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ESPECIAL PARALIMPÍADA

Personagens inesquecíveis

Redação
A Paralimpíada do Rio deixou milhares de lembranças na memória das pessoas
Alguns paratletas se destacam pelo alto grau de dificuldade imposto por eles mesmos nas modalidades escolhidas ou pela persistência na busca da melhor marcaOutros são lembrados por características físicas que acabam oferecendo vantagem na disputa esportivaO Estado de Minas separou a história de três personagens marcantes dos Jogos: o norte-americano Matt Stutzman, o egípcio Ibrahim Hamadtou e o iraniano Morteza Mehrzadselakjani.

'Fiz pessoas sorrirem e afetei positivamente ao menos uma pessoa. E é por isso que estou trazendo para casa um ouro' - Matt Stutzman, arqueiro norte-americano que considera sua participação nos Jogos uma vitória - Foto: AFP

Arqueiro sem braços

Matt Stutzman continuou no Rio de Janeiro a realização de um sonho que começou há quatro anos, na Paralimpíada de Londres'2012Aos 32 anos, chama a atenção por não ter os braços e usar seu pé direito e a boca para acertar o alvoSuas proezas não são poucas, tanto que é o recordista mundial da prova de distância, com 283 metros.

Ele se autointitula “The Armless Archer”, o que significa o “Arqueiro Sem Braços”Compete na modalidade arco composto e foi prata nos Jogos Paralímpicos de Londres'2012No Rio, não esteve no pódio, mas isso pouco importa para ele.

Pelas redes sociais, ele publicou mensagem depois da competição: “Fui assediado por uma porção de gente querendo fotos e autógrafosTodo mundo estava me dizendo ‘parabéns’, ‘você é o melhor’, ‘é meu herói’(...) no fim do dia, eu motivei, fiz pessoas sorrirem e afetei positivamente ao menos uma pessoaE é por isso que estou trazendo para casa um ouro”Na sua opinião, despertar bons sentimentos nas pessoas foi sua grande vitória.

O norte-americano foi rejeitado pelos pais biológicos e adotado com quatro meses de idade
Cresceu na fazenda da família e acompanhava o pai em caçadas que fazia com arco e flecha.

A ideia de comprar um arco não tinha fins esportivosFoi em 2009, e Stutzman estava desesperado, não tinha emprego e precisava cuidar da esposa, Amber, e dos dois filhos pequenosPensou em caçar para colocar comida na mesaAssim, decidiu ir à loja de material esportivo.

“Eu falei: quero comprar um arcoFicaram me olhando admirados e um vendedor me perguntou: Você quer dizer uma besta?Respondi: ‘Não, quero um desses arcos com flechas’Foi quando ele disse: ‘Como você vai disparar a flecha?Respondi: Não sei, me dá um arco e saiam da sala’”, lembra.

Ele procurou informações na internet, mas não encontrouHábil com os pés desde pequeno – veste-se, dirige, escreve e come com os pés –, começou a praticar e disputou no Rio sua segunda Paralimpíada.

'No começo, eu tentava usar a raquete embaixo do braço e também tentei outras coisas que não estavam dando certo' - Ibrahim Hamadtou, mesa-tenista egípcio de 43 anos que perdeu os braços em acidente de trem aos 10 - Foto: AFP

Tênis de mesa com a boca

Um acidente, ainda criança, fez com que o egípcio Ibrahim Hamadtou perdesse os dois braçosNascido na cidade de Dumyat, em 1º de julho de 1973, Ibrahim Hamadtou sofreu um golpe duríssimo aos 10 anos, quando, numa estação ferroviária lotada, ele acabou sendo empurrado de forma acidental pelos passageiros para o vão entre o trem e a plataforma.

Experimentou um período de luto, deixou a escola e foi convencido aos poucos, por familiares, amigos e incentivos governamentais, a retomar a vida por meio do esporte
Primeiro, tentou o futebol: “Até gostava de praticar, mas as quedas eram sempre perigosasSem os braços, a cabeça ficava desprotegida”, explicou.

Mas, três anos depois, começou a buscar a realização de seu sonhoTodos lhe diziam que era impossível, mas ele foi adianteConseguiuSeguindo conselho de um treinador, tornou-se  jogador de tênis de mesaPrimeiro, tentou jogar com a raquete apoiada na axilaNão dava certoMas não queria desistirEle desenvolveu então várias técnicas com a boca e os pés, passando a se dedicar ao esporteSua forma de jogar impressiona e inspira até mesmo outros atletas paralímpicos.

“No começo, eu tentava usar a raquete embaixo do braço e também tentei outras coisas que não estavam dando certoFinalmente, eu tentei usar a minha boca e deu certo”, contaEle usa o pé esquerdo para segurar a bolinha com os dedos e jogá-la para o alto para sacar.

Ele mesmo se mostra admirado às vezes“Sei que é muito incrível o que faço.” Foi desclassificado na primeira fase do torneio paralímpico, mas, no entanto, realizou um sonho“Eu queria muito disputar uma ParalimpíadaConsegui e estou muito feliz por isso.”

Ibrahim Hamadtou disputa em uma classe em que todos os seus adversários têm braçosComo ele é o único paratleta com os membros superiores amputados, não existe uma classe específica para a sua deficiência, o que acaba prejudicando sua competitividade

'Eu era sozinho, estava deprimido, mas minha vida mudou jogando vôlei sentado e me tornando atleta' - Morteza Mehrzadselakjani, paratleta iraniano de 29 anos e que era deprimido por causa da sua altura - Foto: AFP

Um problema de 2,46m

Homem mais alto da história esportiva, seja na Paralimpíada ou na Olimpíada, Morteza Mehrzadselakjani, de 29 anos, da Seleção Iraniana de vôlei sentado, mede nada menos que 2,46 metros de alturaEle foi fundamental para a conquista do ouro nos Jogos Paralímpicos Rio'2016.

Mehrzad sofre de acromegalia, um distúrbio raro caracterizado pelo aumento da secreção dos hormônios de crescimentoAos 16 anos, ele já media 1,90mA medida de cada uma de suas mãos é de 27 centímetrosSuas pernas, porém, têm diferençasUma queda de bicicleta, aos 16 anos, resultou em uma fratura na pélvis e na interrupção do crescimento de sua perna direita, que hoje é cerca de 15 centímetros menor que a esquerdaNesse período ele teve de usar cadeira de rodasEssa deficiência o tornou elegível para o vôlei sentado.

Já na solenidade de abertura da Paralimpíada ele chamava a atençãoMas nunca foi fácil lidar com essa característica particularO homem mais alto do Irã, que atraía olhares de estranheza, tinha vergonha de seu tamanho, até descobrir que isso poderia torná-lo um atleta competitivo e temido.

“Eu era sozinho, estava deprimido, mas minha vida mudou jogando vôlei sentado e me tornando atleta paralímpico”, diz Morteza.

Atualmente, é o segundo homem mais alto do mundo, atrás apenas do turco Sultan Kösen, que tem 2,51mA imagem que ele tinha de si mesmo começou a mudar há cinco anos, quando o técnico Hadi Rezaei o descobriu e o convidou para jogar pelo Irã“Nós demos a ele motivo para ter esperançaClaro que ele queriaAntes de ser famoso, quando ele saía de casa todos o olhavam e estranhavamAgora, todo mundo quer tirar foto com ele,” diz.

Para o técnico iraniano Rezaei, Morteza pode evoluir e se tornar o melhor jogador de vôlei sentado da história“E ele ainda está ficando mais alto, mesmo que a saúde já não seja tão boaPessoas com acromegalia não costumam ter vida longa, sofrem com problemas cardiovasculares ou respiratórios”, observa.