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Cria de arquibancada, 1º cartola LGBTQIA+ é voz da diversidade em SC

Moisés Spillere dirige o Caravaggio, que estreia na segunda divisão do Campeonato Catarinense neste sábado (27)

27/05/2023 06:00 / atualizado em 29/05/2023 08:01
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Spillere com a bandeira do Caravaggio FC na Copa do Mundo
foto: Reprodução/Redes Sociais

Spillere com a bandeira do Caravaggio FC na Copa do Mundo

Moisés Spillere é figurinha carimbada nas arquibancadas do Estádio da Montanha, casa do Caravaggio FC, desde criança. Nascido em Nova Veneza, interior de Santa Catarina, foi eleito presidente do clube em 2023, e além de torcedor, ex-conselheiro e neto de um dos fundadores do clube, ele é o primeiro dirigente assumidamente homossexual no Brasil. 

O presidente participa da administração do clube desde 2017. De conselheiro, ele foi tesoureiro, vice-presidente. Em 2023, foi eleito presidente. Nesse período, o Caravaggio se profissionalizou e, surpreendentemente, a sua sexualidade - que não era segredo na cidade de pouco mais de 15 mil habitantes - não foi colocada em pauta.  

- No processo de eleição, não senti [diferença de tratamento ou preconceito] - contou, em entrevista exclusiva ao Superesportes.
 
- Isso não significa que a gente não tenha pequenos problemas com relação à minha sexualidade. As mais de 30 pessoas não pensam igual. Algumas são mais conservadoras, outras mais progressistas, e assim vai, como em qualquer entidade - disse o presidente. 

O susto, no entanto, foi quando a notícia correu o Brasil. A pecha de "o 1º presidente de clube homossexual" incomodou algumas pessoas.

- Depois da eleição que fui saber. Nem no clube ninguém sabia disso. Se tornou uma notícia nacional, tomou uma proporção muito grande. A gente está falando de um time da segunda divisão de Santa Catarina. Que ainda não tem representatividade nacional. Quando tomou essa proporção, algumas pessoas mais conservadoras demonstraram preocupação com a vinculação da imagem do clube ao presidente. E até eu mesmo não gostaria que acontecesse isso. É um clube de comunidade, tocado a várias mãos. 
 
 

Algumas reações incomodaram


Spillere lembra que na esteira dos comentários preocupados com essa associação, apareceram reações que o incomodaram. 

- Alguns comentários não foram no sentido da vinculação da pessoa, mas sim de o assunto ter vindo à tona por causa da sexualidade do presidente, e aí, sim, me sinto incomodado. Talvez tenha sido um preconceito maquiado. Isso me incomodou. Tivemos algumas discussões internas a respeito disso, para que tudo fosse resolvido da melhor forma. Não queria também uma ruptura, até porque a gente trabalha em uma unidade muito boa. 

Com uma diretoria repleta de jovens, o Caravaggio busca adotar uma gestão inclusiva. Segundo Spilere, a direção tem "uma oxigenação muito grande". Ele se coloca como uma das vozes dispostas a trocar ideias em prol da mudança. 

- Sempre fui uma pessoa que buscou tratar desses assuntos não só no clube, mas em toda minha vida profissional, familiar, de modo educativo. Muitas vezes as pessoas são preconceituosas por ignorância. Trago o assunto para que a pessoa reflita, com argumentos, embasamentos positivos, ao invés do embate. Antes do embate, prefiro a abordagem educativa - obviamente não vou ser hipócrita, não posso falar que não aconteça o embate, mas tento evitar. 

Mesmo se colocando como uma engrenagem para um grande movimento de transformação contra o preconceito no futebol, ele admite que as coisas não caminharam tanto quanto gostaria. 

- Claro que na direção é uma coisa, o mundo do futebol é outro, e a nossa comunidade, também outra. Da porta para fora as coisas mais difíceis. As coisas mudaram, obviamente, e para melhor, mas ainda está longe do ideal. Tanto a participação feminina, de LGBTs ou pessoas negras nos estafes dos clubes - pondera. 

Antes de Spilere, Emerson Ferretti, ex-jogador do Bahia e comentarista esportivo, também foi dirigente do Ypiranga. Na época, a orientação sexual do ex-goleiro ainda era um segredo, que só foi revelado recentemente, em uma entrevista a um podcast. 

- Espero que isso não precise mais acontecer. Poxa, quantas pessoas no Brasil fazem parte do mundo da bola? É um mercado que movimenta bilhões de reais por ano, e a gente não conhece um que seja abertamente homossexual. Será que não existe? Obviamente existe - comenta Spilere. 

-  A gente tá falando de milhares de pessoas, e não temos notícias porque as pessoas não se sentem à vontade para falar a respeito. E que pena, é uma parte da vida delas que está sendo talhada, não poder ser quem é no ambiente de trabalho. Claro que ninguém faz nada sozinho, nem tenho essa pretensão, mas se a minha representatividade servir para algo, eu vou ficar bastante feliz. 

No próximo sábado (27), o Caravaggio faz seu jogo de estreia na Série B do estadual em casa, diante do VS Guarani. Com reforços recém-contratados, a expectativa é de que o clube vá longe da competição. 

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