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Nocaute no boxe mineiro

Esporte, que já rivalizou com o futebol na década de 1950 e levava multidões às noitadas no ginásio do Paissandu, agora definha e perde espaço para o MMA

Noberto, Fued, Paulinho e Pedro relembraram para o EM a época dos anos de ouro do boxe

Quarta-feira, 20h30. O público ainda se acomodava na arquibancada do Ginásio do Paissandu, na Lagoinha, e as câmeras da TV Itacolomi passavam pelo último teste antes de a luz principal acender e o alvoroço se aquietar. “Boa noite, senhoras e senhores. Está começando mais um Telebox Bemoreira. Deste lado do ringue...”, era o procedimento quase litúrgico do narrador Ulisses Nascimento, o Gravatinha, ao anunciar os lutadores que, no fim da década de 1950, movimentavam a capital mineira em acaloradas lutas de boxe.


Em 23 de junho, quase meio século depois, Belo Horizonte volta a ser a capital da luta. Com expectativa de lotação máxima no ginásio do Mineirinho, o brasileiro Wanderlei Silva vai enfrentar o norte-americano Rich Franklin no confronto principal da edição 147 do Ultimate Fighting Championship (UFC), mais badalada competição de artes marciais mistas (MMA) do planeta. O MMA, que tem conquistado cada vez mais adeptos, permite o uso de golpes de mais de uma arte marcial – como o jiu-jítsu, muay-thai e o próprio boxe.

O UFC, gerido pelo norte-americano Dana White, foi criado em 1993 e hoje movimenta cerca de 1,5 bilhão de dólares por ano. Há 50 anos, quando a capital mineira passava pouco dos 400 mil habitantes, os pugilistas, apesar da popularidade, viviam longe do estrelato e o principal desafio era solidificar o boxe. “Um esporte das classes menos favorecidas que agrada à elite”, como gosta de ressaltar Fued Mattar, hoje com 70 anos. Naquela época, ele, Pedro Maciel, Paulinho Gonçalves, Fauzi Rachid, Elson Martins e Norberto Rezende dividiam espaço nas páginas de jornal com o futebol, que só centralizaria as atenções com a inauguração do Mineirão, em 1965.

O boxe, disputado na capital desde a década de 1930, se fortaleceu a partir de 1953, com a chegada do treinador húngaro Anthal Schober. Disputado no Minas Tênis Clube, no América, em ringues montados nas praças e até mesmo em picadeiros de circos, o pugilismo precisava de uma casa e a encontrou em 1959: o Ginásio do Paissandu, destruído cinco anos mais tarde para a construção da atual rodoviária.

Os ex-pugilistas lembram saudosos dos dias de glória no Paissandu, que chegou a receber o maior boxeador brasileiro de todos os tempos, Éder Jofre, em 1º de abril de 1960, para luta de exibição contra o seu cunhado e sparring, Cláudio Tonelli. Éder, então com 25 anos, havia conquistado o cinturão mundial dos galos em 18 de novembro de 1960, quando nocauteou o mexicano Eloy Sanches, em Los Angeles. No sábado anterior a sua vinda a Belo Horizonte, o pugilista defendeu o título com sucesso contra o italiano Piero Rollo, no Rio.

Em pouco tempo, o boxe conquistou o coração do público. Passou a ser transmitido pela extinta TV Itacolomi, dos Diários Associados, atraía patrocinadores e as condições melhoraram para os lutadores, que passaram a receber cachê. Em 1959, a equipe do estado foi vice-campeã brasileira. Os mineiros começavam a figurar entre os principais lutadores do país.

GOLPES

Desde então, o boxe mineiro começou a sofrer vários golpes e hoje luta para não ser nocauteado. Nas últimas décadas, viveu momentos de redenção. Nos anos 1990, Gilton dos Santos, um garoto pobre nascido na Pedreira Prado Lopes, Região Noroeste da capital, foi campeão brasileiro dos pesos pesados. Em 2009, Gilton, então com 43 anos, viveu um drama pessoal, quando teve a perna amputada em decorrência de trombose.

Outro grande nome mineiro da década de 1990 foi Claudemir José de Oliveira, um ex-boiadeiro de Crisália, no Norte de Minas, campeão nacional do superpesado.

Em 1988, o Mineirinho recebeu sua última grande luta. Mais de 15 mil pessoas foram ao ginásio da Pampulha na noite de 19 de dezembro para assistir ao confronto entre Adílson Maguila e o norte-americano Samy Scaff. O brasileiro era o segundo no ranking dos pesados do Conselho Mundial de Boxe (CMB), e tinha o cartel de 32 vitórias – sendo 24 por nocaute – e apenas duas derrotas. Apesar da expectativa, a luta durou pouco. Com aparência flácida e fora de forma, o veterano Scaff não completou o segundo assalto.

QUARTETO FANTÁSTICO

Os jabs do ator Paul Newman em Marcado pela sarjeta (1956) despertaram a atenção do garoto baixinho e franzino de apenas 17 anos. Paulo Gonçalves perguntou ao irmão mais velho se “boxe dava dinheiro”. Mesmo diante da negativa, ele não hesitou em calçar as luvas e partir para os treinos. Era 1957 e, dois anos depois, tornou-se campeão brasileiro do peso-mosca. Em seguida, conquistou as badaladas Luvas de Ouro, no Rio. Paulinho mudou-se para os Estados Unidos e continuou lutando até o início da década de 1970. No Queen’s, em Nova York, treinou na mesma academia do ícone do boxe Sugar Ray Robinson, que manteve o título mundial do peso médio, de 1946 a 1951, com 128 vitórias e apenas uma derrota – para Jake LaMotta, mas tarde vivido por Robert de Niro em Touro indomável (1981). Nas quatro décadas em que morou longe do país, Paulinho teve diversos empregos, mas nunca abandonou o esporte. Em Miami, antes de uma luta, conheceu o cantor Ray Charles, que era cego. O artista o confidenciou que adorava “ficar quieto e ouvir a movimentação dos pugilistas e a explosão do golpes.”

As glórias no Ginásio do Paissandu deram a Fued Mattar, 70 anos, o mais precioso dos troféus. Gozando do prestígio dispensado aos campeões, despertava a atenção das jovens, entre elas Antonieta Mattar, com quem é casado há 46 anos. Após pendurar as luvas, presidiu a federação mineira e atuou como árbitro. Fued começou a lutar em 1956 e foi pentacampeão mineiro do peso-pena. “Belo Horizonte tinha 12 academias de boxe. Era uma coqueluche, todo mundo queria aprender. Mas nós perdemos os carros-chefes. O Brasil parou de formar grandes boxeadores e, aos poucos, o boxe perdeu seu espaço”, lembra.

O ÚLTIMO DESAFIO

Apesar da falta de recursos da Federação Mineira de Boxe, a sala é cuidada com esmero pelo ex-pugilista Pedro Maciel, campeão brasileiro em 1962 e pentacampeão mineiro entre 1959 e 1964 do peso-galo. Ele abre a sala às segundas, quartas e sextas-feiras para os treinos e dá aula para cerca de 50 pessoas, poucos interessados em seguir a carreira de pugilista. “Hoje o pessoal vem treinar para se manter em forma, o boxe é visto como exercício físico e não mais como um esporte de competição”, conta Pedro.

Outro grande nome do boxe mineiro, Norberto Rezende procura desde 2009 um adversário para lutar em sua categoria. Aos 74 anos, esbanjando saúde e treinando diariamente em sua casa, ele lançou um desafio nacional para lutadores a partir de 60 anos, mas ainda não encontrou oponente. Filho do ex-pugilista Kid Rafael, campeão profissional na década de 1930, Norberto começou a lutar com 17 anos, escondido do pai. “Chamaram-no para apitar uma luta e, quando ele chegou lá, soube que era eu o lutador. Em seguida, ele passou a ser meu treinador. Hoje, continuo treinando e praticando exercício físico. E ainda é difícil encontrar um sparring para treinar comigo.”

ENQUANTO ISSO...
...Do luxo à pobreza

O luxuoso octógono do UFC 147 montado no centro da arena do Mineirinho para o card do dia 23 vai esconder uma estrutura velha e sem recursos. Na sala 420 do Ginásio Felipe Henriot Drummond funciona a Federação Mineira de Boxe. Um espaço de pouco mais de 100m², com sacos de areia remendados e um ringue fora do padrão de altura exigido, que precisa ser enxugado constantemente por causa das goteiras no teto. A federação não tem condição de reformar a sala e junta moedas para pagar o aluguel simbólico de R$ 100 mensais.