outra função. "Nosso trabalho é acompanhar tudo que se refere ao acidente, aos nossos direitos, aos direitos das famílias, acompanhamos e damos apoio", explica Mara Paiva, vice-presidente da entidade e viúva do comentarista Mário Sérgio. Entre as tarefas da Afav-C, estão o levantamento de informações a respeito do acidente e do seguro de vida ao qual às famílias têm direito.
Para Paiva, o trabalho da Afav-C ainda levará muito tempo. Apesar disso, ela garante que as famílias continuarão firmes e não desistirão dele.
ATRITOS - A relação dos parentes das vítimas com a Chapecoense foi marcada por atritos no ano de reconstrução. São quase 20 processos trabalhistas movidos contra o clube, que afirma ter pagado o seguro de vida dos jogadores - que variam de acordo com o salário de cada um - e repartido o "bicho" destinado ao time, que foi declarado campeão da Copa Sul-Americana de 2016. Porém, algumas famílias estão insatisfeitas. Alegam que o clube priorizou a própria reconstrução e que a assistência não é suficiente para garantir seu sustento.
A aproximação entre Chapecoense e Afav-C aconteceu após quase oito meses do acidente. Desde junho, a entidade das famílias conseguiu mais apoio e algumas garantias do clube, como assistência jurídica e auxílio nas investigações do acidente. A principal briga é para que Bisa, seguradora contratada pela companhia aérea LaMia, pague a apólice de R$ 25 milhões prevista em contrato.
A seguradora, no entanto, alega que a Colômbia - local onde caiu a aeronave -, não era um destino previsto no acordo inicial, e que a viagem a Medellín não foi previamente informada pela companhia aérea. Em contrapartida, oferece US$ 200 mil de indenização individual e a quitação de eventuais dívidas posteriores.
A oferta foi veementemente negada pelos familiares e a Chapecoense contratou um escritório de advocacia para mover ações contra a LaMia e o governo da Bolívia - apontado como um órgão fiscalizador que não cumpriu sua função. Clube e famílias esperam conseguir um acordo mais satisfatório.
INICIATIVAS - Enquanto as respostas não vêm, a Afav-C está criando, junto com a Chapecoense, um fundo de investimentos para ajudar as famílias a se manterem estáveis nos próximos cinco anos. A ideia é encontrar fontes de renda mais estáveis que a ajuda pontual recebida ao longo do último ano.
Boa parte dessa ajuda financeira veio de iniciativas esportivas, como o amistoso da seleção brasileira com a Colômbia, em janeiro, e 50% da verba arrecadada pela Chapecoense em amistosos contra Barcelona, Roma e na Copa Suruga, no Japão - a outra metade ficou nos cofres do clube para a reconstrução do futebol.
A Abravic tem promovido jogos beneficentes para levantar recursos para os familiares. O próximo evento será no dia 22 de dezembro, em Chapecó, em duelo que colocará o técnico campeão brasileiro Fábio Carille contra o treinador da seleção, Tite. As homenagens e jogos festivos são importantes para levantar recursos pontuais e para preservar a memória das vítimas. Mas, como lembra Mara, são apenas medidas paliativas.
"Claro que é importante, mas as homenagens passam, a dor e a dificuldade permanecem. Precisamos construir algo positivo em cima de uma catástrofe dessa magnitude.