None

ESPECIAL PARALIMPÍADA

Personagens inesquecíveis

postado em 24/09/2016 11:58 / atualizado em 24/09/2016 12:06

A Paralimpíada do Rio deixou milhares de lembranças na memória das pessoas. Alguns paratletas se destacam pelo alto grau de dificuldade imposto por eles mesmos nas modalidades escolhidas ou pela persistência na busca da melhor marca. Outros são lembrados por características físicas que acabam oferecendo vantagem na disputa esportiva. O Estado de Minas separou a história de três personagens marcantes dos Jogos: o norte-americano Matt Stutzman, o egípcio Ibrahim Hamadtou e o iraniano Morteza Mehrzadselakjani.

AFP


Arqueiro sem braços

Matt Stutzman continuou no Rio de Janeiro a realização de um sonho que começou há quatro anos, na Paralimpíada de Londres'2012. Aos 32 anos, chama a atenção por não ter os braços e usar seu pé direito e a boca para acertar o alvo. Suas proezas não são poucas, tanto que é o recordista mundial da prova de distância, com 283 metros.

Ele se autointitula “The Armless Archer”, o que significa o “Arqueiro Sem Braços”. Compete na modalidade arco composto e foi prata nos Jogos Paralímpicos de Londres'2012. No Rio, não esteve no pódio, mas isso pouco importa para ele.

Pelas redes sociais, ele publicou mensagem depois da competição: “Fui assediado por uma porção de gente querendo fotos e autógrafos. Todo mundo estava me dizendo ‘parabéns’, ‘você é o melhor’, ‘é meu herói’(...) no fim do dia, eu motivei, fiz pessoas sorrirem e afetei positivamente ao menos uma pessoa. E é por isso que estou trazendo para casa um ouro”. Na sua opinião, despertar bons sentimentos nas pessoas foi sua grande vitória.

O norte-americano foi rejeitado pelos pais biológicos e adotado com quatro meses de idade. Cresceu na fazenda da família e acompanhava o pai em caçadas que fazia com arco e flecha.

A ideia de comprar um arco não tinha fins esportivos. Foi em 2009, e Stutzman estava desesperado, não tinha emprego e precisava cuidar da esposa, Amber, e dos dois filhos pequenos. Pensou em caçar para colocar comida na mesa. Assim, decidiu ir à loja de material esportivo.

“Eu falei: quero comprar um arco. Ficaram me olhando admirados e um vendedor me perguntou: Você quer dizer uma besta?. Respondi: ‘Não, quero um desses arcos com flechas’. Foi quando ele disse: ‘Como você vai disparar a flecha?. Respondi: Não sei, me dá um arco e saiam da sala’”, lembra.

Ele procurou informações na internet, mas não encontrou. Hábil com os pés desde pequeno – veste-se, dirige, escreve e come com os pés –, começou a praticar e disputou no Rio sua segunda Paralimpíada.

AFP


Tênis de mesa com a boca

Um acidente, ainda criança, fez com que o egípcio Ibrahim Hamadtou perdesse os dois braços. Nascido na cidade de Dumyat, em 1º de julho de 1973, Ibrahim Hamadtou sofreu um golpe duríssimo aos 10 anos, quando, numa estação ferroviária lotada, ele acabou sendo empurrado de forma acidental pelos passageiros para o vão entre o trem e a plataforma.

Experimentou um período de luto, deixou a escola e foi convencido aos poucos, por familiares, amigos e incentivos governamentais, a retomar a vida por meio do esporte. Primeiro, tentou o futebol: “Até gostava de praticar, mas as quedas eram sempre perigosas. Sem os braços, a cabeça ficava desprotegida”, explicou.

Mas, três anos depois, começou a buscar a realização de seu sonho. Todos lhe diziam que era impossível, mas ele foi adiante. Conseguiu. Seguindo conselho de um treinador, tornou-se  jogador de tênis de mesa. Primeiro, tentou jogar com a raquete apoiada na axila. Não dava certo. Mas não queria desistir. Ele desenvolveu então várias técnicas com a boca e os pés, passando a se dedicar ao esporte. Sua forma de jogar impressiona e inspira até mesmo outros atletas paralímpicos.

“No começo, eu tentava usar a raquete embaixo do braço e também tentei outras coisas que não estavam dando certo. Finalmente, eu tentei usar a minha boca e deu certo”, conta. Ele usa o pé esquerdo para segurar a bolinha com os dedos e jogá-la para o alto para sacar.

Ele mesmo se mostra admirado às vezes. “Sei que é muito incrível o que faço.” Foi desclassificado na primeira fase do torneio paralímpico, mas, no entanto, realizou um sonho. “Eu queria muito disputar uma Paralimpíada. Consegui e estou muito feliz por isso.”

Ibrahim Hamadtou disputa em uma classe em que todos os seus adversários têm braços. Como ele é o único paratleta com os membros superiores amputados, não existe uma classe específica para a sua deficiência, o que acaba prejudicando sua competitividade.

AFP


Um problema de 2,46m

Homem mais alto da história esportiva, seja na Paralimpíada ou na Olimpíada, Morteza Mehrzadselakjani, de 29 anos, da Seleção Iraniana de vôlei sentado, mede nada menos que 2,46 metros de altura. Ele foi fundamental para a conquista do ouro nos Jogos Paralímpicos Rio'2016.

Mehrzad sofre de acromegalia, um distúrbio raro caracterizado pelo aumento da secreção dos hormônios de crescimento. Aos 16 anos, ele já media 1,90m. A medida de cada uma de suas mãos é de 27 centímetros. Suas pernas, porém, têm diferenças. Uma queda de bicicleta, aos 16 anos, resultou em uma fratura na pélvis e na interrupção do crescimento de sua perna direita, que hoje é cerca de 15 centímetros menor que a esquerda. Nesse período ele teve de usar cadeira de rodas. Essa deficiência o tornou elegível para o vôlei sentado.

Já na solenidade de abertura da Paralimpíada ele chamava a atenção. Mas nunca foi fácil lidar com essa característica particular. O homem mais alto do Irã, que atraía olhares de estranheza, tinha vergonha de seu tamanho, até descobrir que isso poderia torná-lo um atleta competitivo e temido.

“Eu era sozinho, estava deprimido, mas minha vida mudou jogando vôlei sentado e me tornando atleta paralímpico”, diz Morteza.

Atualmente, é o segundo homem mais alto do mundo, atrás apenas do turco Sultan Kösen, que tem 2,51m. A imagem que ele tinha de si mesmo começou a mudar há cinco anos, quando o técnico Hadi Rezaei o descobriu e o convidou para jogar pelo Irã. “Nós demos a ele motivo para ter esperança. Claro que ele queria. Antes de ser famoso, quando ele saía de casa todos o olhavam e estranhavam. Agora, todo mundo quer tirar foto com ele,” diz.

Para o técnico iraniano Rezaei, Morteza pode evoluir e se tornar o melhor jogador de vôlei sentado da história. “E ele ainda está ficando mais alto, mesmo que a saúde já não seja tão boa. Pessoas com acromegalia não costumam ter vida longa, sofrem com problemas cardiovasculares ou respiratórios”, observa.