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TIRO LIVRE

Sobre pênaltis, traumas e surpresas

A missão de quem vive disso, de quem recebe para isso, é tornar fácil. E a missão do goleiro é encontrar a técnica certa para, no linguajar do futebol, fechar o gol

postado em 14/07/2017 12:00 / atualizado em 14/07/2017 16:27

BRUNO CANTINI / ATLÉTICO

Não gosto de pênaltis. É o tipo de emoção que nada de bom desperta em meu coração. Enquanto muita gente vibra quando o árbitro aponta o dedo para a marca penal, minha sensação é de desconforto, aperto no peito, um pessimismo que bate lá no fundo da alma – e olha que eu sou da turma que procura sempre enxergar a vida pelo viés do copo meio cheio. Acho sempre que o batedor do time para o qual estou torcendo vai errar. E numa ótica proporcionalmente inversa, que o adversário sempre vai marcar.

Busco no passado a explicação para esse sentimento negativo e a lembrança mais longínqua e traumática que me vem à mente data de 21 de junho de 1986. Ainda criança, mas já apaixonada por futebol, eu não tirava os olhos da tevê. Brasil x França, no Jalisco, valendo vaga na semifinal da Copa do México. Jogo tenso, empatado por 1 a 1; Branco derrubado na área, jogadores brasileiros abraçados a ele, alegria geral. Era meio caminho andado para o gol, para a vitória, para a vaga, para manter vivo o sonho do tetra. Com a bola na mão para cobrar o pênalti, Zico. Não um qualquer. Era o Zico. E ele perdeu. O resto da história, todo mundo sabe: vitória dos franceses, capitaneados por Platini, por 4 a 3, na disputa por... pênaltis!

Aquela percepção negativa nunca mais me abandonou. Mesmo quando não tenho envolvimento emocional com o duelo em questão. Vejo um prazer meio sádico em quem acompanha disputa de pênaltis alheia.  

Às vésperas da final da Copa Libertadores de 2013, destacada para fazer o perfil de Ronaldinho Gaúcho, fui ao treino final do Atlético, no Mineirão, para o jogo contra o Olimpia. Terminadas as entrevistas, dirigi-me até a área do gol da “cidade”. Parei por ali sem sequer imaginar que, três dias depois, justamente aquele lugar, literalmente aquele lugar, ficaria eternizado num dos mais importantes momentos da história alvinegra, naquela cobrança de pênaltis que terminou com o armador do time paraguaio Matías Giménez acertando a trave direita de Victor.

Parada na marca do pênalti, diante do gol vazio, analisei aqueles 11 metros que separam o jogador de seu objetivo. O gol parecia enorme, com os 2,44 metros de altura das traves e os 7,32 metros de comprimento do travessão. Aí você junta o goleiro, o componente emocional, a torcida no estádio, os milhões assistindo pela tevê, e chega a uma equação mais condizente com a realidade. Fácil não é. Mas a missão de quem vive disso, de quem recebe para isso, é tornar fácil. E a missão do goleiro é encontrar a técnica certa para, no linguajar do futebol, fechar o gol.

Se o Zico que é o Zico perdeu, meu amigo, como condenar jogadores de calibre bem inferior que erram?  E eles não têm sido poucos neste Campeonato Brasileiro. Até ontem, foram 41 pênaltis marcados e apenas 26 convertidos. Só nas duas últimas rodadas, o Atlético contribuiu nesta estatística com dois pênaltis perdidos e dois defendidos por Victor.

Admiro quem tem frieza e categoria nas cobranças. Impossível falar disso sem lembrar da ousadia de Loco Abreu no jogo entre Uruguai e Gana, pelas quartas de final da Copa do Mundo de 2010. Vaga definida somente na disputa por pênaltis. Coube ao então atacante do Botafogo a última cobrança. Ele partiu para a bola e deu sua tradicional cavadinha, assegurando a classificação dos uruguaios e levando o Estádio Soccer City à loucura. No mesmo ano, o atacante já havia marcado gol semelhante, sobre o goleiro Bruno, do Flamengo, na decisão da Taça Rio, garantindo o título carioca ao alvinegro carioca.

Outro lance marcante ocorreu aqui mesmo, no nosso quintal. Maio de 2008, última rodada do Módulo II do Campeonato Mineiro, partida entre América e Ideal, no Independência. Penalidade a favor do América. Euller parte para a bola e toca de calcanhar para Douglas, que entrava pela esquerda, completar para o gol.

Não é todo jogador que se arrisca a fazer algo diferente assim. Aos que estão no Brasileiro, um conselho: melhor fazer o trivial de forma competente para depois se aventurar em lances mais inusitados. Se ajudar em alguma coisa, a revista Super Interessante publicou uma matéria há alguns anos apontando a fórmula para aumentar o índice de acerto nas cobranças. Segundo ela, após analise de 286 cobranças de pênalti em campeonatos internacionais, chegou-se à conclusão de que o melhor é chutar a bola no meio: “Em 93,7% das vezes, o goleiro pula para os lados, influenciado pelo que os cientistas chamam de ‘tendência à ação’: prefere tomar a iniciativa e pular, porque a cobrança e os xingamentos da torcida por tomar um gol sem ter saído do lugar serão maiores do que se ele tiver se esticado todo”. Fica a dica!

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