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ENTREVISTA

Fã de Tite e Mourinho, técnica da Seleção Feminina quer Marta na Olimpíada de Tóquio

Emily Lima falou sobre os preconceitos à modalidade e planejamento na CBF

Roger Dias
- Foto: A missão de levar a Seleção Brasileira Feminina de futebol a uma nova era de feitos relevantes e títulos está nas mãos da paulistana Emily Lima, de 36 anos, primeira mulher a comandar a equipe, criada na metade da década de 1980. Com passagens de destaque pela Portuguesa e pelo São José-SP, a treinadora assumiu o cargo meses depois do fracasso do time dirigido por Vadão nos Jogos Olímpicos do Rio, em agosto, com a quarta colocação. O primeiro desafio foi vencido com tranquilidade: em dezembro, o Brasil conquistou o Torneio Internacional de Manaus com vitórias sobre Itália, Rússia e Costa Rica. Ex-volante, ela se naturalizou portuguesa para defender a equipe lusitana em 2007 e jogou também por São Paulo, Santos e pela Seleção Brasileira Sub-17. É fã assumida de Tite e do português José Mourinho e prevê contar com a craque Marta para a Olimpíada de Tóquio, em 2020. “É uma atleta que dispensa qualquer comentário e temos de aproveitar o máximo dela”, afirma. Emily falou ao  Estado de Minas / Superesportes  sobre os preconceitos à modalidade e o planejamento para os próximos anos.
Você é a primeira mulher a assumir uma Seleção Brasileira feminina. Qual é o tamanho deste desafio?
A gente se encontra em nova fase da modalidade no Brasil, quebrando barreiras que existiam. O desafio é este: a cada dia mostrar que nós, mulheres, somos capazes não somente de ser treinadoras como de ocupar outros cargos importantes em outras áreas, como os homens fizeram. E provar que, na nossa modalidade, temos novas mulheres capacitadas para estar neste cargo que eu assumi.

O que falta para que novas treinadoras possam ingressar no futebol?
As ex-atletas não têm muito esse interesse, justamente pelas dificuldades da modalidade. A carreira de uma atleta dura de 15 a 17 anos e ela passa por dificuldades nesse período. Estuda para evoluir dentro do próprio esporte e na vida. Mas o cenário mudou um pouco. Vejo ex-atletas fazendo cursos para o crescimento da modalidade e para um futuro convite ou proposta. Elas se capacitam para isso e acredito que o cenário está mudando.

Como foi sua preparação para o cargo?
A minha ideia inicial não era ser treinadora. Optei por ser supervisora e trabalhar na gestão do futebol. E meu irmão disse que eu tinha o perfil para ser treinadora, e não para a parte administrativa. Comecei a estudar cada vez mais, fazer cursos no exterior, me capacitar, e deu certo. Assumi o Juventus, fiz um trabalho, assumi a Seleção sub-15 e 17, depois saí e voltei para o adulto, quando dirigi o São José. Daí, assumi a Seleção.

O que foi possível ver nos amistosos em Manaus, em dezembro?
O mais positivo foi o entendimento das atletas. Foram oito dias de treino, com metodologia diferente e modelo de jogo novo. O efeito delas e o feedback foram positivos, com resultados importantes. Isso foi o que valeu a pena, para que possamos dar prosseguimento ao trabalho nestes quatro anos.

A partir de 2019, os clubes serão obrigados a formar times femininos para jogar a Copa Libertadores. Isso se torna um avanço para a categoria...
Infelizmente, essa mudança vai ter que ser algo obrigatório. Não é prazeroso ouvir que algo a ser feito é porque alguém o obrigou. Seria bacana se fosse natural, que as pessoas gostassem da modalidade. Mas, se está sendo feita de forma obrigada, temos de aproveitar a oportunidade. Como aproveitar? Os clubes vão trabalhar da melhor forma possível e terão de montar equipes e isso vai abrir mercado para treinadoras. Espero que possa empregar muita gente. Temos de ver com bons olhos. Temos de fazer bom trabalho, para que possamos mudar o cenário. Espero que essa obrigatoriedade vire um prazer para os clubes e presidentes.

Como você encontrou a Seleção pós-fracasso nos Jogos Olímpicos do Rio?
Encontrei uma Seleção renovada, disposta a novas ideias, a querer novamente o êxito. O ganhar e perder é o que menos importa para as atletas. Não que os resultados sejam menosprezados. Eles são importantes, mas as jogadoras estão dispostas a tentar mudar esse cenário. Encontrei meninas muito dispostas a trabalhar e a fazer diferente e isso é bacana. Ficamos satisfeitas com o que encontramos.

Marta, uma das melhores do mundo, completou recentemente 31 anos. Você conta com ela na Seleção até quando e como você vê essa entressafra de jogadoras?
Esperamos que tudo dê certo para que fique o ciclo dos quatro anos com a gente. Pensamos primeiro no Sul-Americano, nossa competição-alvo. Precisamos nos classificar para a Olimpíada de Tóquio em 2020 e para isso temos de ir bem no Sul-Americano. Depois, focamos no Mundial, um ciclo de dois anos, e contamos com ela, certamente. Em seguida, o ciclo de quatro anos, finalizando nos Jogos Olímpicos. É uma atleta que dispensa qualquer comentário e temos de aproveitar o máximo dela. Daqui a quatro anos, terá entre 34 e 35 anos. E as que chegam agora são meninas muito boas e estão sendo trabalhadas na Sub-20 com o Doriva e na sub-17 com o Luiz Antônio. É potencializá-las para que cheguem melhor na principal.

Mesmo com os avanços na categoria, você ainda enxerga muito preconceito no futebol feminino?
Hoje não. Isso é de tempos passados. Já passamos por essa página. Hoje estão dando condições para que não pensemos no preconceito. A gente vê isso pouquíssimas vezes, tirando algumas pessoas antigas, que têm cabeça um pouco fechada. Mas vejo hoje o preconceito bastante escondido. A modalidade está à frente do preconceito.

Há uma frustração por não ter tido uma carreira sólida na Seleção Brasileira adulta?
Não, isso foi um passo muito importante na minha vida para que eu pudesse seguir outros caminhos. Acabei seguindo trajetória importante, indo para a Espanha, para a Seleção Portuguesa, onde cresci demais, para chegar aqui mais preparada. Pude ter um embasamento puro do que é realmente o futebol feminino e o futebol no Brasil.

Você se considera fã do estilo Mourinho e de Tite. Em que você procura se assemelhar neles?
Eles são os melhores e eu tenho de buscar me espelhar em quem é o melhor. Eu me inspiro na organização e em fazer o trabalho correto. Não faço isso só aqui. Já fazia na Portuguesa e no Juventus, no São José e, agora, na Seleção. Tudo deu certo porque sou correta e honesta com atletas e membros da comissão técnica. É algo reflexivo, pois também vejo essas qualidades presentes neles, que também são corretos e transparentes. Essa é uma semelhança. E os dois são estudiosos e gostam de se atualizar. Acredito que eu tenho de buscar o melhor.

QUEM É ELA
Emily Alves da Cunha Lima
Nascimento: 29/9/1980, em São Paulo
Clubes como jogadora: Saad-SP (1994-1996); São Paulo (1997-2000); Palestra de São Bernardo (2000); Barra-RJ (2001); Santos (2002); Veranópolis (2003); Saad (2003); Santos (2004); Puebla-ESP (2004); Estudiantes (2005); Alcaine-ESP (2006); Zaragoza (2007-2008); Euromat-ESP (2009); Napoli (2009)
Principais títulos: Campeonato Brasileiro (1997); Campeonato Carioca (2001); Campeonato Paulista (2000-2002)
Clubes como treinadora: Portuguesa (2010); Juventus (2011); Seleção Brasileira Sub-15 e Sub-17 (2013-2015); São José (2015-2016); Seleção Brasileira Feminina (desde 2016)
Principais títulos: Torneio Internacional de Manaus (2016); Copa Mulher (2011); Jogos Regionais (2012 e 2015); Campeonato Paulista (2015); Jogos Abertos (2016)