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FUTEBOL FEMININO

Sem Olimpíada, futebol feminino vive a dolorida realidade de apenas 'sobreviver'

Marta disse que o Brasil tinha descoberto o futebol feminino nos Jogos do Rio

Agência Estado
Marta disse que o Brasil tinha descoberto o futebol feminino nos Jogos do Rio - Foto: AFP / NELSON ALMEIDA

A goleira Elaine de Souza ganha R$ 600, sem registro em carteiraTambém recebe vale-transporte para ir de ônibus de Santa Isabel a Belém, no ParáDuas horas na ida e duas na voltaNa última quarta-feira, ela veio a São Paulo defender o Pinheirense na Copa do Brasil contra o CorinthiansFez boas defesas, mas não impediu o 9 a 0No estádio José Liberatti, em Osasco (SP), a partida foi assistida por 53 pessoas, contadas no dedo.

No mesmo dia, Maurine liderou o Santos na goleada de 10 a 0 sobre o Mixto-MTNo time, conhecido como as Sereias da Vila, o teto salarial é de R$ 4 milA equipe usa a mesma estrutura do masculino, com refeitório, academia e ônibusAlém dos direitos trabalhistas, elas têm bolsa de estudo e moradiaNa arquibancada do CT Rei Pelé, uma torcida entusiasmada, com faixas e gritos de guerra, somava 75 pessoasTanto em Osasco como em Santos, a entrada era gratuita.

Mesmo distantes geográfica e economicamente, Elaine e Maurine personificam uma realidade muito diferente do futebol olímpico
Somando os públicos de dois jogos do Engenhão, Arena Amazônia, Mineirão, Maracanã e Itaquerão, mais de 270 mil pessoas foram ver as mulheresComo jogadoras da seleção permanente, criada para a disputa dos Jogos do Rio-2016, as atletas recebiam salários de R$ 9 milA briga pela medalha foi um ponto fora da curva de uma modalidade que luta para sobreviver no Brasil.

Sobreviver não é uma palavra exageradaMarta disse que o Brasil tinha descoberto o futebol feminino nos Jogos do RioPedro Daniel, gerente de Esportes da consultoria BDO, diz que esse mercado ainda não existe"Falta planejamento e investimento em estruturaA modalidade vive o ‘voo de galinha’A cada ciclo olímpico, são realizados investimentos para custeio e não para o desenvolvimento".

Muitas jogadoras não conseguem nem viver do futebolJanaína, jogadora do Mixto, dá aula de Educação Física em três escolas diferentes para completar a rendaPor isso, só treina aos sábados
Nathalya, sua companheira de posição, trabalha na lanchonete "Quiosque do Gordo"Como o negócio pertence a um dos membros da comissão técnica, ela consegue conciliar os horários dos treinos e o expediente diário fritando pasteis, sua especialidadeAs duas enfrentaram o Santos"Conseguimos chuteiras e uniformes com doaçõesNão temos um patrocinador oficial, apenas exposições pontuais", disse Odenil Nardes, coordenador de futebol feminino do Mixto.

CULPA

Em cada região, o dedo é apontado para uma entidade diferente como responsável pelo atraso do futebol femininoEm Cuiabá, jogadoras e dirigentes acham que a prefeitura poderia apoiar a equipe, como faz no masculinoEm São Paulo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) deveria divulgar mais o torneio estadual, na opinião de dirigentesPara Pedro Daniel, a CBF, organização máxima do futebol brasileiro, tem a maior parcela de responsabilidade.

Osvaldo Alvarez, o Vadão, técnico da seleção feminina, prefere dividir a conta"Os clubes precisam incentivar o futebol femininoAlém disso, o governo precisa fazer a sua parteEm todos os países que nós visitamos, o futebol feminino faz parte de um plano de governo, uma política pública", disse o treinador.

Os números que ficaram soltos lá em cima - 53 torcedores em Osasco e 75 em Santos - merecem maior atençãoEsse vazio nos estádios também é consequência de um desenvolvimento tardio da modalidade no BrasilDurante o Estado Novo, período do governo Getúlio Vargas entre 1937 e 1945, foi criado o decreto 3.199, que proibia que as mulheres praticassem esportes "incompatíveis com as condições femininas"Ao lado do futebol estavam halterofilismo, beisebol e as lutasQuando o decreto foi regulamentado pelo regime militar, em 1965, o futebol feminino foi proibidoA deliberação só foi revogada em 1979, o que permitiu a criação das primeiras ligas.

Os torcedores acham que ainda existe preconceito"O Brasil ainda é machistaVai ser difícil lotar o estádioMas seria bom ver umas 500 pessoas, né?", disse o comerciante Edson Uchoa, em OsascoA auxiliar fotográfica Alexandra Costa da Paixão diz que já foi discriminada por jogar"A Arena Corinthians lota, mas os próprios torcedores não apoiam o futebol feminino do clube", cobrou.