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Muito além de estatísticas: como trabalham analistas de mercado e desempenho do Cruzeiro

Em entrevista exclusiva ao Superesportes, profissionais explicam como avaliam reforços e acompanham treinamentos e partidas da equipe celeste e de adversários

postado em 12/04/2016 08:00 / atualizado em 21/08/2017 18:13

Euler Junior/EM/DA Press

“O Cruzeiro está se preparando para um futebol novo”. Assim, Rafael Vieira definiu o trabalho que está sendo desenvolvido pelos departamentos de análises de desempenho e mercado do clube. Com experiências como analista em Grêmio, Flamengo, Corinthians e Seleção Brasileira, ele foi contratado pelo Cruzeiro em setembro de 2015 para comandar um novo projeto na Toca da Raposa. Ao lado do também analista de desempenho André Batista, do analista de mercado Antônio Almeida e do cinegrafista André Bertoni, ele estuda a própria equipe, adversários e atletas incessantemente. Em entrevista exclusiva ao Superesportes e ao Estado de Minas, o quarteto explicou como todo esse processo é desenvolvido.

“São dois campos distintos que trabalham juntos. Um é a análise de desempenho pura da equipe, em que podemos estudar e analisar todos os conceitos que envolvem nossa equipe e os adversários. E outro é a análise de mercado, que envolve uma situação nova. São inteligência e mercado, que envolvem preparar e filtrar todos os destaques dos outros campeonatos, saber quem está jogando, quais são os plantéis das outras equipes e minimizar os erros das contratações”, esclareceu Rafael Vieira.

Com vídeos de todos os jogos e, praticamente, de todos os treinamentos, os analistas têm o auxílio de softwares para preparar relatórios sobre jogadores e equipes. O trabalho vai muito além de apenas coletar números. “Quando fomos enfrentar o Leonardo Silva (zagueiro do Atlético), que tem uma das melhores finalizações ofensivas de cabeça, separamos todos os escanteios defensivos treinados. E o escanteio defensivo em que melhor conseguimos anular, a situação foi mostrada aos jogadores. Não são cinco escanteios e três certos. É o melhor escanteio, a forma como é feito. Esse é o segredo do negócio”, destacou o analista de desempenho.

O trabalho de análise no Cruzeiro já é realizado há mais de uma década. Porém, o desenvolvimento de todo um departamento foi idealizado e colocado em prática desde setembro, quando Rafael Vieira deixou o Flamengo para comandar esse setor na Toca da Raposa e o clube adquiriu novas ferramentas. Não é apenas na equipe profissional que essas análises são feitas. Esse mesmo trabalho é realizado nas categorias sub-15, sub-17 e sub-20. Cada uma delas conta com um analista. Os estudos sobre adversários e possíveis contratações são realizados com a ajuda de dois softwares, um russo, chamado InStat Scout, e outro italiano, denominado WyScout. Porém, depois de coletar essas informações, o Cruzeiro desenvolve sua própria metodologia.

“O que difere de outros clubes é realmente a condição estrutural. Pude montar esse mesmo projeto no Flamengo. Lá, tivemos bom desempenho com o projeto. Mas, aqui, a condição estrutural é muito boa. Em termos de equipamentos e recursos humanos, o Cruzeiro é show”, avaliou Rafael Vieira.

Soraia Piva/EM/DA Press


Busca por reforços

Nós últimos meses, o Cruzeiro fez grandes investimentos para oferecer ferramentas de pesquisa ao departamento de futebol. Esses valores não foram divulgados. Os softwares utilizados na Toca da Raposa II têm acesso a jogos de todo o mundo. Uma intenção é clara para dirigentes e analistas: minimizar erros.

“O investimento que o Cruzeiro fez hoje vai se pagar com um enorme banco de dados. Não posso divulgar o valor, mas é considerável. E não posso afirmar que vamos acertar todas as contratações por causa da tecnologia, mas que a gente minimiza o erro e facilita para as pessoas que têm de tomar a decisão, não tenho dúvida”, salientou Rafael Vieira.

No primeiro semestre, os analistas têm dedicado atenção especial ao Campeonato Paulista e à Copa Libertadores. São gerados relatórios de todas as partidas dessas competições, com o intuito de encontrar “candidatos” a vestir a camisa celeste. “Toda essa equipe da desempenho trabalha com um filtro de observação. A gente olha vários campeonatos estaduais, com foco principalmente no Paulista. Assim, é feito um filtro dos destaques. E esse filtro vai para o analista de mercado, que faz uma pesquisa mais aprofundada”, explicou Vieira.

Euler Junior/EM/DA Press


Quantas vezes um atacante chutou a gol ou número de desarmes de um volante não são a prioridade. “Existe um protocolo de avaliação e separação do que está acontecendo no jogo: fases do jogo, compacto, finalização, etc, etc. Aconteceu isso, esse jogador vai para uma lista e terá várias partidas acompanhadas. Existem parâmetros que são da casa, mas não podemos comentar, porque são questões estratégicas daquilo que chama mais atenção. O número é um parte importante, mas existem outras questões”, acrescentou Rafael.

“As estatísticas são uma parte bem pequena. A gente trabalha muito com análise qualitativa, conhecer o jogador e saber suas reações. Até chegar a um atleta de destaque a ser contratado, é um caminho muito longo. Isso começa aqui com esse filtro e termina com uma observação in loco”, destacou o analista de desempenho. Assim que é detectado um possível reforço, Antônio Almeida é encarregado de assistir a uma média de 10 partidas desse atleta e gerar relatórios para comissão técnica e diretoria. “Você pode ver o jogo inteiro ou o DNA do atleta, que são as vezes em que ele pega na bola durante o jogo. Mas, eu assisto aos jogos completos, porque vejo toda a movimentação dele. Taticamente, é importante observar o jogo inteiro, não só quando ele está com a bola”, disse.

Não são apenas os analistas que detectam os destaques que podem chegar à Toca da Raposa. Com pedidos em mãos de dirigentes ou do treinador, eles têm a responsabilidade de desenvolver a pesquisa e “proteger” o Cruzeiro de possíveis erros.

O volume de jogos acompanhados pelos analistas impressiona. Cinegrafista da equipe profissional, André Bertoni tem sido responsável por supervisionar os analistas das categorias de base nas avaliações feitas do Campeonato Paulista. “Foram divididos entre mim e os meninos da base, mas todos os relatórios que eles fizeram passaram por mim. Foram 140 jogos (nas primeiras 14 rodadas do Campeonato Paulista deste ano)”, disse. No Brasileirão, todos os 380 jogos serão acompanhados.

Jogadores emprestados

Se quer diminuir gastos e ser mais preciso com contratações, o Cruzeiro ainda pode recorrer a jogadores que já pertencem à Raposa e estão emprestados a outros clubes. Apenas em 2016, 25 atletas, que não seriam aproveitados pelo técnico Deivid, foram cedidos a equipes brasileiras e estrangeiras.

Além de mirar possíveis contratações, Antônio Almeida acompanha, jogo após jogo, o desempenho dos jogadores emprestados pelo Cruzeiro. “A cada três meses, gero um relatório minucioso, com número de jogos, assistências, tempo em campo... É feito um acompanhamento, para, quando retornarem ao clube, termos uma noção se o atleta estava jogando, se estava parado. Em muitas vezes, não acompanhávamos dessa forma”, destacou o analista de mercado.

Treinamentos

Euler Junior/EM/DA Press

Antes mesmo de serem iniciados os treinamentos na Toca da Raposa II, os analistas do Cruzeiro já estão posicionados em andaimes colocados ao lado dos campos de treinamentos. Enquanto André Bertoni filma as atividades, os analistas coletam as informações que repassarão à comissão técnica. Tudo pode ser visto em Ipads.

“Temos mais de 60 sessões de treinamento de 2016, todas filmadas e editadas. A grande maioria é gravada, todas que têm bola, que envolvem questões técnicas e táticas. O que é visto nessas sessões? O treino é separado por momentos. E logo que acabou o treinamento, o pessoal desce 'da casinha' (os andaimes) já com material pronto”, explicou Rafael Vieira.

Para formatar todo esse conteúdo, os analistas usam protocolos já pré-estabelecidos. “Lances, pênaltis, faltas... Tudo é automaticamente separado, vai para a pasta certa, para o banco de dados e sincronizado com o vídeo”, observou André Batista. “É a tecnologia favorecendo o dia a dia. Mas, nós nunca colocamos a tecnologia à frente das questões do futebol”, complementou Rafael Vieira, que, em muitas oportunidades, à beira do campo de treinamento, utiliza o Iphone para “separar” parte do material gravado pelo cinegrafista.



Jogos

Assim como os treinamentos, as partidas são registradas em vídeos. Nos Ipads, é possível que o treinador acompanhe um compacto, um tempo inteiro ou todo o jogo. Mesmo nos intervalos, Deivid pode utilizar essas informações para corrigir algo que não lhe agradou no primeiro tempo.

“Um grande benefício da Copa do Mundo são as arenas. A arena Mineirão nos propicia ter uma rede interna. Isso em jogos em casa, diferentemente dos jogos fora, em que não temos todo esse controle. Ele (André Bertoni) filma numa câmera aberta, e temos a câmera da TV. São duas imagens, com o computador ligado", elucidou Rafael Vieira.

"Por exemplo, o Deivid chega ao vestiário e tem a possibilidade de acessar qualquer imagem do primeiro tempo. Por três vezes, já aconteceu uma correção no vestiário. Isso não acontece sempre, mas sempre que é uma questão pontual. Eu faço o filtro. No meu Ipad, lá em cima, tenho um botãozinho que é só para o Deivid. Se eu vejo que ele gesticulou um pouco mais, aperto. Chego ao vestiário no intervalo, espero ele se acalmar e pergunto se ele quer ver alguma coisa. Aí já está prontinha a imagem. A tecnologia nos favorece para antecipar várias coisas. Para treino e para jogo, ele recebe o tipo de material”, complementou.

Assim como o treinador, os jogadores recebem relatórios de suas participações. Essas avaliações são individuais e têm a aplicação de um conceito que recebeu o nome de DNA: todas as vezes em que o atleta toca na bola durante a partida. Com esse registro em mãos, os jogadores podem fazer autoavaliações. “O relatório não está dizendo se é certo ou errado. Qualitativamente, ele (jogador) vê as situações. Se o Deivid quiser explorar alguma coisa em questão de erro, ele pode explorar”, observou Vieira.



Categorias de base

Um cinegrafista e três analistas formam a equipe de análise de desempenho das categorias de base do Cruzeiro. Todos os atletas são filmados em todos os jogos sob os mesmos parâmetros da equipe profissional. Assim, será formado um grande banco de imagens de toda a trajetória dos jogadores.

“Você imagina que, em 10 anos, se quisermos saber o DNA do Cesinha (um dos principais destaques da equipe juvenil), vamos ter todas as partidas do Cesinha no juvenil, nos juniores e o início dele no profissional. Isso vai ser fantástico”, observou Vieira, que treinou todos os analistas das categorias de base durante o último semestre.

Com os dados em mãos, os técnicos da base tentam seguir os mesmos conceitos de jogo da equipe profissional, com manutenção da posse de bola e troca de passes. Todavia, Rafael Vieira ressalta que as informações fornecidas pela análise de desempenho deverão ser utilizadas como um auxílio na formação das equipes. As escolhas de jogadores e esquemas táticos estão centralizadas nos treinadores.

“A escolha da plataforma e dos jogadores é apenas do treinador e dos auxiliares que o ajudam a definir. O que a gente faz é tentar mostrar como está sendo o desempenho em cada plataforma, e ele toma a decisão sobre o que é mais favorável ao time. Obviamente, a gente controla todas essas mudanças. Houve uma mudança de plataforma de jogador, ela é reportada no relatório. No final do ano, haverá um anuário de mudanças, e será possível cruzar informações com a tabela de classificação, pontuação e vitórias, para ver o que é mais favorável”, disse.

Euler Junior/EM DA Press

Tags: cruzeiro análise desempenho mercado