Desaparecidos da elite brasileira, os esquemas táticos com três zagueiros recuperaram o destaque na Europa. Além da Juventus, que aposta nesse modelo desde 2012, outras equipes têm resgatado o modelo aperfeiçoado na Itália, nos anos 1990. E o melhor expoente desse padrão é o Chelsea, líder do Campeonato Inglês, que às 18h de hoje (horário de Brasília) enfrentará o Tottenham, quinto colocado, para tentar estabelecer um novo recorde na competição.
Caso consiga os três pontos, o Chelsea alcançará a 14ª vitória seguida no Inglês, algo nunca antes registrado. A marca atual, de 13 triunfos em série, está dividida com o Arsenal, que estabeleceu o feito na temporada 2001/02. Para entrar para a história, o time treinado pelo italiano Antonio Conte tem um importante aliado: o esquema 3-4-3.
É bem verdade que o carismático técnico resgatou a confiança do elenco, mas a mudança do padrão de jogo do 4-1-4-1 utilizado no início da temporada para a formação com três na defesa tem feito a diferença. O líder do Inglês ganhou mais volume de jogo e aprimorou força ofensiva e compactação na defesa. O resultado: pode se tornar a primeira equipe a vencer a Premier League jogando com três zagueiros.
O Chelsea é o destaque entre os times que usam três defensores na Europa, mas não está sozinho. Mais 15 clubes das cinco grandes ligas do continente seguem esse padrão de jogo. Pode parecer pouco, considerando que esses campeonatos têm 98 times, mas significa um salto em relação à temporada passada. Na temporada 2015-2016, apenas seis técnicos apostavam nesse tipo de formação. Todos da Itália.
A temporada atual, portanto, vê praticamente o triplo de times usando variações do esquema tático aplicado pelo Chelsea. São quatro equipes na primeira divisão inglesa e outras quatro na alemã. Três jogam na liga espanhola; cinco, na italiana. Entre os principais campeonatos, apenas o da França não tem um clube atuando com três zagueiros. O líder Nice — no qual está o brasileiro Dante — foi a campo em seis oportunidades com uma trinca na defesa.
Ao ataque
Engana-se quem pensa que o 3-5-2 ou o 3-4-3 — e suas variações — sejam esquemas primordialmente defensivos. “Defensivamente, fica um 5-4-1. Mas, lá no ataque, é possível chegar com sete jogadores”, destaca Geninho, técnico campeão brasileiro em 2001 pelo Atlético-PR, quando utilizava justamente um 3-5-2. “Pode parecer que fica mais defensivo, mas não é isso. É um esquema forte, é possível dar mais liberdade para os laterais. Sem a bola, os laterais voltam e os meias também”, completa o hoje treinador do ABC-RN, em entrevista ao Correio.
Na Europa, o Borussia Dortmund e o Sevilla comprovam que essas formações não significam retranca. O clube alemão, treinado por Thomas Tuchel, é o segundo no ranking da Bundesliga em posse de bola, com 61,1% de domínio por jogo. Também é a segunda equipe em chutes a gol por partida — média de 5,9 —, além do segundo ataque da competição, com 35 gols.
Os espanhóis, comandados pelo argentino Jorge Sampaoli, mantêm 58% de posse de bola, ficando atrás apenas para o Barcelona no quesito. É o quarto clube em chutes a gol (5,1 em média) e o terceiro ataque, com 32 gols. O modelo de três defensores também tem sido utilizado com sucesso por outras equipes, como a Atalanta, sexta colocada no Campeonato Italiano, e o Hoffenheim, quinto no Alemão.
Seleções
Não são apenas os clubes que apostam em esquemas com três defensores. No último semestre, as seleções de Alemanha, Bélgica e Espanha testaram um esquema semelhante ao que levou a Itália às quartas e Gales à semifinal da Eurocopa.
Em 9 de novembro, a Bélgica entrou em campo no amistoso contra a Holanda num 3-4-3. O esquema permitiu que Hazard, astro do Chelsea, e o craque De Bruyne, do Manchester City, tivessem mais liberdade para flutuar pelo ataque, ao lado de Mertens, do Napoli.
A Espanha testou o 3-4-2-1, em amistoso contra a Inglaterra, em 15 de novembro. Com Azpilicueta, do Chelsea, Nacho Fernández, do Real Madrid, e Javi Martínez, do Bayern, a equipe conseguiu dar mais liberdade para os homens de frente.
Entre as seleções mais bem posicionadas no ranking da Fifa, a Alemanha é aquela que apresenta o futebol mais moderno e adaptado ao esquema com três defensores. A campeã do mundo já havia apresentado a formação na vitória diante da Itália na Eurocopa, nos pênaltis, e voltou a apostar no modelo novamente contra a Itália, em 15 de novembro.
A tetracampeã Itália, por sinal, mantém o tradicional modelo com três zagueiros. Agora com Giampiero Ventura no comando, a seleção foi a campo contra a Alemanha no amistoso em um 3-4-3, em vez do 3-5-2 de Antonio Conte.
No Brasil
Hoje, no Brasil, esquemas com três zagueiros são raridade. Ignorado pelos principais clubes nacionais em 2016, o esquema só encontrou sobrevida no Juventude, que subiu para a Série B sob comando de Antonio Carlos Zago, agora treinador do Internacional.
Na avaliação do técnico Zé Ricardo, do Flamengo, quem trabalha na Europa tem mais liberdade para testar esquemas com um trio de defensores. “Um eventual insucesso por lá não acarreta numa pressão exacerbada, há uma maior tranquilidade”, opina o comandante rubro-negro.
Zé Ricardo também responsabiliza dirigentes, torcedores e imprensa pela impaciência com um treinador que comece a atuar com essa formação e não conquiste bons resultados logo no início do trabalho. O flamenguista lembrou que as equipes de menor expressão ainda testam um trio defensivo e citou Geninho como um dos profissionais que mais usaram o esquema no país.
Geninho, campeão brasileiro em 2001 pelo Atlético-PR com um 3-5-2, culpa a cultura do futebol brasileiro pelo baixo número de equipes que utilizam esquemas assim. “Mesmo com o título da Copa do Mundo de 2002 (Luiz Felipe Scolari usava o 3-4-1-2), o brasileiro é avesso a isso, acha que o time vai ficar mais defensivo”, avalia o comandante, que conseguiu o acesso para a Série B do Brasileirão com o ABC-RN.
O treinador acredita que, com o sucesso dos esquemas europeus que entram em campo com um trio na zaga, a “moda” pode chegar ao Brasil. “O brasileiro tem mania de copiar tudo o que se faz lá, vamos ver se agora pega”, ironiza.
Personagem recente de uma polêmica sobre a presença de treinadores estudiosos no futebol, ao dizer que “futebol é igual a andar de bicicleta”, Renato Gaúcho avalia que os esquemas com três zagueiros não são muito usados por aqui porque “temos mais qualidade técnica para sair jogando” do que na Europa. “Aqui tem mais qualidade, o futebol é mais ofensivo, temos mais atributos técnicos do meio para frente”, argumenta o atual vencedor da Copa do Brasil, em entrevista ao Correio.