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Atlético x Cruzeiro: compare dívidas e orçamentos dos finalistas do Mineiro

Rivais têm em comum dívidas bilionárias, mas vivem momentos bem diferentes: Galo tenta pagar débitos e manter time forte, enquanto Raposa luta por reconstrução

31/03/2022 08:00 / atualizado em 31/03/2022 02:04
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Dirigentes de Atlético e Cruzeiro se encontraram em almoço antes do clássico pela primeira fase do Campeonato Mineiro
foto: Divulgação

Dirigentes de Atlético e Cruzeiro se encontraram em almoço antes do clássico pela primeira fase do Campeonato Mineiro


Adversários na final do Campeonato Mineiro, às 16h30 de sábado, no Mineirão, Atlético e Cruzeiro têm dívidas bilionárias em comum, porém capacidade de investimento diferente em razão dos planos estabelecidos por cada gestão. No lado alvinegro, a aposta é na aquisição de reforços de peso e em uma folha salarial elevada para obter retorno em títulos premiações, sócio-torcedor e bilheteria. No clube celeste, a ordem é montar um elenco eficiente na parte coletiva em meio à política de gastos enxutos.

Apoiado por conselheiros bilionários - Rubens Menin (MRV Engenharia), Rafael Menin (MRV Engenharia), Ricardo Guimarães (banco Bmg) e Renato Salvador (hospital Mater-Dei), o Atlético quer ganhar o Mineiro para repetir a dose de 2021, quando conquistou também a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro. Já o Cruzeiro, que tem o ex-jogador Ronaldo como investidor da Sociedade Anônima do Futebol, estabeleceu o objetivo de alcançar o G4 da Série B e, desta forma, regressar à elite nacional.

Na primeira fase do Mineiro 2022, o Galo avançou na liderança, com 28 pontos em 11 rodadas. Nas semifinais, ganhou da Caldense por 2 a 0 e 3 a 0. A Raposa, terceira colocada, com 22, bateu o Athletic no mata-mata: 2 a 0 e 2 a 1. A decisão será disputada em confronto único, com previsão de pênaltis em caso de empate no tempo normal. 

Atlético: time forte, dívidas altas


O Atlético vive um dos grandes momentos da história de 114 anos e pode conquistar o quarto título em menos de quatro meses. Em dezembro de 2021, levou o bi do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil; em fevereiro de 2022, superou o Flamengo e levantou o troféu da Supercopa. Neste sábado, mira o tricampeonato consecutivo no Mineiro, algo que não ocorre desde os anos 1980.

A ótima fase se deve, em grande parte, ao elenco poderoso. A linha defensiva conta com jogadores convocados para seleções (Everson e Guilherme Arana pelo Brasil, Junior Alonso pelo Paraguai e Diego Godín pelo Uruguai). Do meio para frente, não é diferente (Hulk pelo Brasil, Vargas pelo Chile, Savarino pela Venezuela). Nacho Fernández, Keno, Zaracho, Jair e Allan abrilhantam ainda mais um grupo cheio de estrelas.

Mas, para formá-lo, o Atlético tem de pagar um alto preço. Neste momento, o clube não tem condições financeiras para, sozinho, montar e sustentar um elenco tão forte. Por isso, acionou, por meio do ex-presidente Sérgio Sette Câmara, os empresários Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador (os 4 R's do clube).

Empresários Rafael Menin, Rubens Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães têm grande influência na política do Atlético
foto: Pedro Souza/Atlético

Empresários Rafael Menin, Rubens Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães têm grande influência na política do Atlético

 

A partir de março de 2020, o quarteto passou a ter uma influência ainda maior na administração atleticana. Ao mesmo tempo em que participavam das decisões sobre quem contratar para o time de futebol, os empresários (especialmente Rubens Menin e Ricardo Guimarães) reforçaram os vultosos aportes financeiros para bancar a formação de um dos elencos mais caros do futebol sul-americano.

Em janeiro de 2021, Sette Câmara deu lugar a Sérgio Coelho na presidência do clube. O novo mandatário logo formalizou a participação administrativa dos empresários com a criação do órgão colegiado, formado por ele, o vice José Murilo Procópio e os 4 R's. O plano do grupo era fortalecer o time (chegaram, por exemplo, nomes como Hulk, Diego Costa e Nacho Fernández) e, ao mesmo tempo, reduzir as dívidas do clube de R$ 1,209 bilhão (2020) para R$ 341 milhões (2026)

A primeira meta tem sido cumprida, com a manutenção da base vencedora e a obtenção de resultados históricos em campo. A segunda, por outro lado, ainda é um desafio dos grandes, como avaliam os próprios gestores. A diretoria ainda não apresentou o balanço financeiro de 2021, com atualização da dívida e o resultado anual (tem de fazê-lo até abril), mas a tendência é que não haja redução significativa do débito. Nesta quinta-feira (31), há uma reunião marcada para apresentar as finanças do clube aos conselheiros.

No encontro, a diretoria vai sugerir a venda de 49,9% do Diamond Mall, shopping na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A intenção do presidente Sérgio Coelho é que o percentual seja negociado por pelo menos R$ 300 milhões, que seriam utilizados exclusivamente para pagar dívidas.

A diretoria calcula que, anualmente, o clube paga entre R$ 50 e R$ 60 milhões em juros por empréstimos contraídos com instituições financeiras, que são os débitos considerados mais preocupantes pelo prazo curto para pagamento e a constante incisão de taxas. Com os R$ 300 milhões do Diamond, não teria mais essa despesa. "Se você perde R$ 60 milhões por ano (em juros), em seis anos você perde 49,9% do shopping. Então, o custo para manter esse ativo é muito alto", argumentou o presidente, em entrevista ao Superesportes.

Na reunião com o Conselho Deliberativo, a ideia é sentir informalmente se a proposta terá adesão do Conselho antes de levá-la à votação. Afinal, segundo o estatuto do clube, é preciso a aprovação de dois terços dos conselheiros para que a venda do shopping seja liberada. O órgão tem 420 integrantes, portanto, são necessários cerca de 280 votos a favor da alienação.

Atlético detém 49,9% do Diamond Mall, shopping na Região Centro-Sul de Belo Horizonte
foto: Divulgação/Diamond Mall

Atlético detém 49,9% do Diamond Mall, shopping na Região Centro-Sul de Belo Horizonte



Embora o presidente diga que não há prazo para a votação, o planejamento do clube foi todo traçado com base na aprovação da venda ainda este ano. O próprio Conselho avalizou o orçamento financeiro para 2022 com a inclusão de R$ 300 milhões de receita com a alienação do shopping - o que já é um indicativo da provável aprovação da negociação dos 49,9%.

Outra alternativa buscada pela diretoria - esta a longo prazo, depois da eventual venda do Diamond - é transformar o Atlético em Sociedade Anônima do Futebol (SAF), processo pelo qual o Cruzeiro passa atualmente. Nos bastidores, os dirigentes trabalham para entender aspectos jurídicos e financeiros. Ao longo dos últimos meses, o clube ouviu sinalizações de interessados e tem feito avaliações sobre o valor de mercado da instituição.

A ideia da gestão é estudar o tema com calma, prospectar a melhor proposta e, a médio prazo, efetuar a mudança administrativa. O entendimento inicial é que o Atlético valha cerca de R$ 4 bilhões na totalidade (considerando patrimônio e dívidas contraídas, que superam R$ 1 bilhão), mas a quantia ainda deve ser avalizada por um estudo para entender o valor de mercado do clube (valuation).

A curto prazo, o clube se baseia no orçamento de 2022, que prevê uma arrecadação bruta de mais de R$ 821 milhões, incluindo o valor do patrimônio. Sem receitas patrimoniais, a expectativa é arrecadar R$ 471,3 milhões, sendo R$ 447,2 milhões relacionados ao futebol. Nesse cenário, é esperado um superávit de quase R$ 4,2 milhões - mas tudo dependerá das decisões administrativas (venda do shopping, SAF, negociações de atletas) e, claro, do desempenho em campo.

Cruzeiro aposta em gestão eficiente de Ronaldo


Rebaixado no Campeonato Brasileiro de 2019 e com campanhas decepcionantes nas Séries B de 2020 e 2021, o Cruzeiro encontrou na criação da Sociedade Anônima do Futebol uma luz no fim do túnel para se reerguer esportivamente e financeiramente. O anúncio de Ronaldo Fenômeno como sócio-investidor, em 18 de dezembro de 2021, deu visibilidade ao clube celeste em veículos de comunicação de todo o mundo e renovou as esperanças dos torcedores em ver o clube administrado por uma gestão responsável e de grande “know-how” futebolístico.

Responsável por intermediar a negociação de 90% das ações da SAF do Cruzeiro, a XP informou que Ronaldo faria um investimento de R$ 400 milhões, além de se tornar responsável solidário pela dívida de mais de R$ 1 bilhão da associação civil. Em várias entrevistas, Pedro Mesquita, head de investimentos do banco, ressaltou que o ex-camisa 9 da Seleção Brasileira havia ingressado em uma operação de R$ 1,4 bilhão - que é a soma dos aportes e do débito da instituição.

Em janeiro, Ronaldo concedeu a primeira entrevista como sócio do Cruzeiro. Entre diversos assuntos, afirmou que o orçamento do futebol em 2022 cairia de R$ 90 milhões para R$ 35 milhões, visto que a previsão de receitas não ultrapassaria R$ 60 milhões. Também bateu no peito ao tomar a impopular decisão de não renovar o contrato do goleiro Fábio, além de abrir mão de outros atletas identificados com o clube, casos do volante Henrique e do atacante Marcelo Moreno.

Ronaldo quer que as Tocas da Raposa I e II sejam transferidas para a SAF
foto: André Batista/Cruzeiro

Ronaldo quer que as Tocas da Raposa I e II sejam transferidas para a SAF


No início, parte da torcida ficou frustrada, principalmente pela saída de Fábio. Mas a insatisfação deu lugar à confiança a partir do momento em que o time funcionou em campo. O técnico Paulo Pezzolano encaixou um modelo de jogo de intensidade na marcação, agilidade na troca de passes e velocidade nos ataques. O Cruzeiro avançou em terceiro no Mineiro, com 22 pontos, e eliminou o Athletic com duas vitórias nas semifinais: 2 a 0 e 2 a 1. Na Copa do Brasil, passou por Sergipe (5 a 0) e Tuntum (3 a 0).

Com apoio quase unânime dos torcedores, Ronaldo precisará convencer o Conselho Deliberativo a aprovar a venda da SAF. A exigência do empresário de inserir as Tocas da Raposa I e II na transação - em troca, ele assumiria a dívida tributária de R$ 180 milhões da instituição - divide opiniões entre os integrantes do quadro social. Alguns concordam que é uma boa saída para o clube, enquanto outros temem o risco de a associação civil ficar sem os patrimônios. Haverá votação sobre o tema na segunda-feira, 4 de abril, no clube do Barro Preto, em Belo Horizonte.

Outro ponto polêmico sobre o acordo de Ronaldo com o Cruzeiro é com relação ao aporte de R$ 400 milhões. A Mesa Diretora do Conselho Deliberativo divulgou nota há duas semanas explicando as condições ofertadas pelo ex-jogador: investimento inicial de R$ 50 milhões e R$ 350 milhões de receitas incrementais geradas pela própria atividade do futebol - vendas de direitos econômicos, patrocinadores, premiações, direitos de transmissão, bilheteria, sócio-torcedor, etc.

Os conselheiros entenderam que “tais receitas ‘incrementais’ foram definidas como sendo aquelas que suplantassem, a cada ano, a receita média anual apurada com base na média ponderada das receitas auferidas pelo Cruzeiro no período compreendido entre 2017 e 2021”. A média nos últimos cinco anos deve ficar na casa de R$ 220 milhões. Ou seja, Ronaldo não precisaria tirar nenhum centavo do próprio bolso se o faturamento superasse esse valor. E caso a SAF não atingisse a quantia, teria duas alternativas: fazer um “complemento” ou devolver um percentual da participação societária à associação civil.

Ronaldo interage com a torcida do Cruzeiro em lives em seu canal no Twitch às segundas-feiras e sextas-feiras
foto: Reprodução/Ronaldo TV

Ronaldo interage com a torcida do Cruzeiro em lives em seu canal no Twitch às segundas-feiras e sextas-feiras


Ou seja, na opinião do Conselho, Ronaldo estaria levando ampla vantagem na negociação, pois, na prática, teria a obrigação de aplicar somente R$ 50 milhões, além de se limitar a repassar 20% do faturamento mensal para as dívidas da associação civil, segundo determina a lei da SAF. Por isso, há a expectativa para a revisão de pontos específicos do contrato, conforme prometido pela XP e pelo presidente Sérgio Santos Rodrigues. O empresário rebateu as opiniões de que a proposta foi baixa para o clube.

“Estão misturando as coisas, o que o Cruzeiro representa, o que a associação através dos conselheiros representa e o futuro do que é o Cruzeiro, que a torcida realmente apoia, que é a parte esportiva, o resultado esportivo, enfim. E quando falam também da proposta ser baixa, acho que não estou vendo ninguém falar, quer dizer, a torcida está em peso com a gente, mas os comentaristas só estão vendo o lado do dinheiro. Dinheiro é importante? É. Nós vamos aportar, gerar novas receitas, fazer tudo direitinho. Mas os comentaristas estão deixando de falar sobre o que eu aporto ao clube”.

Mesmo sem a certeza quanto à assinatura da compra da SAF, Ronaldo quitou R$ 23 milhões de dívidas na Fifa, encerrou o transfer ban no fim de janeiro e possibilitou o registro dos reforços contratados pelo Cruzeiro para 2022. O gestor também assegurou salários em dia para atletas, comissão técnica e funcionários. Na próxima semana, o clube terá de pagar mais de R$ 1 milhão ao Atlético-AC pelo empréstimo do atacante Careca, em 2017, na gestão do ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares, para voltar a destravar a inscrição de jogadores no BID da CBF.

No time, a promessa é Vitor Roque, de 17 anos, que virou titular com Pezzolano e tem feito boas partidas escalado como ponta-direita, porém se movimentando para o centro em lances específicos de jogo. Em nove partidas, o jovem marcou seis gols - um deles no clássico contra o Atlético, pela nona rodada do Mineiro, em que o Cruzeiro perdeu de virada por 2 a 1. Outro destaque é o centroavante Edu, autor de nove gols em 11 jogos em 2022. Seus direitos econômicos foram adquiridos por R$ 600 mil ao Brusque, pelo qual foi artilheiro da Série B de 2021, com 17 gols.

O foco do Cruzeiro em 2022 é a disputa da Série B, cuja estreia será na sexta-feira, 8 de abril, às 21h30, contra o Bahia, na Arena Fonte Nova, em Salvador. O próprio técnico Paulo Pezzolano ressaltou que a final do Campeonato Mineiro diante do Atlético fará parte da preparação da equipe para a Segunda Divisão. “Nós vamos trabalhar durante a semana para seguir melhorando para o Brasileiro. É mentira que vou preparar o time 100% para a final. Vou melhorar pensando em aprimorar o que estamos fazendo”.

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