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TIRO LIVRE

De Otero a Pelé

A verdade é que acertar um chute deste não deve ser lá muito fácil. A prova? Maradona nunca marcou um gol olímpico na carreira. Pelé fez unzinho só

postado em 02/06/2017 12:00 / atualizado em 02/06/2017 12:19

BRUNO CANTINI / ATLÉTICO


O gol olímpico marcado pelo venezuelano Otero na vitória do Atlético sobre o Paraná na quarta- feira, no Independência, alimentou comentários Brasil afora. Antes mesmo que questionassem a real intenção do armador alvinegro, ele foi logo admitindo que a cobrança de escanteio fechada, treinada na Cidade do Galo, tinha como endereço a cabeça do zagueiro Felipe Santana. “Não pensei em marcar o gol”, afirmou. Por um daqueles caprichos do futebol, a bola seguiu sem interferências até o fundo da rede. E Otero acrescentou a seu currículo o primeiro gol olímpico da carreira.

O mais legal desse tipo de lance não é tão somente a dúvida a respeito do fato de o jogador querer ou não mandar a bola para o gol. Até porque, na maioria dos casos, acaba sendo assim mesmo, sem querer querendo. O que encanta é o inesperado. O olhar de surpresa de cada torcedor ao acompanhar a bola viajando pelo ar e ultrapassando o goleiro, numa curva por vezes difícil de ser explicada até pelas leis da física. É justamente o impacto daqueles segundos que separam a cobrança de escanteio da conclusão o ingrediente para o magnetismo.

Alguns jogadores se tornaram especialistas em transformar meras cobranças de escanteio em potenciais gols olímpicos. O sérvio Petkovic é um deles. Com nove gols marcados dessa forma, ele é apontado como um dos artilheiros no mundo. A conta não é lá muito precisa, até porque a compilação deste tipo de informação não é simples. E nesta hora cada um puxa a sardinha para o seu lado. Há quem garanta que o maior goleador seria o italiano Massimo Palanca, com 13 gols olímpicos.

A verdade é que acertar um chute deste não deve ser lá muito fácil. A prova? Maradona nunca marcou um gol olímpico na carreira. Você pode até dizer que para isso contribui o fato de ele não ter sido cobrador oficial de escanteio por onde passou. Mas, com a habilidade que tinha com a bola nos pés (e na mão, que o digam os ingleses...), era de se esperar que encontrasse alguma facilidade para fazer o que quisesse com ela. O compatriota mais famoso de Diego nos gramados também não alcançou tal façanha: Messi. Pesquisando na internet é possível até ver um “meio que” gol olímpico marcado por ele num chute despretensioso durante treino no Barcelona. E um quase gol olímpico num jogo contra o Las Palmas, neste ano. Mas o camisa 10 do Barça e da Seleção Argentina ainda está no quase.

Outro exemplo daqueles que lhe farão valorizar a próxima vez que assistir a um gol olímpico: o maior de todos os tempos no futebol, Pelé, fez unzinho só durante a gloriosa carreira. Foi em 19 de junho de 1973, na goleada do Santos sobre o Baltimore Bays por 4 a 0, em amistoso no Memorial Stadium, em Baltimore, nos Estados Unidos. Neste departamento, portanto, Otero já se igualou ao mais ilustre praticante do esporte bretão que habitou a Terra.

Nessa disputa particular entre Brasil e Argentina, os hermanos têm um trunfo importante. O dono do primeiro gol batizado como olímpico na história é, justamente, um argentino: Cesáreo Onzari, ala-esquerdo do Huracán. A façanha foi registrada em 2 de outubro de 1924, num amistoso entre Uruguai e Argentina. E até o ilustre jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, morto em 2015, escreveu sobre ela. Então, peço licença aos leitores para abrir aspas para um dos mestres que tenho em minha carreira.

“(...) Era a primeira vez na história do futebol que se fazia um gol assim. Os uruguaios ficaram mudos. Quando conseguiram falar, protestaram. Segundo eles, o goleiro Mazzali havia sido empurrado enquanto a bola vinha pelo ar. O árbitro não se importou. E então disseram que Onzari não havia tido a intenção de chutar a gol, que havia sido coisa do vento. Por homenagem ou ironia, aquele fato raro se chamou gol olímpico. Onzari passou todo o resto de sua vida jurando que não havia sido casualidade. E ainda que transcorrido tantos anos, a desconfiança continua: cada vez que um escanteio sacode a rede sem intermediários, o público celebra o gol como uma ovação, mas sem acreditar nele.”

Onzari considerava aquele gol o melhor de todos os que marcou na vida. Certa vez, disse: “Saiu porque tinha de sair. Nada mais. Nunca mais fiz outro igual”. Como ocorreu com Pelé, o primeiro gol olímpico do pai da jogada também foi o único de sua carreira. Taí uma escrita para Otero quebrar.

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