Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

O 2 a 1 no olimpo dos placares divinais

'Os detratores dizem termos batido em cachorro morto. Mas se um cachorro morto bate em três cachorros mortos, no mínimo ele merece viver'

postado em 11/05/2019 12:00

<i>(Foto: Marcelo Sant'Anna/EM/D.A Press )</i>
Nunca tinha me ocorrido a beleza encarnada no 2 a 1. Não havia, até então, nada que o consagrasse no altar dos placares imortais. O 4 a 1, por exemplo, nos remete de imediato à final de 1970, ao Flamengaço classificadaço e à dancinha do Mano depois do gol de Edmonstro. O 2 a 0 é a nossa senha pra falar com Deus, a centelha do nosso Big Bang, as derrotas mais gratas e a vitória mais fenomenal.

Até o 1 a 1. Esse foi cantado por Jackson do Pandeiro, flamenguista, argh!, “esse jogo não é um a um (se o meu time perder tem zum-zum-zum)”. O 0 a 0 é o trivial da vida, o tédio, ninguém pegou ninguém, não se obrou nem se saiu da moita, é o casamento que se arrasta, o emprego que apenas paga as nossas contas. Embora solitário, o 5 contra 1 apresenta-se sempre como uma alternativa, fazer o quê? E o 7 a 1, todo dia um, não morrerá jamais enquanto houver Brasil.

O 3 a 2 é o nosso corvo no umbral, nossas derrotas mais desgraçadas, a prova da inexistência de Deus. Primeiro em 1980, roubado. Depois em 1982, vitimados pelo Paolo Rossi, erro do Júnior creditado a Cerezo, de novo o Flamengo roubando da gente. Eu tinha 10 anos, e o corvo avisou quando ganharíamos alguma coisa na vida: “Nunca mais”. A culpa também era minha. Menos de um ano antes do meu nascimento, em 1971, Dario tinha parado no ar, como o beija-flor e o helicóptero. Quando pousou, o 1 a 0 já havia reservado seu lugar na história. Isso só, e nada mais.

Eterno mesmo só existe um, como diz o nome: o “9 a 2 eterno”. Diante do Palestra em 1927, obra do Trio Maldito – Said, Jairo e Mário de Castro. “9 a 2 eu já ganhei, vi o gol do Vanderlei, e o Fábio lá de costas a chorar!”. Durante anos o cruzeirense se esforçou em apagar a história, como fazem os que negam a ditadura. Surgiu porém, da poeira dos sebos, um manual do próprio clube. E de suas páginas heroicas, o imortal placar.

O 2 a 1, por sua vez, não achou lugar na história, a não ser no Sonho de Uma Noite de Verón (foto). No apagar das luzes de 15 de julho de 2009, o Galo da Argentina, cujo apodo é Estudiantes, ganhou a Libertadores na casa do adversário. “Do Verón eu vou lembrar, Mineirão se fez calar, e o Galo para sempre eu vou te amar!” Já em Buenos Aires, um caminhão dos Bombeiros desfilou com os campeões. Estendida à frente do carro, o pavilhão atleticano.

Agora, pois, o 2 a 1 cavuca seu lugar definitivo no olimpo dos placares divinais. Como quem não quer nada – e não queria mesmo –, o Atlético fez um 2 a 1 no Avaí. Querendo só um pouquinho, ainda assim um quase nada, ganhou do Vasco: 2 a 1. Como aquele que talvez até queira alguma coisa, bem talvez, passou pelo Ceará: 2 a 1. Por fim, despediu-se da Libertadores ao classificar-se para a Sul-Americana com uma vitória sobre o Zamora. 2 a 1.

Tudo daquele jeito que o diabo gosta, pronto a nos enfartar na curva da esquina: salvo pelo VAR aos 45 do segundo tempo, e mais dois gols aos 48. Os detratores dizem termos batido em cachorro morto. Mas se um cachorro morto bate em três cachorros mortos, no mínimo ele merece viver. E aí estamos, redivivos, líder deste estranho Brasileirão, em que o atleticano dormiu sonhando com os 45 pontos e acorda agora com a certeza de que alcançará os 80, só no sapatinho, só no 2 a 1.

Amanhã tem o Palmeiras de Felipão, protagonista-mor do 7 a 1. Casa onde se deu a tragédia, o Mineirão há de trazer todo o seu mau agouro ao velho comandante. Não sei quem fará o gol do Palmeiras, inevitável, mas torço sempre por Marcos Rocha. A virada gostaria que fosse por obra de Alerrandro, essa vítima dos escrivães de cartório sem noção da língua de Cervantes.

Não precisa um 2 a 1 contundente, um implacável 2 a 1. Pode ser até um 2 a 1 injusto. Mas será ainda melhor se evoluir para o 2 a 1 honesto, a passos largos para a eternidade.

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