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ENTREVISTA

Risco de queda, preconceito e dilemas: Deivid abre o jogo sobre início de carreira como técnico

Aos 36 anos, treinador do Cruzeiro sente que juventude é principal causa de críticas ao seu trabalho e admite que precisou mudar esquema de jogo para preservar cargo

Bruno Furtado Paulo Galvão Tiago Mattar
Há pouco mais de três meses como treinador do Cruzeiro, Deivid analisa início da carreira como treinador - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press

Em 10 de dezembro, Deivid foi apresentado pelo Cruzeiro como a aposta da diretoria para substituir Mano Menezes, que havia aceitado proposta do Shandong Luneng, da ChinaPouco mais de três meses depois, o antigo auxiliar-técnico conduz a equipe na liderança do Campeonato Mineiro, mas ainda convive com cobrança da torcida pelas vitórias com “placares magros” e futebol pouco convincenteEm entrevista ao Superesportes e ao Estado de Minas, Deivid admitiu que precisou rever a forma como gostaria de jogar e, assim, amenizar a pressão por resultados“Fiquei pensativo, várias noites em claro, pensando no que iria fazer, se era melhor dar um passo para trásE isso deu certo”, disseAos 36 anos, o treinador avalia que é cobrado por sua juventude, não por sua capacidade“Só os resultados que vão dizerEu respeito todosNão sou dono da verdadeMas gosto que falem em cima do meu trabalho, se entendo ou não tática, se mexo erradoFalar da minha juventude, acho um pouco deselegante”, acrescentou.

Neste domingo, às 16h, Deivid comandará o Cruzeiro diante do Villa Nova, no Mineirão
Se não for derrotado, o time celeste manterá a liderança e a defenderá em clássico contra o Atlético, na próxima semanaPróximo de sua estreia como treinador no principal duelo do futebol mineiro, Deivid ressaltou o impacto de que este resultado terá na continuidade de seu trabalho“Clássico é um campeonato à parteÉ um jogo diferente, que tem de ir para ganharQuem perder levará pressão”, observou.

Com a equipe eliminada precocemente na Primeira Liga, Deivid tem no Campeonato Mineiro a chance de levantar sua primeira taça como treinadorPara a disputa do Brasileirão, ele alertou a necessidade de o Cruzeiro se reforçar“Para o Campeonato Mineiro, o elenco é muito fortePara Brasileiro, a gente precisa de jogadores acostumados a decisões, jogadores mais tarimbadosQualidade técnica, nós temosA gente precisa de um cara que venha com peso”, analisou.

Deivid ainda identificou qual a principal dificuldade em ser treinador e revelou a intenção de comandar três clubes europeus
Abaixo, assista e leia a entrevista do técnico do Cruzeiro.



Você foi apresentado como novo treinador do Cruzeiro há três mesesO que mudou desde então?

“Mudou muita coisaEu agora sou comandanteNaquela época, estava deixando de ser auxiliar para comandarQuando você é comandante, um líder, tem de tomar decisõesColoquei muito bem para os atletas que o meu compromisso com eles era ser coerente e justo, saber respeitar o momento de cada umQuem estivesse melhor teria oportunidadeSempre falei a eles que todos vão jogar, uns mais e outros menosEles (os que jogarem menos) têm de provar pra mim que estou errado, para terem oportunidade de jogarMudou muito, o dia a dia, as críticasTinha um tempo que não era criticadoJogo futebol desde os 9 anosComo profissional, desde os 16E crítica sempre corre juntoSe não quisesse ser criticado, tinha de mudar de profissão ou continuar como auxiliar”

O que mudou em sua visão como treinador?

“Meu conceito não mudouMudou o meu estilo de jogoGosto de jogar no 4-2-3-1Para você jogar no 4-2-3-1, você tem de ter três, e mais o atacante, especialistas para aquelas posições, senão você fica vulnerávelIsso aconteceu contra o Criciúma (na estreia na Primeira Liga)Se os jogadores de frente não voltam, fico no 4-2-4Até pegar esse padrão, demora um poucoComo não temos tempo no Brasil, você tem de achar um esquema que te proteja”

Foi isso que te fez mudar a forma de jogar da equipe?

“Jogo no 4-3-3 e volto (para a marcação) no 4-4-2Quando eu coloquei o time para jogar assim contra a Ponte Preta, e deu liga, o Mano manteve essa base, foi quando conseguimos dar arrancadas de 13 vitóriasFiquei pensativo, várias noites em claro, pensando no que iria fazer, se era melhor dar um passo para trásE isso deu certoMas, para voltar a ter o esquema do ano passado, a peça que você colocar tem de fazer o vai e vemColoquei o Arrascaeta de meia, pelo lado esquerdo, mas ele funciona bem como atacanteComecei a ver vídeos de Sánchez, Romero e Arrascaeta, para encontrar a melhor solução para encaixá-los nesse esquemaQuando optei de colocar o Sánchez na lateral-esquerda, tinha visto jogos dele em Boca e EstudiantesE tinha visto jogos do Romero no VélezRomero jogava mais de primeiro (volante), mas também jogou de segundo”

- Foto: Você recebeu oito jogadores contratados, sendo quatro estrangeirosHoje, você avalia que já os conhece bem, sabe o que cada um é capaz de fazer?

“Hoje, simQuando estava trabalhando como auxiliar e me mandavam ver jogos, ver o mercado de jogadores, os que estavam no planejamento de trazer para cá, eu sempre dizia que não gostava de vídeo, mas de jogoO Bordeaux, quando foi me contratar, me via desde o Santos, passando por Corinthians e CruzeiroTenho de contratar um jogador que encaixe na filosofia do treinadorNa época, eu falava que não adianta trazer jogador que acho importante para mimDizia 'me paga passagem, vou ver o jogo, faço todo relatório para o treinador, e ele tomará a decisão'O risco é minimizado um pouco, do que ver só pelo vídeoUma coisa é ver pelo vídeo, outra é no olhoAí você (treinador) me coloca na posição, mas eu (jogador) não rendo aliO Pisano jogava do lado direito e no meioQuando ele chegou, perguntei onde ele gostava de jogar, se na direita ou no meio, porque tinha visto mais de 10 jogos dele (no Independiente)Gosto de bater esse papo, gosto de sentir do jogador onde ele se sente melhorOs treinadores me falavam o que fazer, mas eu que jogava em campo, eu tinha encontrar o buraco para eu jogarÀs vezes, o treinador pedia para eu ficar aqui, mas não conseguia jogar, achar o espaçoConverso muito com eles, os estrangeiros que chegaram agora, para ter esse feeling de entender onde eles gostam de atuarIsso está sendo muito importante”

Como foi o processo de contratações para essa temporada? Você indicou jogadores que foram contratados?

“As contratações foram em conjuntoO Thiago (Scuro, diretor de futebol) me passava os nomesEu ficava vendo desde que era auxiliarEu falava se esse jogador é importante para o esquema que jogamosAgora, tem de dar tempo, porque há a adaptaçãoO jogador vem de outros paísTive essa dificuldade, você sai do seu convívio de amizade, familiar..Você tem de ter cuidado, porque eles podem se adaptar rápido, mas também podem demorarQuando vem para um clube como o Cruzeiro, é preciso ter cuidado, senão você acaba queimando”

Teve algum jogador que você indicou, pediu para trazer?

“Teve, até porque fico vendoNa análise de desempenho, a gente vê mais de 150 jogadoresTem jogadores que o clube não pode gastar, porque são carosOutros vêm mais baratosTemos conversado muito, eu, Thiago e Bruno, sobre jogadores que a gente monitora”

Quem você indicou?

“A maioriaPisano, Sánchez, RomeroO Gino, a gente viu no começo, quando o Vanderlei (Luxemburgo) ainda estava aquiTemos acompanhado”

No planejamento para 2016, ainda com Mano Menezes, você participou das definições sobre o elenco? Numa dessa reuniões, ficou decidido que o lateral-direito Ceará não teria o contrato renovadoVocê participou dessa decisão?

“Não participeiEu era auxiliar da casaNão tinha essa autonomiaSó participei da reunião para fazer planejamento de treinamentosDe escolha de jogar, não”



Com o elenco atual do Cruzeiro, quais são as perspectivas para o restante da temporada? Quais são os objetos deste Cruzeiro, sendo muito realista?

“Sempre falo que quando você trabalha num grande clube, como Cruzeiro, Flamengo, Corinthians, você trabalha com pensamento de ganhar títulosA gente sabe que para ganhar o Campeonato Brasileiro, você precisa de grupo e jogadores de alto nívelComo jogador, cheguei em três finais de Brasileiro, ganhei duas e perdi umaPosso dizer como atleta: se você não tiver banco qualificado, você não ganhaIsso é 100%As peças de reposição têm de ser muito importantesSenão, você começa a perder forçaVocê tem de ter grupo forteA gente sabe que para disputar Estadual, o elenco é fortePara Brasileiro, também é forte, mas precisa de mais jogadores, que cheguem, incorporem, estejam acostumados a vencerEstamos acompanhando o mercado para trazer peças que tenham peso e possam entrar na filosofia do clube”

Então será necessário que o Cruzeiro se reforce para o Campeonato Brasileiro?

“Para o Campeonato Mineiro, o elenco é muito fortePara Brasileiro, a gente precisa de jogadores acostumados a decisões, jogadores mais tarimbadosTemos um grupo muito forte, promissorMas, Brasileiro tem jogos quarta e domingo e clássicosÉ muito difícilVocê tem de ter concentração, personalidade, chamar para vocêVocê tem de ter um grupo forte”

No que você precisa de reforços, é uma questão de perfil ou qualidade técnica?

“Qualidade técnica, nós temosA gente precisa de um cara que venha com pesoFoi campeão da Libertadores, BrasileiroColocar um e ver doisEm 2003, o Alex era capitão que você via em campo e pensava: 'o que é isso?' Era bem diferenteOutro dia, vi uma reportagem e o colega de vocês falava que eu nunca fui capitãoMas são vários líderesEu era líder de cobrar, pôr dedo na caraMas isso não é vazadoVestiário, muita gente quer entender, mas é diferenteDigo que vestiário é escritório dos jogadoresSão muitas coisas que ninguém sabe que aconteceTem o líder que é capitão, tem o líder que cobra, pega diretor, pega presidente..Isso ajuda no processoJoguei num clube que o capitão deu na cara do outroNinguém falava com o outro, mas bati campeãoSão épocas diferentesO futebol está muito mudado”

- Foto: O Cruzeiro tem jogadores com esse perfil?

“O vestiário nosso é muito bom, tem cobrança muito forte, cheio de jogadores campeões, como Fábio, Manoel, Dedé, Bigode, Henrique..A gente tenta mesclar juventude e experiência, para chegar bem no fim do ano”

Vocês já mapearam quais serão os reforços necessários para o Brasileiro? Recentemente, Thiago Scuro abordou a necessidade de reforçar a lateral esquerdaÉ uma posição em que será necessário ter reforços?

“A gente está mapeando, para que possa trazer jogadores pontuais para aquela posiçãoNa lateral esquerda, temos dois jogadores de alto nívelHoje, o momento do Sánchez é melhor do que FabrícioMas, não quer dizer que o Fabrício não possa jogar amanhã”

Nós sabemos que o Cruzeiro entrou em contato com MaxwellSeria uma boa alternativa?

“É um jogador de nível altíssimo, nível europeu, está jogando Champions, está nas quartas de finalÉ de Seleção BrasileiraOs valores são muito altosMuitos times do Brasil querem o MaxwellTemos de trazer jogadores que se enquadrem na filosofia financeira do clube”

No período em que você sofreu com muitas críticas, houve especulação sobre a procura da diretoria por um novo treinadorVocê ficou preocupado? Como você reagiu?

“Quando se fala de pressão, eu não me sentia pressionado, porque convivi com isso quando era atletaJoguei no Corinthians, no Flamengo, no Santos e no CruzeiroSão cobranças diariamenteSe empatar, já é cobrançaNão vejo como pressão, mas como cobrança de empresa muito grande, que quer resultado imediato, até pelo fato de ter conquistado Brasileiros nos últimos anosPelo o fato de o rival ter trazido Robinho, Clayton, se cria a expectativa de o Cruzeiro também trazer uma estrelaIsso não me deixou preocupadoO mais importante é o vestiário para mimO dia que não quiserem que eu seja treinador, aí não tem comoO dia que não estiverem satisfeitos com meu treinamento, com meu esuqema tático, meu jeito de comandar, minha maneira de ser..Para mim, é o que valeSei que as coisas vão se encaixar gradativamenteNão adianta começar o ano voando e depois fazer isso aqui (faz o gesto de queda)..As coisas em 2003 não se encaixaram de uma hora para outraJoguei em vários times campeões que não foram feitos de uma hora para outraAs coisas não se encaixam da forma como a gente quer logoVieram jogadores estrangeiros para nosso clubeAté eles se encaixarem, pegarem a forma de jogar no Brasil, é complicadoQuando fiquei noites em claro, foi para fazer time o dar certoPensava o que está dando erradoFiquei noites e noites acordado, pensando, vendo jogo atrás de jogo, até encaixar o jeito melhor para a gente”

Quando surgiram especulações sobre mudança de comando, você conversou com a diretoria?

“Não conversei com o presidenteMinha conversa é diária com Thiago (Scuro, diretor de futebol) e Bruno (Vicintin, vice-presidente de futebol)Eles me garantiram, disseram: ‘Não conversamos com ninguém’Mas sei que vivo de resultadoPosso ter sido ídolo do clube, mas se perder quatro, cinco partidas, não tem comoA gente vive de resultadoA gente vive de vitória, de conquistaQuando há vitória, o clube ganha sócios, vende camisaO que vende camisa, ganha sócios e enche estádio é time bomQuando está perdendo, não tem como segurarIsso é fatoIsso me preocupa”

Houve precipitação do presidente quando cobrou a definição de uma formação para a equipe no início desta temporada?

“Quando você muda muito, você demora um pouco, porque é uma filosofia diferente, um esquema diferenteEm 2013 e 2014, o Cruzeiro foi bicampeão brasileiro com dois volantesColoquei três volantes contra a Ponte Preta (no Brasileirão de 2015, após a demissão de Vanderlei Luxemburgo) para segurar resultadoO empate seria bom, porque tínhamos um jogo em casa contra o Figueirense na sequênciaE o time encaixou com três volantes, foi embora até o fim do campeonatoTentei resgatar o que o Cruzeiro fez em 2013 e 2014E não deu certoOs jogadores que estão aqui não são os mesmosSão filosofias e jeito de jogar diferentesTenho de me adequar no que eles estão acostumadosNão adianta querer jogar de uma maneira que jogadores não conseguem renderTenho de encontrar um jeito e um esquema para que o time jogue”

Poucos times no Brasil conseguiram ser contundentes no Brasil até este momentoA pré-temporada no Brasil é curta ou as pessoas deveriam entender que esses primeiros meses são para ajustes?

“Concordo que a pré-temporada melhorou muitoHoje é um mês, mas ainda é poucoO Santos foi jogar contra Barcelona, e o Barcelona estava na pré-temporada e o Santos aquiLá é uma semana de treinos e outra de torneiosEm sete anos fora, fiz torneios na Holanda, em Frankfurt, na Croácia..Você faz uma semana de treinamentos, depois uma de torneiosVocê faz torneios atrás de torneiosQuando começam as competições, você já está bem fisicamente e tecnicamenteAqui, você tem de achar o time no meio da competição e acaba tendo dificuldadeOlhem o Bauza no São PauloO Bauza foi campeão ( da Copa Libertadores) na LDU e no San Lorenzo, mas está tendo dificuldadeEle chegou em janeiro, com tempo curto e tem de encaixar o timeEle não consegue colocar os conceitos deleEle não consegue passar o conteúdoPara mim, foi mais fácil, porque já era auxiliarJá conhecia os jogadoresE para o cara que chega de fora? É muito difícilHá diferenças de conceitos entre os clubes, como Cruzeiro e GrêmioNo Grêmio, se não der dois carrinhos, não é jogadorNão adianta colocar esse conceito aquiTemos de pensar nisso”



Até que o ponto o desempenho do Atlético, as contratações feitas pelo rival e o fato de estar na disputa da Copa Libertadores geram pressão sobre o Cruzeiro?

“Aqui dentro nãoAqui dentro, a gente está concentrado, pensando e vendo futebol de modo geralEstamos olhando Corinthians, Flamengo, São Paulo, Grêmio, para chegar ao Brasileiro no mesmo nívelO Atlético teve de investir, porque está na Libertadores, entrou uma receitaA pressão é a comparação entre as torcidasO Atlético contratou Robinho e Clayton, e o Cruzeiro não tem ninguém? Se ganha campeonato com grupo, não com um jogadorO grupo que estamos montando é em cima do nosso orçamentoNão adianta querer trazer três, quatro jogadores caros e ficar endividadoO Cruzeiro nunca atrasou salárioSe estivéssemos na Libertadores, seria outra receitaAí você teria de ir ao mercado investir”

No próximo domingo, o Cruzeiro enfrentará o Atlético no IndependênciaEste clássico tem um peso diferente para a continuidade de seu trabalho?

“Lembro que, em 2002, jogando pelo Corinthians no Campeonato Brasileiro, fiz quatro gols no AtléticoEm 2003, vim para o CruzeiroOs Perrellas seguraram a minha estreia, esperaram até o último minuto para eu estrear justamente no clássico contra o AtléticoIsso é para você ver até onde vai rivalidadeClássico é um campeonato à parteÉ um jogo diferente, que tem de ir para ganharQuem perder levará pressãoCruzeiro e Atlético, Grêmio e Internacional, Corinthians e Santos, São Paulo e Palmeiras, Inter e Grêmio são clássicos diferentesQuem perde, fica com pressãoQuem ganha, fica com liberdade para trabalhar”

O clássico será um divisor de águas para você como treinador?

“Meu trabalho é de médio e curto prazoVocê tem de ter tranquilidade para trabalharO mais importante é eu estar convicto do que estou fazendoMeus treinamentos, os jogadores têm gostadoSão treinos modernos, com coisas que aprendi lá fora, com coisas que peguei daqui, do BrasilQuando me preparei para ser treinador, sabia que isso ia acontecer, que ia viver de resultadoAqui não tem tempo se você não ganharVocê tem de ganhar quarta e domingoA gente tem sempre de estar provando, para ter estabilidade”

No clássico, o Cruzeiro não terá De Arrascaeta e AlissonComo você planeja lidar com esses desfalques?

“Penso primeiro no Villa (neste domingo), que é um jogo difícilMas não vou mentir que clássico já mexe, só de falar e pensarTemos de achar a melhor solução, o melhor esquema, para surpreender”

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Você acha que as pessoas teriam mais paciência com outro treinador do que têm com você, que está começandoVocê tem pressão maior?

“Não vejo isso como injustoUma hora, eu tinha de começarO mais importante é estar preparadoPoderia usar meu nome como jogador e começar em um clubeEu queria estudar, me preparar, fazer estágio, para passar aos atletas o que estudei, o que acho dos esquemasQuando era jogador, o treinador me explicava, mas nunca soube o que é um 4-3-3, onde as peças se movimentam, onde se encaixamEu treinava, pegava minhas coisas e ia emboraHoje chego 8h da manhã e vou embora 8h da noiteAssisto a vídeos, vejo jogos, leio e estudoSão 1100 exercícios, 1100 táticasMeus amigos me mandam vídeos de foraTenho de estudarSempre estou me preparando, para sempre ter coisas novasVocê tem de evoluir sempre, ver coisas novasVejo isso de forma natural, um cara de 36 anos virar treinador de clube tão grande como Cruzeiro..Vejo que as críticas foram pela minha juventude, não pela minha capacidadeSó os resultados que vão dizerEu respeito todosNão sou dono da verdadeMas gosto que falem em cima do meu trabalho, se entendo ou não tática, se mexo erradoFalar da minha juventude, acho um pouco deseleganteCara é experiente porque dirigiu um clube grande com 53 anos? Tem de ir mais a fundoRespeito vocês que estão aqui no dia a diaO cara fez treino de merda, não sabe treinar, não sabe mexer, mas não respeito se o cara não conhece meu trabalhoIsso me incomoda um pouco”

Quando não está trabalhando, quais times você gosta de assistir? Qual estilo de jogo que gosta?

“Hoje me dá prazer ver o Bayern jogar, gosto do Guardiola e das variações táticas deleGosto muito da forma como ele joga, com bola no chão, sem dar chutão, rodando a bola de um lado para o outroIsso me encanta”

- Foto: Por que você se espelhou no técnico espanhol Luis Aragonés, com quem trabalhou no Fenerbahçe?

“Aragonés foi um mestre para mimEu já tinha em mente ser treinador, mas ele despertou a maneira de jogar futebol para mimTrabalhei com ele no momento mais difícil da minha vida, quando quebrei a perna no dia 7 e perdi minha mãe no dia 13Não pude vir para Brasil, porque poderia sofrer uma tromboseEle me abraçou, me falou coisas bonitasComo não podia jogar, ele começou a me pegar e me colocar dentro do processo dele, de como elaborava treinamentos e como executavaAquilo foi me encantandoVia coisas simples, de movimentação, por que dois pontos, por que usar o falso 9, por que um tripéEle me encantou muitoFoi uma cara que me despertou por isso”

Você pensa em treinar equipes europeias?

“Penso em treinar os três times que joguei lá fora, Bordeaux, Sporting e FenerbahçeFalo um pouco de francêsMas falo mais turco do que francês”

Como foi jogar em quatro países europeus?

“Nunca me imaginei saindo do Rio de JaneiroQueria só jogar bola, brincarAs coisas foram indo, indo, e, de repente, fui parar em JoinvilleDepois, fui para SantosEm coisas de seis meses, fiz minha estreia contra o Cruzeiro e fiz dois golsFoi o Paulo Autuori que me deu a primeira oportunidade no SantosNo Joinville, quem me puxou foi o BonamigoDepois, (fui treinado por) Carlos Alberto Silva, Geninho, Giba, Vanderlei, Leão..Fui muito além do que imaginavaDepois, fui para o CorinthiansE depois, para Cruzeiro e BordeauxFoi uma experiência únicaLembro que o (atacante português) Pauleta tinha sido quatro vezes artilheiro do Campeonato Francês pelo Bordeuax e foi vendido para o PSGFui para o Bordeaux para substituí-loO presidente falou que não me cobraria primeiro ano, apenas no segundo, quando estivesse adaptadoIsso me deu tranquilidade, mas tive problema com minha filhaCheguei em agosto, no fim do verãoMinha esposa foi ter minha filha mais velha em outubroQueria ir só em janeiro, mas disseram que eu tinha de ir em agostoMinha filha se engasgou com leite com 15 dias, teve refluxoIsso atrapalhou um poucoDepois, houve mudança de treinador, e o que tinha me levado foi mandado emboraTambém mudou direçãoEm maio, voltei para o Santos e consegui ser campeão brasileiroDepois, fui vendido para SportingE depois de um ano, fui vendido para o FenerbahçeQuando tive o convite do Fenerbahçe e o Alex me disse que queriam me contratar, pensei: o que vou fazer na Turquia? Nunca imaginava Istambul daquela maneiraCheguei lá e pensei: isso é um paraísoÉ uma cidade maravilhosaPenso em um dia voltar para lá”

Como foi a experiência? Teve episódios curiosos?

“Saí de Marechal Hermes, mal falava portuguêsCortava 's' pra carambaCheguei na França e aprendi francês em seis mesesPrimeiro, você aprende os palavrõesIsso é rápido, em três diasDepois, você vai aprendendoEu tinha professora em casaFoi muito legalNa França, foi comigo meu empresário, que era do RioA gente estava no centro de Bordeaux, e ele me perguntou o que queria comerNa França, não gostam de falar inglêsEle me perguntou o que queria, disse que queria frangoTentei simplificarEle assobiou e o garçom nem olhavaExplicaram que você tem de sentar e esperarEle falou 'quero frango', o garçom não entendeu e ele fez assim (bateu asas)Foram coisas que ficaram marcadas”

Quais foram os melhores jogadores com quem atuou?

“Aqui no Brasil, joguei com vários que imaginava jogar juntoCom 9, 10 anos, via Edmundo sendo campeão brasileiro, batendo recordeDe repente, estava jogando do lado deleJoguei com Edmundo, Rincón, Marcelinho, Ricardinho, Valdir Bigode, Valdo, Robert, Galván, Márcio Santos, que tinha sido campeão mundial de 1994Joguei com Dodô, Caio, Caíco, Alex, Ronaldinho Gaúcho..Esses caras são fora de série, fora do normalÉ muito domVocê pega Ronaldinho brincando com a bola e fala 'é de outro planeta'Via Alex, Ricardinho e Marcelinho batendo falta e pensava: por que não consigo bater assim? Meu negócio era só pênalti, porque isso é domO Marcelinho, com aquele pezinho de mulher, colocava a bola na gavetaSão jogadores que fico feliz de Deus ter me dado a oportunidade de trabalhar junto”

O Cruzeiro tem algum jogador fora de série? Alguém que você sente prazer de treinar e ver diariamente?

“Gosto de todosUns mais e outros menosMas cada um tem sua funçãoNão posso pedir para lateral ter a técnica do meiaCada um na sua posição tem sua técnica refinadaIsso é o mais importanteAí você junta e consegue fazer uma equipe”

- Foto: Você vê algum jogador com potencial de se tornar uma estrela?

“VejoO próprio Arrascaeta..Vinha sempre conversando com eleDisse a ele: talento, você já tem, mas só vai aparecer depois que você for competitivoVocê tem de se preparar para o treinamentoNão adianta se preparar para o jogo, para um dia sóNão venha com essa história de que treino é treino, jogo é jogoIsso é lendaVocê só vai jogar da mesma forma como se prepararO cara não dorme e faz três golsIsso é curto prazoVocê tem de pegar exemplos de Messi e Cristiano Ronaldo, que estão há 10 anos em alto nívelA preparação do dia a dia é mais importante que o jogoOnde joguei, nunca fui ator, sempre fui coadjuvanteMeu time sempre tinha 'o cara'No Flamengo, com RonaldinhoNo Cruzeiro, AlexNo Corinthians, Ricardinho e MarcelinhoNo Santos, RobinhoA minha inteligência era saber o que tirar de melhor delesCom minha força, eu ajudavaCom técnica, eles me ajudavamLembro como se fosse hoje que, no Coritiba, um jogador falava que o Alex não corriaFalei para tirarmos dele o melhor, o passe e a faltaSó o passe a falta me bastavamEu corria por eleSempre fiz issoPor isso que sempre consegui..No Santos, me lembro que a mãe do Robinho tinha acabado de ser sequestrada, e brigávamos para sermos campeões brasileiros com o Atlético-PREle saiu meio-dia do hotel, e o Vanderlei falou ‘hoje é contigo’Eu estava tão concentrado, que fiz um gol logo no inícioEu era artilheiro, mas sabia que o foco era todo neleQuando ele saiu, o foco era em mimA gente fala que tem o ator e o coadjuvanteQuando você percebe quem é, tem tudo para você fazer grande trabalho”

O que é mais difícil em ser treinador? Há dificuldade na relação com a imprensa e as críticas?

“Mais difícil..A imprensa faz o papel delaAcho uma besteira enorme..Já discutia isso quando era auxiliar do Vanderlei no FlamengoTem algo vago de que a imprensa não pode ser amiga de jogador ou treinadorPor que não pode? Cada um faz seu trabalhoQuando saio para jantar com você, vou falar sobre nossa vidaAcho uma besteira que não posso ser amigo do cara da imprensaA imprensa faz o papel delaSe janto contigo e falo do dia a dia, você vai querer colocar no jornal, porque você dará notícia privilegiadaSe tenho 50 (jornalistas) aqui, tenho de tratar todos de forma igualO mais difícil não é dar treinoEu fiz isso a vida todaO mais difícil é ganhar o vestiárioIsso é 70% para ter sucessoSe não ganhar vestiário, você não tem sucessoJá participei de grupo que treinador colocava treino de manhã, os caras chegavam e apagavam o quadroMas eles se garantiam em campoO mais difícil é entender como é cada um deles (jogadores)São jogadores com mentalidades diferentes, que têm vaidadeE isso é em qualquer lugar”

Qual recado você daria ao torcedor do Cruzeiro?

“Só peço que o torcedor corra junto com a genteO torcedor tem de correr junto, porque é um objetivo de uma coisa sóSe o torcedor for contra, ele vai refletir aquiSe apoiar e for junto com a equipe, é muito importante, porque passa segurança para os jogadores em campoUma coisa é jogar com segurançaQuando o torcedor vem junto, fica muito mais fácil ganharAs críticas e vaias têm de acontecer quando perderO torcedor vai lá e quer ver o time ganharO torcedor é muito importante para nosso processo”