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Com volta de técnico, Ana Sátila 'esquece' Tóquio e inicia ciclo renovada

Após preparação conturbada para Jogos do Japão, mineira agora conta com retorno de Ettore Ivaldi: 'Está sendo incrível, parece que a ficha ainda não caiu'

02/03/2022 04:00 / atualizado em 02/03/2022 09:27
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Ana Sátila durante treinamento no Rio de Janeiro
foto: Rafael Bello/COB

Ana Sátila durante treinamento no Rio de Janeiro

A expressão ao deixar as águas do Centro de Canoagem Slalom de Kasai naquele 29 de julho deixava clara a decepção de Ana Sátila com o desempenho nos Jogos de Tóquio em 2021. A atleta de Iturama, no Triângulo Mineiro, acabara de fazer história como a primeira brasileira finalista olímpica na modalidade, mas sabia que podia mais. Passados oito meses, a frustração pelo décimo lugar deu lugar à confiança neste início de ciclo rumo à Olimpíada de Paris, em 2024. E muito da empolgação da mineira se deve ao retorno de alguém que foi muito importante em seu início de carreira, anos atrás.

Longe desde 2016, Ettore Ivaldi voltou ao comando técnico da seleção brasileira de canoagem slalom neste início de 2022. O italiano de 59 anos foi o responsável por treinar a equipe quando Ana Sátila foi campeã mundial júnior na categoria K1, em 2014, e pan-americana nos Jogos de Toronto, em 2015. Com ele, o paulista Pepê Gonçalves levou a prata no K1 no Canadá e se tornou o primeiro brasileira finalista olímpico na modalidade, com o sexto lugar em 2016.


"Ele ter voltado está sendo incrível, parece que a ficha ainda não caiu. A gente está treinando demais com ele. Pela primeira vez em muito tempo, estou conseguindo treinar só focada no meu treino e em mais nada. Antes, o treino ficava sempre por último. A gente tinha tanta coisa para resolver, para tentar organizar, viagem, tudo, menos o treino. Agora, consigo ficar focada, descansar bem, me alimentar bem. Sei que tudo de que eu preciso o Ettore vai conseguir", disse Ana Sátila, em entrevista ao Superesportes (leia a íntegra abaixo).

A relação de confiança entre Ana Sátila, demais atletas e Ettore foi um dos motivos pelos quais o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e a Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) apostaram no retorno do italiano após cinco anos.

"É um dos principais treinadores do mundo e realizou um trabalho importante em sua primeira passagem pelo Brasil, tendo contribuído com a formação e a evolução dos nossos atletas. Tanto é que seu retorno era um desejo de todos da canoagem slalom", disse o diretor de Esportes do COB, Jorge Bichara. "Ouvimos os atletas e estamos dando a eles um técnico de ponta porque acreditamos nessa geração e podemos brigar por medalhas", afirmou o presidente da CBCa, Rafael Girotto.

"Os atletas brasileiros têm muito potencial e estou aqui para extrair esse potencial deles. Decidi voltar ao Brasil para terminar o meu trabalho. Fiquei de 2011 a 2016, vi esses atletas, que hoje são de alto nível, nascerem. E, quando me propuseram retornar, gostei da ideia justamente por isso: poder concluir um ciclo", disse Ettore.

Volta da confiança


Para Ana Sátila, o retorno de Ettore - que treinou a seleção italiana no último ciclo olímpico - tem um peso ainda maior. Nos Jogos do Rio, em 2016, um erro na semifinal custou uma vaga na decisão pelas medalhas. A decepção quase fez a mineira trocar a canoagem pela medicina, outro sonho que tinha. Mas uma conversa com o treinador a fez insistir no esporte e remar por Tóquio.

A trajetória até o Japão, porém, foi cheia de percalços. Sem técnico, contou com o auxílio do namorado Mathieu Desnos, também canoísta, nos treinamentos. "A gente sabia que era um desafio muito grande também pessoalmente para nós dois, na nossa vida íntima. Mas isso fluiu muito bem, a gente conseguiu preparar os Jogos no que poderia ser feito. Mas, claro, não é a mesma coisa você chegar com um técnico em quem você confia e com quem você trabalha há muito tempo, que vai te deixar pronta com toda a experiência que ele tem como treinador", lembrou.

Italiano Ettore Ivaldi, de 59 anos, reassumiu comando técnico da seleção brasileira de canoagem
foto: Rafael Bello/COB

Italiano Ettore Ivaldi, de 59 anos, reassumiu comando técnico da seleção brasileira de canoagem


"O Ettore ter voltado para o Brasil está sendo muito importante. Foi muito difícil todo esse tempo desde 2016, quando ele deixou a gente logo após os Jogos Olímpicos. Ter ficado essa temporada sem um técnico que me apoiasse, me ajudasse nos principais defeitos, no que eu precisava melhorar, foi muito difícil. Competir os Jogos, um campeonato tão importante, para o qual você se dedica a vida inteira, saber que você vai chegar ali sem estar nos seus 100% porque você não tem o principal, que é o técnico, quem te apoia, quem te deixa preparado para competir... Esse ciclo olímpico foi muito, muito complicado para mim", prosseguiu.

Futuro


O ciclo complicado acabou com decepção nas águas japonesas. Na final da C1, Ana Sátila não passou por uma das portas do percurso - foi penalizada com mais 50 segundos - e ficou sem a sonhada medalha na Olimpíada de Tóquio. Pouco depois, disputou a Copa do Mundo e, mesmo sem estar nas melhores condições, conseguiu a prata na etapa de Pau, na França, na categoria extreme, que estreia no programa olímpico em Paris.

"Foi muito frustrante. Ter que entrar na água sem vontade de competir, sem vontade de estar ali, sem saber do futuro. Eu competia sonhando em voltar para casa e receber a notícia de que o Ettore estava voltando, só que eu não sabia se isso poderia acontecer ou não, então foi muito difícil. Mas competi, tentei dar o meu melhor. Obviamente, foi impossível", lembra.

"Mas logo após eu cheguei em casa, consegui descansar, colocar a cabeça no lugar e foi desenrolando com o COB a volta do Ettore. Temos toda a estrutura necessária para treinar bem, competir bem e ter resultado. Para 2022, eu não tenho meta. Quero remar bem. É a única coisa, independentemente do resultado que vou fazer, quero estar contente com a minha navegação", projeta.

Ana Sátila durante a final da C1 nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021
foto: Wander Roberto/COB

Ana Sátila durante a final da C1 nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021


Leia a entrevista completa de Ana Sátila ao Superesportes


O que significa a volta do Ettore Ivaldi à seleção para você?

Ana Sátila: "O Ettore ter voltado para o Brasil está sendo um momento muito importante. Foi muito difícil todo esse tempo desde 2016, quando ele deixou a gente logo após os Jogos Olímpicos. Ter ficado essa temporada sem um técnico que me apoiasse, me ajudasse nos principais defeitos, no que eu precisava melhorar, foi muito difícil. Competir os Jogos, um campeonato tão importante, que você se dedica a vida inteira, saber que você vai chegar ali sem estar nos seus 100% porque você não tem o principal, que é o técnico, quem te apoia, quem te deixa preparado para competir... Esse ciclo olímpico foi muito, muito complicado para mim, mas eu tentei manter a cabeça no lugar devido aos Jogos de Tóquio, tentei chegar muito positiva e preparada mesmo com tudo isso acontecendo, mas quando tudo acabou eu realmente fiquei muito triste, porque eu sabia que era um fator decisivo para a preparação.

Ele ter voltado está sendo incrível. Parece que a ficha não caiu ainda. A gente está treinando demais, muito forte com ele, todo mundo tem um contato muito próximo, é muito aberto, claro. Então, está tudo muito mais leve. Pela primeira vez em muito tempo, estou conseguindo treinar só focada no meu treino e em mais nada. Antes, o treino estava ficando sempre por último. A gente tinha tanta coisa para resolver, para tentar organizar, era viagem, tudo, menos o treino. Agora, pela primeira vez, consigo ficar focada, descansar bem, me alimentar bem. Sei que tudo o que eu preciso o Ettore vai conseguir. Então, é uma realidade totalmente diferente. Está sendo incrível, estou aproveitando muito cada segundo. Está sendo muito especial. A evolução a gente consegue ver bastante a partir do momento que tem uma pessoa que você confia quando você está trabalhando. Então, está sendo muito especial".

Qual a importância dele para a sua carreira? E o que esperar dessa parceria para os próximos anos?

AS: "Com o Ettore, acho que a gente tem que se adaptar bastante, mesmo depois de todo esse tempo que passou, mas todo mundo mudou. Nossa experiência durante esse ciclo olímpico foi muito diferente, a dele também com outra equipe. Mas a gente volta nesse mesmo contexto de antes, que é treinar muito forte, acreditar no trabalho e deixar os problemas para ele resolver. Tem dado certo. Quando ele estava aqui até o Rio. Eu vejo que já neste início está funcionando bastante. A gente consegue treinar sem precisar se preocupar e se dedicar 100% ao treino. Espero continuar levando assim durante todo esse ciclo, trabalhando muito forte, confiando no técnico incrível que eu tenho agora e tenho certeza que a gente vai conseguir dar o nosso melhor na água.

Nos Jogos, foi muito difícil devido à falta do técnico. O Mathieu (Desnos), que é meu namorado, me acompanhou, mas a gente sabia que era um desafio muito grande também pessoalmente para nós dois, na nossa vida íntima e tudo. Mas isso fluiu muito bem, a gente conseguiu preparar os Jogos no que poderia ser feito. Mas claro, não é a mesma coisa você chegar com um técnico em quem você confia e com quem você trabalha há muito tempo, que vai te deixar pronta com toda a experiência que ele tem como treinador e tudo. Então, isso faltou muito para mim e é uma coisa que vai te desgastando bastante. Quando você precisa ser atleta e você se prepara anos e anos para uma competição que é tudo ou nada e você já chega com esse sentimento, sabe? Então, eu tentei colocar a cabeça no lugar e deixar isso de lado, nem pensar nisso durante os Jogos, mas claro, refletiu muito no resultado. Apesar de ter sido uma final olímpica, eu tinha consciência de que eu podia fazer muito mais, ir muito além. Faltou esse detalhe, principalmente, porque a gente teve muito apoio do COB, da Confederação, tem essa pista incrível no Rio para treinar e toda a estrutura do COB, preparação física, psicológica. Então, a gente está numa fase muito boa, mas esse ciclo o que pesou bastante, o que foi um diferencial muito importante foi a questão do treinador. Com a volta do Etteri agora, tudo isso está sanado. Então, estou muito feliz e contente por ele estar aqui e quero aproveitar cada segundo".

Como tem sido o pós-Tóquio para você? Eu me lembro de ter te entrevistado logo depois da final, e seu sentimento era de muita decepção. Como você se sente hoje, passados alguns meses desde aquela disputa?

AS: "Acho que também logo após Tóquio foi muito complicado, porque a gente teve o Mundial logo em seguida e eu já não aguentava mais. Depois de ter me decepcionado bastante, eu não sabia ainda do retorno do Ettore, não sabia como as coisas poderiam fluir a partir desse momento. Então, foi um período... Imagina, você terminar a sua principal competição, não foi do jeito que você queria, eu ainda estava sem técnico, tinha que preparar um Mundial, estava totalmente desgastada devido a esse adiamento dos Jogos devido ao COVID e uma série de competições.

Então, foi muito frustrante. Ter que entrar na água sem vontade de competir, sem vontade de estar ali, sem saber do futuro. Acho que foi o principal. Eu competia sonhando em voltar para casa e receber a notícia de que o Ettore estava voltando, só que eu não sabia se isso poderia acontecer ou não, então foi muito difícil. Mas competi, tentei dar o meu melhor. Obviamente, foi impossível. Mas logo após eu cheguei em casa, consegui descansar, colocar a cabeça no lugar e foi desenrolando com o COB a volta do Ettore e tudo mais, e hoje a gente está aqui. Temos toda a estrutura necessária para treinar bem, competir bem e ter resultado".

Quais são as metas para 2022?

AS: "Para 2022, eu não tenho meta. Quero remar bem. É a única coisa, independentemente do resultado que vou fazer, quero estar contente com a minha navegação, dando o meu melhor nos treinos e competindo com alegria, fazendo o que sei fazer, que é muito grande, e quero conseguir colocar o meu melhor nas competições, independentemente do resultado".

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