2

Vini Jr: como CBF, STDJ e clubes tentam impedir casos de racismo no Brasil

Clubes brasileiros poderão ser punidos com perda de pontos por casos praticados em seus estádios; 2022 bateu recorde de casos

23/05/2023 06:00 / atualizado em 23/05/2023 01:09
compartilhe
Presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, durante seminário de combate ao racismo, em agosto passado
foto: Lucas Figueiredo/CBF

Presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, durante seminário de combate ao racismo, em agosto passado


 
As cenas de Vini Jr sofrendo racismo durante um jogo do Campeonato Espanhol rodaram o mundo. Ao mesmo tempo, críticas à postura das autoridades locais e da LaLiga também ganharam força - o governo do Brasil, por exemplo, irá notificá-los. No Brasil, os episódios de racismo também têm se intensificado ao longo dos últimos anos.
 
Nem mesmo o número de câmeras e microfones presentes nas transmissões e nas arquibancadas inibe a reprodução de cenas absurdas. De acordo com dados preliminares do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, projeto que monitora e divulga os casos de racismo no esporte do Brasil, os casos aumentaram 40% em 2022, na comparação com o ano anterior, que teve 64 casos. Dessa forma, foram registrados mais de 90 casos de racismo no futebol brasileiro.

Diante do cenário no Brasil e de mais um caso envolvendo Vini Jr na Espanha, o Superesporte mostra como as autoridades e entidades brasileiras encaram o problema.

Por que os casos de racismo aumentaram?


Muitas podem ser as explicações do por que as denuncias de casos de racismo e discriminação racial estão crescendo no futebol brasileiro. Uma delas pode ser a influência social.

- Vemos uma crescente nos discursos de ódio no Brasil e fora do Brasil, muitas vezes por quem está governando. Isso faz com que o torcedor racista se sinta autorizado a ir ao estádio de futebol cometer atos racistas. Esse aumento vai acabar tendo reflexo no futebol - afirmou Marcelo Carvalho, diretor executivo e fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em entrevista ao Superesportes.

Mas, olhando pela mesma ótica, é possível enxergar um lado positivo: a conscientização. Os torcedores passaram a estar mais vigilantes ao que acontece nas arquibancadas. Os jogadores, por sua vez, mais atentos ao que ouvem no gramado.
 
 

- Antigamente, conversando com atletas, eles diziam que "o que acontece em campo, fica em campo". E hoje eles entendem que racismo é crime e não pode ficar em campo. Há um aumento da conscientização do jogador e dos torcedores - completou.

Observatório faz parcerias com clubes


O racismo não é um problema exclusivo do futebol, mas também social. E é importante combatê-lo, mesmo que não seja uma tarefa fácil. Pioneiro nas ações de combate ao racismo nos esportes, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol trabalha, em parceria com os clubes, para acessar locais antes considerados intocáveis.

- A grande dificuldade do Observatório é conseguir dialogar com o (elenco) profissional. Geralmente a gente fala com a base, com o feminino, mas não consegue entrar no masculino. Se a gente não dialogar nesses espaços, falar sobre o que é racismo, infelizmente não vamos conseguir avançar - comentou Marcelo.
 
Tão importante quanto agir, é reconhecer a necessidade dessas ações para impedir novos casos de racismo. Marcelo contou que, quando o Observatório surgiu, em 2014, havia uma grande resistência dos clubes em abrir as portas para falar sobre racismo. Os primeiros clubes a realizarem ações em parceria com o Observatório foram Internacional, Grêmio, Bahia e Vasco.

Responsabilizar os clubes nos casos de racismo que envolvem seus torcedores, dirigentes e jogadores é um assunto que vem sendo debatido nos últimos anos. Há quem discorde, mas, para Marcelo, talvez seja a única alternativa.

- Antes de ser punido, ou não, o clube tinha que ser responsabilizado. Porque, a partir do momento que for, ele vai começar a trabalhar com ações e campanhas de prevenção e de educação. Praticamente não temos isso no futebol brasileiro - afirmou Marcelo.


A regra que pode mudar o jogo


No início de 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que os clubes poderão ser punidos esportivamente em casos de atos discriminatórios cometidos nos estádios, incluindo as ocorrências envolvendo torcedores.
 
As punições, agora mais rigorosas, podem ser desde o pagamento de multas até a dedução de pontos na competição. A mudança foi incluída no Regulamento Geral de Competições (RGC), documento que estabelece as normas e regras para a disputa dos campeonatos nacionais.
 

Em agosto do ano passado, a CBF promoveu o seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol. O evento surgiu a partir do desejo do presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues que, segundo Marcelo, "viu os números (de casos de racismo) e isso chamou a atenção dele".

Ednaldo é o primeiro dirigente negro a comandar a entidade máximo do futebol brasileiro, em quase 110 anos de história. Baiano da cidade de Vitória da Conquista, ele assumiu o comando da CBF depois que o ex mandatário, Rogério Caboclo, foi afastado do cargo depois da acusação de assédio sexual a uma funcionária. Em 2022, Ednaldo foi reeleito para comandar a confederação pelos próximos quatro anos.
 
A última ação do Observatório, em parceria com os clubes e a CBF, aconteceu na partida entre Vasco e Bahia, válida pela terceira rodada do Campeonato Brasileiro, em São Januário, nao começo do mês. Cada clube doou ao Observatório uma camisa usada no jogo. As camisas serão leiloadas e o valor destinado ao fortalecimento dos projetos desenvolvidos pela entidade.

Racismo: entenda as punições no Brasil


No seminário, foram discutidas diversas medidas sócio-educativas de combate ao racismo e injúria racial. No mesmo evento, o presidente da CBF apresentou a ideia que acabaria se tornando no artigo 134 do RGC: punir esportivamente os clubes pelos casos de racismo envolvendo seus jogadores, dirigentes e, até mesmo, de seus torcedores.

Segundo o artigo 134 do regulamento, os clubes poderão ser punidos de quatro maneiras: advertência, multa de até R$ 500 mil, impossibilidade de fazer registro e transferência de jogadores ou até mesmo perda de pontos no Campeonato Brasileiro.

Mesmo com as punições já definidas, o que ainda não há é uma definição sobre a forma como os casos serão julgados e como serão aplicadas as penas, de acordo com o Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Ronaldo Botelho.

- Ainda não foi definido como o artigo vai ser aplicado. Estamos conversando com a CBF, fazendo um estudo a quatro mãos, para entender como serão aplicadas as sanções, mas ainda não há uma definição - disse Botelho em entrevista ao Superesportes.
 
Marcelo Carvalho, fundador do Observatório da Discriminação Racial, ao lado de Ednaldo Rodrigues
foto: Lucas Figueiredo/CBF

Marcelo Carvalho, fundador do Observatório da Discriminação Racial, ao lado de Ednaldo Rodrigues

  

Além das punições administrativas e esportivas que poderão ser adotadas, a CBF ainda pode encaminhar ao Ministério Público um ofício "para apuração e eventual responsabilização dos infratores, inclusive instauração de inquéritos, eventual tipificação de crime e responsabilização criminal", segundo o regulamento. 

Qual é o caminho?


Embora as normas previstas no RGC já estejam em vigor, ainda não há, no regulamento, uma maneira definida de como uma denúncia é protocolada. Atualmente, os árbitros brasileiros seguem as orientações da Fifa para casos discriminatórios: interromper a partida, comunicar ao quarto árbitro e informar ao estádio que, caso as ofensas continuem, ele deverá interromper ou, até mesmo, encerrar o jogo.

Além disso, um simples relato em súmula do episódio é o suficiente para que seja feita uma denúncia no STJD. Nos casos onde não há relato em súmula, a própria promotoria pode abrir um inquérito baseado nos áudios e imagens dos jogos.

Casos e punições


Em 2021, um caso envolvendo o meia Celsinho, chegou a ter punições esportivas. O jogador acusou um dirigente do Brusque de chamá-lo de macaco, quando ainda jogava pelo Londrina. O STJD julgou a equipe catarinense, em primeira instância, que chegou a perder três pontos na Série B. Mas, em julgamento de última instância, a perda de pontos foi anulada, mas mantida a multa. O dirigente envolvido no caso foi punido com 360 dias de afastamento do futebol.

Recentemente, em 2023, o Ceará baniu um torcedor permanentemente de frequentar o estádio, após ele ser filmado fazendo gestos com a mão, em direção à torcida rival, imitando um macaco, durante o clássico contra o Fortaleza, em abril deste ano. Em nota, o clube informou que o indivíduo não faz parte do quadro de sócios.

O caso mais emblemático envolve o ex-goleiro Aranha. No jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil 2014, entre Grêmio e Santos, na Arena Grêmio, em Porto Alegre, Aranha, jogador do Santos à época, foi chamado de macaco por diversos torcedores. Câmeras de TV flagraram o momento.

O jogador chegou a reclamar das ofensas para o árbitro Wilton Pereira Sampaio, e o caso foi parar no STJD, que decidiu pela punição máxima, excluindo o Grêmio da competição. Além das punições ao clube, um inquérito foi aberto para apurar crime de injúria racial, por parte dos torcedores. 

Entretanto, o juiz do caso, Marco Aurélio Xavier, do Foro Central de Porto Alegre, suspendeu o processo. Como parte do acordo de suspensão, quatro torcedores acusados tiveram que se apresentar a uma delegacia, uma hora antes de cada jogo oficial do Grêmio (dentro ou fora de Porto Alegre), durante 10 meses.

Em janeiro deste ano, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. O crime em questão é inafiançável e imprescritível. O texto também prevê um aumento da pena para os casos praticados em eventos esportivos e culturais.




Compartilhe