Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

O Dia de São Victor

"Eu? Eu também chorei. Chorei nas horas que se seguiram, nos dias, nos meses. Chorei ontem, um ano depois, e vou chorar daqui a 50!"

postado em 31/05/2014 09:13 / atualizado em 13/06/2014 15:18

Fred Melo Paiva /Estado de Minas

Toda coletividade tem seu 11 de setembro, seu tiro na cabeça do Kennedy – aquele fato histórico e inescapável que, de tão marcante, sabemos exatamente o que estávamos fazendo na hora em que ele se deu. Informa meu amigo inglês, convertido em atleticano, que não há na Inglaterra um cidadão que não saiba de si mesmo quando mataram John Lennon. Pois nosso John Lennon é Victor – quando, num golpe de Bruce Lee, rebateu pra longe os 42 anos em que a vida se cansou de tripudiar da gente.

Tina Furtado estava no Independência. Fechou os olhos e se concentrou em seu pai: “Não deixa entrar, pai”. Ficou assim até que explodisse o grito redentor da Massa. Sua irmã Miriam, testemunha ocular, repetia “incrédula” o modus operandi daquele milagre: “Ele defendeu com o pé, ele defendeu com o pé”. Um ano depois, completado ontem, a Miriam fecha os olhos e sente a mesma emoção.

Edson Guimarães tava sentado no sofá da sala. Quando o juiz apitou o pênalti, sentiu “a tristeza no coração endurecido de quem já está acostumado a chegar perto e nunca ganhar”. Christiano Paulino Leal pensou: “Vai acontecer mais uma vez...”. Olhava a TV e ouvia o radinho ao mesmo tempo. “Como o som do rádio chegava primeiro, antes de Riascos partir pra bola eu já pulava como um louco.” Diego Marques, in loco, presenciou o milagre. “Depois, só chorei.”

Guto Marques não aguentou uma falta marcada contra o Galo, pegou o carro e foi para a estrada, num ponto onde sabia não haver sinal de celular. Ficou ali por meia hora. Quando fazia o caminho de volta e entrou na área de cobertura, começaram a pipocar dezenas de ligações. “Eu não podia imaginar nunca que tivesse sido daquele jeito.”

Edkarlos Rafael Oliveira “estava em casa morrendo por causa de uma dengue”. Foi o único jogo do Galo a que assistiu deitado, ajoelhando-se diante da TV na hora fatal. Sérgio Leonardo Teixeira estava fechado no quarto quando seus dois enteados, cruzeirenses, comemoraram o pênalti. “Caminhei até a varanda pra tirar a bandeira e enxugar as lágrimas.” Nesse meio-tempo, veio a perna esquerda de Deus. E daquela varanda o Sérgio viu seu grito de Galo se somar a muitos outros, naquele merecimento que só a gente sabe.

Daniela Duarte tinha se perdido dos amigos no Horto. Fez outros. “Na hora do pênalti, a menina na minha frente começou a chorar e disse que ia embora, que não aguentava mais sofrer pelo Galo. Eu disse pra ela que nenhum atleticano saía dali até o que o juiz apitasse. Nós nos abraçamos e ela ficou. Sem ter coragem de olhar, só percebemos o milagre pelo grito da torcida. Nunca mais a gente se viu... Obrigado, irmã, por acreditar.”

Magnus Taiar, do Rio, rezou pra São Jorge, mesma providência e santo do qual lançou mão Pablo Henrique Santiago, desde Lafaiete, Minas Gerais. André Corrêa “dava voltas em mim mesmo, entre o fogão, a geladeira e os pratos, eu e a minha solidão”. Pedro Ribeiro estava em Botafogo, com a Cariogalo (todos os depoimentos aqui publicados são desses bravos atleticanos exilados no Rio). Chovia muito, mas ninguém arredou pé. “Apareço em vários vídeos rasgando a capa de chuva e chorando.”

Eu? Eu também chorei. Chorei nas horas que se seguiram, nos dias, nos meses. Chorei ontem, um ano depois, e vou chorar daqui a 50. Aquele pé esquerdo, La Canhota de Dios, fez cada um de nós olhar a vida com outros olhos. Obrigado, São Victor. A você dedicamos o Dia de São Victor. E a Fábio de Mãos de Alface, o Dia de São Nunca.

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