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ESPECIAL PARALIMPÍADA

A superação da Paralimpíada

A acessibilidade continuará prejudicada, pois os planos de governo anunciados, seja no Rio de Janeiro ou em outras cidades brasileiras, não comtemplam muitas ações inclusivas, apenas o que exige a lei

postado em 24/09/2016 11:44 / atualizado em 24/09/2016 12:11

Alexandre Urch/MPIX/CPB

Nélson Alves da Silva

Cientista social


Há um ano, o Comitê Paralímpico Internacional realizava no Rio de Janeiro várias competições com o objetivo de aproximar atletas e público, além de marcar o início da promoção dos Jogos e da venda de ingressos, conseguindo bom retorno.

Contudo, a venda de ingressos para o evento principal não obteve o mesmo sucesso, deixando o comitê organizador apreensivo, a ponto de considerar um financiamento do governo federal como salvação de seu orçamento, pois, até 21 de agosto, 15 dias antes da abertura, foram comercializados apenas 200 mil bilhetes, mesmo com a promoção de ingressos a R$ 10.

A verdade que muitos de nós sentimo-nos incomodados ao encarar a deficiência no dia a dia, fato que poderia explicar o fracasso nas vendas dos ingressos para os Jogos Paralímpicos. Ou a repercussão da infeliz fala do jornalista português Joaquim Vieira, que comparou a competição a um espetáculo grotesco. Mas, felizmente para humanidade, o jogo mudou.

Três dias depois do encerramento da Olimpíada, o comitê organizador paralímpico conseguiu a incrível marca de negociar 145 mil bilhetes em um único dia, fato inédito nos dois torneios, culminando com mais de 2 milhões de ingressos vendidos, ou 82% da carga total disponibilizada.

Este fenômeno tem sua explicação em três componentes, que atuaram em conjunto para esta incrível reversão de expectativas quanto à venda das entradas.

O componente emocional foi o mais forte, oriundo das conquistas do Brasil na Olimpíada, com direito a uma espetacular vitória do vôlei masculino no último dia. Há também um componente técnico, verificado pela competência do comitê organizador ao fortalecer sua campanha promocional. Por fim, o componente social, representado pelo programa de inclusão implantado pelo governo federal, que parece ter produzido bons resultados em nossa sociedade.

A baixa cobertura do evento pela mídia em comparação à Olimpíada – o que poderia alavancar mais ainda as vendas caso fosse maior –, não inibiu que a conjunção dos componentes citados desencadeasse uma quase necessidade, especialmente ao carioca, em frequentar as arenas, em conhecer o Parque Olímpico, em participar dos Jogos. E lá, nas arquibancadas ou nas zonas de eventos, o que mais se via eram pessoas, ditas normais, que não se cansavam de citar a superação dos atletas, enaltecendo também os exemplos a seus filhos, todos boquiabertos quanto à tecnologia e estilo das próteses e cadeiras de rodas.

Com as arenas e pistas lotadas de um público familiar e um legado inclusivo muito importante para a sociedade, podemos concluir que os Jogos Paralímpicos Rio'2016 foram mesmo os Jogos da superação, cujo legado deve ser continuado, superando todas as dificuldades, inclusive as ideias atrasadas de um certo português e seus seguidores.

Mas devemos lembrar que o evento paralímpico acabou e o Rio deverá voltar à sua rotina, com seus problemas novamente expostos à sua sociedade. Nesta visão, a acessibilidade continuará prejudicada, pois os planos de governo anunciados, seja no Rio de Janeiro ou em outras cidades brasileiras, não contemplam muitas ações inclusivas, apenas o que exige a lei e, claro, as construções olímpicas já realizadas.

Vivemos então uma espécie de paradoxo social, em que as atitudes da população têm tomado o rumo da inclusão, seja por força dos programas sociais, pelo aumento das ocorrências familiares ou por simples questão humanitária, contra o aumento do descaso dos administradores públicos, que ainda não vislumbram votos nestas ações inclusivas, apenas veem obrigações orçamentárias, desconsiderando, dessa forma, os 24% da população brasileira afligida por algum tipo de deficiência, impedindo assim a continuidade do legado paralímpico.

Enfim, é estranho que o sucesso de público na Paralimpíada não se reflita nas eleições municipais, levando-nos a pensar que talvez o público se identifique com seus novos heróis apenas nas arenas e pistas, mas não considere suas dificuldades no dia a dia, bem como pode ter sido apenas um “despertar”.

É preciso saber viver. Viver mais, viver melhor e viver juntos. Afinal, nossa única característica comum enquanto seres humanos é a diferença, e dela devemos tirar forças para a construção de uma sociedade mais justa.

Celebremos a diferença e a inclusão de todos, de preferência já nesta eleição, cobrando ações contundentes de nossos candidatos a prefeito e vereadores, para que o legado grandioso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos seja definitivamente incorporado em nossas rotinas de vida.

Talvez tenha chegado a hora da superação da deficiência política.

Tags: maisesportes rio2016