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Atlético: vida e sentimento do segurança 2 anos após sofrer injúria racial

Fábio Coutinho ainda espera uma resposta da Justiça, que extinguiu processo contra dois torcedores do Galo; MP recorreu

Thiago Madureira
Momento em que os torcedores se voltam contra o segurança, durante clássico entre Atlético e Cruzeiro, no Mineirão - Foto: Reprodução de vídeo

Há dois anos, o segurança Fábio Coutinho vivia um dos momentos mais tristes de sua carreira como segurança. Em 10 de novembro de 2019, no clássico entre Atlético e Cruzeiro, no Mineirão, ele sofreu injúria racial de torcedores do Galo. Hoje, o caso está parado na esfera cível e, na criminal, o Ministério Público recorre de decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que extinguiu o processo.



Fábio Coutinho vê tudo com indignação. "É uma data que a gente não gosta de lembrar, mas tento seguir minha vida, não gosto de me fazer de vítima. Em relação à Justiça, vou ser sincero, fico perplexo e indignado. Tudo foi filmado, está aí para quem quer ver o vídeo, as agressões verbais. Achei muito estranha a decisão de o processo ter sido extinto, às vezes é difícil acreditar na Justiça para um cara que é trabalhador e não tem dinheiro como eu", disse.
 
O Ministério Público ofereceu denúncia contra os torcedores atleticanos Adrierre, de 38 anos, e Natan Siqueira, de 29, por xingarem Fábio de "macaco" no clássico entre Atlético e Cruzeiro, no Mineirão.

Os irmãos negaram e disseram à Justiça que usaram a palavra "palhaço". Adrierre teria ainda cuspido em Fábio e gritado: "Olha sua cor!". Alguns dias após o acontecido, ele reconheceu e disse que estava arrependido.



A juíza Luziene Barbosa Lima, da 6ª Vara Criminal de Belo Horizonte, extinguiu o processo criminal alegando que deveria ter sido feita uma queixa-crime e não denúncia. Ela entende que a situação é de injúria, não crime de racismo.

O MP informou, na ocasião, que a decisão causava estranheza: "Ao decidir extinguir o processo, a juíza se baseou em norma que não vigora desde setembro de 2009".


O crime de injúria racial é espécie do gênero racismo e, por isso, imprescritível, conforme o inciso 42 do artigo quinto da Constituição Federal. Esse entendimento foi firmado no dia 28 de outubro pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota à reportagem nessa terça-feira (9/11), o MP disse que "conforme o promotor de Justiça Mário Konichi Higuchi Júnior, da 18ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Belo Horizonte, foi interposto recurso de apelação ao TJMG".



O TJMG informou ao Superesportes que, "de acordo com a última movimentação, o processo está com o relator desembargador Corrêa Camargo (14/9), para a devida análise".

Fábio Coutinho explicou que não contratou um advogado para atuar na esfera criminal por indicação do próprio Ministério Público. "O promotor fez contato comigo informando que não tinha necessidade de entrar com ação, que ele iria tomar conta da causa. De fato, ele fez tudo. Mas, desde então, não consigo obter informações sobre o processo, tomei ciência do dia da audiência por uma coincidência de uma amiga de trabalho que é testemunha no caso, que acabou me avisando, senão não teria nem ido. Fico sabendo das coisas do processo pela imprensa", reclama o torcedor.

A reportagem procurou a defesa de Adrierre e Natan Siqueira, mas não conseguiu contato com o advogado que atua no caso.

Danos morais

Fábio Coutinho trabalha na área de segurança em uma empresa de BH - Foto: Arquivo Pessoal

Na esfera cível, Fábio Coutinho é representado pelo escritório de Sérgio Sette Câmara, ex-presidente do Atlético. Apesar do longo tempo na Justiça, os irmãos Natan e Adrierre Siqueira não foram sequer citados. A citação é ato que convoca o réu para fazer parte do processo. O oficial de Justiça já foi ao endereço dos dois, mas não conseguiu encontrá-los.



Sette Câmara disse que a demora é natural da Justiça brasileira. "Infelizmente, a Justiça não é tão célere como gostaríamos, ainda depende de a citação acontecer, e citação você não consegue prever, porque as pessoas mudam ou não estão em casa, às vezes é difícil. A citação, neste caso, foi tentada, e não se concretizou, mas foi deferida novamente". 

O ex-presidente do Galo espera que o caso comece a andar no ano que vem. "A gente quer que o processo seja mais célere, que, no ano que vem, haja a instrução para ouvir a vítima, os ofensores e as testemunhas. Em um prazo otimista, a gente tem expectativa de que ocorra até o fim do ano que vem uma decisão de primeiro grau. Infelizmente, os processos são muito lentos", disse o ex-dirigente.

O Galo também processou os agressores, além de excluí-los do programa de sócio-torcedor. O Atlético cobrou na Justiça comum os R$ 15 mil desembolsados com o pagamento de multa estabelecida pelo STJD. Nesse processo ajuizado pelo Atlético, Adrierre e Natan alegaram que eram inocentes, pois ainda não foram condenados no processo criminal.



Curiosamente, os irmãos tentaram uma reconvenção (espécie de contra-ataque jurídico) no processo, alegando que o Atlético “foi o único responsável pelo resultado da confusão no estádio” e acusando o clube de lhes imputar “fato criminoso antes mesmo de sentença condenatória transitada em julgado”. Com base nisso, pedem que o alvinegro seja condenado a lhes pagar dez salários mínimos, a título de indenização por “dano moral”.

Vida continua


Apesar do passado turbulento por causa deste episódio, Fábio Coutinho não guarda rancor. Ele dá sequência à vida, comemora o emprego de carteira assinada e segue torcendo pelo Galo.

"Nunca aguardei e não estou esperando ressarcimento financeiro, espero que Deus me dê sabedoria e saúde para trabalhar. Hoje, sou vigilante de uma empresa, mas não trabalho mais nos jogos no Mineirão porque essa empresa não tem contrato com a Minas Arena. Continuo atleticano e estou tocando a vida bem, apesar deste problema do passado", disse.