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ESPECIAL PARALIMPÍADA

Dois lados da mesma luta

A belga Marieke Vervoort, ganhadora de duas medalhas no Rio e portadora de doença degenerativa, traz consigo o direito de cometer eutanásia. Nadadora brasileira não concorda

postado em 24/09/2016 11:51

afp

A presença no Rio da paratleta belga Marieke Vervoort, de cabelo curto e platinado, ganhadora de uma medalha de prata nos 400m e uma de bronze nos 100m em cadeiras de roda, trouxe à tona uma discussão polêmica para os brasileiros: a eutanásia. Como na Bélgica o procedimento é legalizado desde 2002, Marieke entrou com o processo e já tem em mãos autorização legal para morrer.

“Sofro muito”, dizendo ainda que “o esporte é minha razão de ser”, mas que isso vem causando cada vez mais sofrimento.

“É verdade que esta é minha última competição e que os documentos estão prontos desde 2008 para recorrer à eutanásia, mas não quero morrer de imediato. Eu gosto de aproveitar cada momento. Estou em paz e ainda quero aproveitar meus amigos, minha família, mas chegará um dia em que os dias serão mais ruins do que bons.”

Ela sofre de tetraplegia progressiva, uma doença degenerativa, que começou aos 14 anos. Além das dores insuportáveis, tem os membros inferiores paralisados e apenas 20% da visão.

 Já a brasileira Susana Schnarndorf Ribeiro, de 48 anos, que não conhece a belga, pensa completamente diferente. Nadadora gaúcha, ela confessa que a história da europeia de 37 anos a balançou muito. As trajetórias das duas guardam semelhanças, embora cada uma enxergue um horizonte distinto. Suzana buscou forças na missão de viver até quando puder.

“Eu fiquei sabendo da história dela. Até procurei na internet para ver as matérias. Meu primeiro impulso foi tentar falar com ela para fazê-la desistir. Fiquei muito triste. Se ela estivesse aqui na minha frente, eu falaria: ‘Não desiste não’”, conta a brasileira, que há 12 anos luta contra uma doença chamada MSA (múltipla falência dos sistemas).

Pentacampeã brasileira de triatlo, Susana começou a engasgar frequentemente durante as refeições e, ao procurar médicos, recebeu a notícia. “Eu tive vários diagnósticos de pouco tempo de vida. Já vivi o dobro do que uma pessoa que tem a minha doença costuma viver. Em geral, a pessoa vive no máximo seis, sete anos. E o esporte é a razão da minha longevidade.”

Suzana conta que precisou superar a própria tristeza e revolta quando soube qual era seu caso. “A gente sempre pergunta o porquê, mas não é por quê, e sim para quê? Para que estou aqui? Foi difícil entender. Passei por todas as etapas: fiquei com depressão, com raiva, perguntei por que comigo, mas vi que chorar e ficar triste não ia trazer minha saúde de volta. Se eu tivesse me entregado à depressão, hoje não estaria aqui.”

Embora sejam doenças diferentes, Susana compreende o tamanho das dificuldades de Marieke. A doença impõe à nadadora limitações que se tornam mais severas com o passar do tempo. Superá-las é um exercício diário. “Doença degenerativa é complicado. A gente vai apagando em vida, vai deixando de fazer as coisas, e é difícil conviver com isso. Eu não sinto gosto nem cheiro. Não consigo mais usar talheres, tenho que dormir meio sentada, senão sufoco. Essa minha doença também dá distúrbio do sono. Tenho muito problema para dormir. Mas o que mais incomoda são os espasmos. Eu tenho cãimbra o tempo inteiro, muita dor muscular. Tenho dificuldade para respirar, tenho 40% da capacidade respiratória. É um monte de coisa ruim que tento não ver, não sentir, não ficar lamentando”, diz.

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A gaúcha conta que, para diminuir as dores e o sofrimento, toma remédios que custam cerca de R$ 4 mil por mês e causam inúmeros efeitos colaterais. Ainda assim, ela prefere encarar de uma maneira positiva todas as mudanças que as complicações impuseram em sua vida. “Costumo dizer que a doença fez eu me tornar uma pessoa melhor. Eu dou muito valor para coisas a que antes não dava. Eu era uma pessoa normal e a gente reclama de tudo, né? E agora ninguém me vê reclamando. Eu acho que é um bônus estar aqui agora e eu tento aproveitar.”

O esporte, paixão antiga de ambas, foi fundamental para ajudá-las a ter uma melhor qualidade de vida, que nem os medicamentos conseguiram oferecer. “Eu treino com dor, com muita dor, mas praticar esporte é como um remédio. Posso colocar meus medos e raivas para fora”, diz Marieke.

“Mesmo que eu só durma 10 minutos, é possível que eu esteja no treino pela manhã. Às vezes quando treino, eu empurro minha dor. Mas penso: ‘Por que isso acontece comigo?’ Eu quero viver, quero ser feliz, não quero ter dor, quero aproveitar os momentos. Então, quando vou para o treino depois de uma noite ruim, posso me sentir melhor, mas é possível também que fale: ‘Não consigo terminar, é impossível'”, diz Susana. Ela conta que treina de cinco a seis horas por dia. “Até o médico me falou: ‘Não existe outra pessoa que tenha MSA, seja atleta de alto rendimento e que treine como você. Então, nada, o melhor remédio é nadar’.”

Ela conta que quando está dentro d’água não tem espasmos. “O que mais me incomoda é o espasmo no rosto, e dentro da água eu não tenho. Eu consigo falar normalmente dentro da água. É uma hora em que eu estou em paz, uma paz muscular.”

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