Superesportes

CRUZEIRO

André Cury detalha negócios milionários com Cruzeiro e revela depoimento à Polícia Civil: 'Coloquei meu sigilo bancário à disposição'

Em entrevista ao Superesportes, agente deu sua versão sobre temas polêmicos

Tiago Mattar
André Cury é representante do Barcelona no Brasil - Foto: I. Paredes

Nome frequente em negociações de clubes brasileiros, o empresário André Cury vive uma relação conturbada com o Núcleo Dirigente Transitório do Cruzeiro desde que dois de seus clientes, o volante Éderson e o atacante David, pediram rescisões indiretas na Justiça para acertar com outros clubes. Depois de ficarem três meses sem salários e direitos trabalhistas, ambos optaram por essa saída para buscar recuperar o prejuízo.



Ao longo dos últimos 25 anos, porém, Cury foi aliado das diretorias que passaram pelo Cruzeiro - ele revela ter feito negócios com Zezé Perrella, Alvimar de Oliveira Costa, Gilvan de Pinho Tavares e Wagner Pires de Sá. Questionado pelo Superesportes, ele detalhou as transações milionárias e garantiu ter comissões a receber na ordem de R$ 14 milhões

“Só em 2019, vendi 100 milhões  de reais em direitos econômicos de jogadores do Cruzeiro. Liderei as negociações do Lucas Romero (vendido ao Independiente, da Argentina), do Raniel (ao São Paulo) e do Arrascaeta (ao Flamengo). Não recebi nem 80% da comissão devida. A única que recebi foi a do Raniel”, explicou.

O empresário disse que seguirá parceiro do Cruzeiro, apesar da turbulência, e que não teve responsabilidade direta nas ações de Éderson e David, que aceitaram acordo para encerrarem os processos. “Que fique muito claro que está acontecendo uma inversão de valores. Quem está saindo por não receber salário está saindo como se fosse bandido. Quem não pagou fica de vítima”, avaliou.



Ao longo da entrevista (leia abaixo, na íntegra), Cury ainda falou de sua relação com Itair Machado, ex-vice-presidente de futebol do Cruzeiro, e do depoimento que prestou à Polícia Civil há cerca de três semanas. Assim como outros agentes, casos de Giuliano Bertolucci e Fábio Melo - esse convidado como testemunha de uma operação envolvendo o lateral-direito Mayke -, Cury foi questionado sobre operações realizadas durante a gestão de Wagner Pires de Sá. Cury afirmou que colocou seu sigilo bancário à disposição das autoridades sem necessidade de ordem judicial.   
  
Leia, na íntegra, a entrevista com o empresário André Cury:

Você participou, nos últimos anos, de vários negócios com as gestões do Cruzeiro. Como vê esse momento de turbulência na relação?

Quero deixar claro que sou o maior parceiro histórico que o clube teve em 25 anos. Fiz negócios com o Zezé (Perrella), Alvimar (de Oliveira Costa), Gilvan (de Pinho Tavares) e Wagner (Pires de Sá). Não tenho nada contra o clube, sempre ajudei e seguirei ajudando. Meia dúzia de torcedores que ficam me ligando e ameaçando minha filha, minha família, e isso é inaceitável. 

Sobre as negociações recentes com o Cruzeiro, pode especificar, por favor?

Só em 2019, vendi 100 milhões  de reais em direitos econômicos de jogadores do Cruzeiro. Liderei as negociações do Lucas Romero (vendido ao Independiente, da Argentina), do Raniel (ao São Paulo) e do Arrascaeta (ao Flamengo). Não recebi nem 80% da comissão devida. A única que recebi foi a do Raniel. 

Pode detalhar a negociação envolvendo o Raniel?

Eu trouxe o negócio do São Paulo. E eu recebi só porque emprestei o dinheiro ao São Paulo para eles comprarem o Raniel. Ou seja, eu recebi meu próprio dinheiro. Combinei com os caras do Cruzeiro que só realizaria o negócio desta forma. Fiquei com (cerca de) R$ 4 milhões e eles (Cruzeiro) com R$ 8 milhões.



Você chegou a dizer que o Cruzeiro lhe devia R$ 12 milhões em comissões por negociações. Pode explicar como esse montante foi gerado?

O Cruzeiro tem uma dívida de R$ 13, 14 milhões comigo e nunca havia entrado na Justiça. Não sei te dizer qual comissão é de qual negócio e os valores certinhos. Mas tem comissões de Arrascaeta, Lucas Romero, renovação do Raniel, contratação do David, contratação do Zé Eduardo para a base, do Vitor Roque para a base e outros diversos negócios. Negócios com a gestão do Gilvan também que não foram pagos. 

Sobre essas comissões, quais os percentuais que você recebeu nas negociações? Estão dentro dos padrões do mercado? 

A comissão é um praxe no mercado brasileiro. Em geral é 10%. Eu vendi nesse ano de 2019 o Arrascaeta. Uma venda de 18 milhões de euros para o Flamengo, e o Cruzeiro ficou com 13 milhões de euros. O Lucas Romero foi 4,5 milhões de euros, Raniel mais 3 milhões de euros. Quase vendemos outros, que bateram na trave. Isso tudo só em 2019. Trabalho com o Cruzeiro há 27 anos. Não tenho e não vou ter nenhum problema. Está aí o pessoal novo, não entende muito. Tem o negócio de investigação também e torço para que ela siga.

Sobre a investigação, tivemos a informação que você e outros empresários foram convocados para depor na Polícia Civil. Como foi o seu depoimento?

Fui depor. Eles queriam saber sobre a venda do Arrascaeta, como que foi, por que eu participei da venda. Eu expliquei a realidade. Eu que trouxe o Arrascaeta em 2015. Na época, eu fiquei com a exclusividade de venda. Eu nem precisava estar na venda, receberia o dinheiro de qualquer jeito, por ter a exclusividade. Mas, mesmo assim, fui chamado com urgência para ajudar, porque a relação entre agente do jogador (Daniel Fonseca) e Cruzeiro estava péssima. Fiquei no Uruguai para fazer, proporcionalmente, a maior venda da história do futebol mineiro. O Cruzeiro pegou 13 milhões de euros por 50%, então os 100% (26 milhões de euros) seriam 1 milhão de euros mais caros que o Bernard (vendido por 25 milhões de euros ao Shakhtar Donetsk, em 2013). 



No depoimento, algo foi dito sobre quebra de sigilo bancário?

Eles questionaram lá sobre sigilo e eu coloquei o meu à disposição. Disse que não precisavam buscar ordem judicial, eu mesmo colocava meu sigilo bancário e telefônico à disposição da investigação. 

Há uma denúncia de que empresários faziam ‘rachadinha’ com a antiga gestão. Esse é um crime no qual agentes dividem comissões com dirigentes de clube. Você participou de algo nesse sentido?

Trabalho com o Cruzeiro há 27 anos. Nunca ninguém do clube me pediu nenhum tipo de vantagem ou benefício nesse sentido. Deixando claro que, se fizessem essa proposta, a resposta seria não. Mas não tentaram. Nunca me pediram nada nesse sentido.

Como era sua relação com o Itair Machado, que ficou responsável pelo departamento de futebol durante toda a gestão de Wagner Pires de Sá?

Conheço ele desde a época do Ipatinga, conheci ele através do Zezé. Na época, levamos alguns jogadores para o Ipatinga, casos de Augusto Recife, Irineu, entre outros jogadores. Trato ele como sempre tratei. Como todos os presidentes. Sempre mandava as opções de mercado, negociava condições de renovações, enfim. Coisa normal, de mercado. 



Em 2019, você fez alguns negócios nas categorias de base do Cruzeiro. Vitor Roque, Zé Eduardo e Jadsom são alguns deles. Como foram essas negociações e sua participação?

Vitor Roque e Zé Eduardo, fui eu quem trouxe. Fizemos o negócio e acertamos comissões, mas não recebi. Jasdom foi direto com o Sport. É muito promissor, teve passagem pela Seleção Brasileira de base. É jovem (18 anos), todos treinadores falam bem. Eu receberia uma comissão, mas abri mão. O Atlético também queria e abri mão da comissão para que a operação com o Cruzeiro não fosse interrompida. Por uma regra do futebol, ele teria compromisso conosco e nem isso consegui. Ele foi trabalhar com outra pessoa. Eu só trabalhei. Nem recebi nada pelo negócio.

Você também intermediou a contratação do goleiro Vinícius pelo Cruzeiro. Ele veio do Criciúma.Ele é o terceiro goleiro da equipe profissional hoje. O site ‘Deus me Dibre’ noticiou que o Cruzeiro precisou pagar R$ 2 milhões ao jogador. Como foi essa negociação?

Indicamos o Vinicius para substituir o Brazão, que tinha sido vendido por 2,5 milhões de euros meses antes. Esse valor, de R$ 2 milhões, é a aquisição do goleiro, que estava livre. Foram 450 mil euros para adquirir o goleiro. O Cruzeiro vendeu o que estava aí por 2,5 milhões de euros e comprou outro por 450 mil euros. Vinícius também era de Seleção, assim como o Brazão. O Cruzeiro fez uma reposição do mesmo nível e que pode valer mais em breve. A minha comissão também não foi paga. 

Agora, vamos falar sobre Éderson. Ele é um jogador que apareceu no ano passado, especialmente durante a passagem do Rogério Ceni pelo Cruzeiro. Ele foi muito elogiado, mas acabou optando pela Justiça. Você aconselhou o jogador a acionar o clube?

Quando o clube não paga vencimentos de jogadores, de Éderson e David, que não tinham salários astronômicos como vários, do Éderson na casa dos R$ 50 mil, David na casa dos R$ 200 mil... O jogador é meu chefe. Ele quer entrar na Justiça ou ele não quer. Representamos o Sassá, outros, que têm o problema, mas não pediram para acionar judicialmente. Então, a gente não entra. Se nosso cliente está pedindo para optar por essa via é porque não está feliz, não está recebendo. Nesses casos, precisamos atender.



A questão de aconselhar... Tem que entender o momento. O Éderson estava quase perdendo o apartamento (que ele financiou e não pagou parcelas por falta de salário), recebeu lá uma notificação judicial. Fomos nós que ajudamos. Ele não estava feliz. O jogador tem um feeling próprio, todos têm. Não vou aconselhar ele a ficar ou a se transferir. A torcida tem que entender também o lado do jogador. Tem esse papo de que jogador de futebol não precisa de dinheiro porque ganha muito… Mas combinado não sai caro. Isso no jornalismo, no futebol, no automobilismo, enfim.

Quero que fique muito claro que está acontecendo uma inversão de valores. Quem está saindo por não receber salário está saindo como se fosse bandido. Quem não pagou está ficando de vítima. O Cruzeiro precisa assumir seu papel, admitir o débito. E eu entendo a situação, por isso fizemos esse acordo para tirar os processos do Éderson e do David.