None

TORCIDAS ORGANIZADAS

Especialista analisa movimentos de torcidas antifascistas no país e efeitos em Pernambuco

Diario entrevistou doutor em antropologia da UFPE, Eduardo Arapipe, para entender os movimentos antifascistas em torcidas organizadas no Brasil

postado em 02/06/2020 09:00 / atualizado em 02/06/2020 09:05

(Foto: Ascom/UFPE)
As imagens rodaram o país inteiro, com torcedores exibindo o rótulo de antifascistas em faixas e cantos entoados, enquanto marchavam pelas principais avenidas de São Paulo e Do Rio de Janeiro. Houve coibição das polícias militares dos respectivos estados, e também confronto diante de manifestantes pró-governo federal.

Fatos que levantam debates sobre as motivações para os atos, os efeitos que elas podem gerar, e as primeiras avaliações que podem ser realizadas, sobretudo em Pernambuco, onde manifestações de torcidas antifascistas já foram realizadas em outros protestos políticos e começam a ser organizadas para voltar às ruas, ainda sem data marcada.

Para isso, o Diario de Pernambuco ouviu o doutor em antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, Eduardo Araripe, especialista em análises de torcidas organizadas no Recife e no Brasil.

DIARIO: Como você enxerga os movimentos antifascistas em torcidas organizadas?

EDUARDO: Não é uma coisa simples de responder, mas numa avaliação mais superficial, há uma questão política e a gente não sabe se nesses movimentos existe uma célula, alguém que esteja ligado a um movimento, independentemente que seja de direita ou de esquerda.

D: Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump afirmou que passará a tratar os movimentos ‘ANTIFAS’ como terrorismo, e encontrou eco aqui no Brasil, através do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Qual leitura você faz desse fato?

E: Eu acho que qualquer avaliação, neste momento, é precipitada. Qualquer opinião é apenas, de fato, opinião. Está tudo muito preliminar. Primeiro, que não conseguimos identificar quem está encabeçando esses movimentos. Não as torcidas organizadas, que a gente consegue bem identificá-los, já vimos os rótulos das torcidas, como a Gaviões da Fiel. Mas daí, fazer uma análise de que é um movimento político, ou uma ação de marketing, ou uma célula considerada como terrorista, qualquer avaliação neste momento é precipitada. Temos que ter muita cautela e, à medida em que as coisas vão acontecendo, a gente vai tendo parâmetros para avaliar.

D: Qual seria então a possível motivação?

E: Não é muito comum ver torcidas organizadas se envolvendo em nesse tipo de movimento, sem que tenha uma intenção que venha a beneficiar o próprio grupo. A gente sabe que no Brasil todo existia um movimento pela restrição às atividades da torcida antes da pandemia, com o futebol tendo um calendário normal. Principalmente aqui em Pernambuco, um movimento contra torcidas organizadas. Então a gente não pode deixar de considerar que essa participação agora, de certa forma, ela pode ter um objetivo de gerar um efeito simpatizante pró-torcidas na população.

Aqui na nossa realidade de Pernambuco tivemos incidentes que provocaram, inclusive, a extinção desses movimentos num ato legal do estado das três maiores organizadas. Nada melhor para eles neste momento do que ganhar a simpatia da população, analisando como uma estratégia.

A gente não pode afirmar isso a partir de uma opinião apenas, e com certeza existem pessoas dentro desse grupo que têm uma formação politizada, principalmente os líderes, e que podem estar, inclusive, tendo intenções salutares à democracia e à população como um todo. Mas a gente também não pode dizer que por trás dessa atitude não existam outros interesses, de melhorar de alguma forma a imagem desses grupos. Isso eles já fazem de uma forma geral, com campanhas de doação de alimentos, cestas básicas, roupas. Pode ser um posicionamento político, mas pode ser uma participação como estratégia de visibilidade positiva por parte dos grupos diante da população.

D: Alguns líderes de torcidas antifascistas tentam se desvincular das organizadas mais tradicionais. Você acredita que será possível dissociá-las na opinião pública?

E: Não diria impossível, mas há uma tendência de generalizar. A opinião pública, quando fala de torcida organizada, não vai dizer Fanáutico, Inferno Coral, ou Torcida Jovem. Ela vai dizer torcida organizada. Existe, por exemplo, a ‘Treme-Terra’, que também é uma torcida organizada, que alguém pode dizer “Ah, mas só faz animar. É da paz”, mas quando se faz uma avaliação dessa, normalmente se generaliza. O filtro de saber qual a torcida que pratica atos antissociais não é feito. O rótulo 'torcida organizada' está sobre todos os grupos.

Existe a organização nacional que é a Confederação Nacional das Torcidas Organizadas (Conatorg), e há registros de que na criação da organização, que é sediada em Brasília, contou com muito apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Existe, por origem, uma vinculação do movimento das torcidas com os movimentos de causas sociais, como o Movimento Sem-Terra (MST). A própria CUT, inclusive  há registros de que pagou pelos custos da sede da Conatorg, em Brasília.

Então, eles são considerados de alguma forma como organização de reivindicação social. Hoje essa relação vem à tona diante dessas manifestações, mas existe uma ligação histórica. E aí, tanto para quem quer defender, quanto para quem quer atacar, com certeza esse argumento da ligação da origem da Conatorg, que agora é Associação Nacional de Torcidas Organizadas (Anatorg), com certeza vai ser trazido à tona. Afinal, tudo está sendo politizado hoje em dia.