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TIRO LIVRE

Velhos fantasmas de volta

O Atlético tem sido como um paciente na UTI que não dá sinais de reação. Batimentos cardíacos fracos, organismo lutando para sobreviver, mas poucos indícios de que a medicina convencional surtirá efeito

postado em 11/08/2017 12:00 / atualizado em 11/08/2017 09:19

Alexandre Guzanshe / EM DA PRESS

24 de abril de 2002. Então presidente do Conselho Deliberativo do Atlético, Alexandre Kalil deixa o vestiário do clube no Mineirão injuriado, após a surpreendente goleada sofrida para o Brasiliense por 3 a 0, pelo jogo de ida da semifinal da Copa do Brasil. Ao ser perguntado sobre o desempenho do alvinegro naqueles tenebrosos 90 minutos, solta a seguinte frase: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Indignado com a apatia dos jogadores, Kalil foi buscar na tragédia Hamlet, de William Shakespeare, uma resposta que, embora aparentemente vaga, representava muito.

Ao evocar o poeta e dramaturgo inglês, o cartola atleticano pegou emprestado, de tabela, o significado que tal frase tem na famosa peça teatral – referindo-se a traições e homicídios que ocorriam no enredo. Transpondo para o reino do futebol, esse tipo de derrota não expõe tão somente problemas técnicos ou táticos. Há algo por trás da cortina, que muitas vezes quem está do outro lado do palco tem dificuldade em admitir.

Aquele desastre histórico, que calou milhares de torcedores do Galo no Mineirão, parecia mera cena do passado, devidamente enterrado pelos lados do Atlético. Afinal, uma zebraça daquelas era o tipo de raio que cairia apenas uma vez. O alvinegro foi eliminado por um adversário que tinha menos de dois anos de fundação, disputava a Série C do Campeonato Brasileiro e chegava à sua primeira final nacional. A modesta folha de pagamento do Brasiliense contrastava com os vencimentos nada módicos dos atleticanos. Nesse jogo especificamente, o técnico Levir Culpi não pôde escalar o armador Rodrigo, o volante Djair e o atacante Marques, machucados. Ainda assim, qualquer comparação entre os dois times era muito desigual. Na zaga do Galo estava Gilberto Silva, que três meses depois brilharia na campanha do pentacampeonato mundial da Seleção Brasileira; no ataque, um dos ídolos da torcida, Guilherme.

A queda do Atlético na Copa Libertadores para o igualmente limitado Jorge Wilstermann, na noite de quarta-feira, no Mineirão, com ingredientes semelhantes, reavivou na colunista aqui as lembranças daquele jogo de 15 anos atrás, especialmente de todo esse clima desolador pós-partida que acompanhei de perto, já que na época era a repórter responsável pela cobertura diária do alvinegro para o jornal Estado de Minas.

O vexame diante dos bolivianos talvez tenha sido menos inesperado, pelo contexto atual do Galo. Mas nem por isso justificável. Na verdade, o enredo da noite de quarta-feira parecia traçado há algum tempo e, de certa forma, independia da fragilidade do oponente. Quem fosse que estivesse do outro lado se classificaria para as quartas de final da Libertadores. E calhou de ser o Jorge Wilstermann.

O Atlético em campo tem sido como um paciente na UTI que não dá sinais de reação. Batimentos cardíacos fracos, organismo lutando para sobreviver, mas poucos indícios de que a medicina convencional surtirá efeito. Um time cujos problemas nasceram com Roger Machado e cresceram e apareceram com Rogério Micale – que já herdou a problemática toda e dificilmente deve encontrar a solucionática, parafraseando Dadá Maravilha.

O atleticano se acostumou a um Atlético vencedor. Aquele mais jovem, que pegou a trajetória da equipe a partir de 2012, carrega o “Eu Acredito” como mantra. Ele acredita mesmo. Acredita na força da camisa. Acredita no gol improvável. Acredita nas viradas homéricas. Foi isso o que ele viu nos últimos anos. Por isso, para essa turma, este Atlético que martela, martela e nada consegue é um corpo estranho. Mas o atleticano que tem algumas primaveras a mais na certidão de nascimento já testemunhou derrocadas bem parecidas com a da quarta-feira. O início do século 21, em particular, reservou a ele alguns momentos traumáticos. E esse tipo de fantasma parecia devidamente exorcizado na história alvinegra.

Após a vergonhosa eliminação para o Jorge Wilstermann, o presidente Daniel Nepomuceno disse que a vaga na Libertadores de 2018 virou obrigação. A cobrança, na verdade, poderia ser outra. Que esse grupo resgate aquele Atlético do ‘Eu Acredito’. E isso parece ser mais complicado do que garantir um lugar no torneio continental.

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