Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

São Victor que estais no Horto, perdoai as nossas ofensas

Victor defendeu três pênaltis. Eu nunca tinha visto uma coisa dessa, 3 a 0 numa disputa de pênaltis, que coisa

postado em 01/06/2019 12:00 / atualizado em 01/06/2019 12:34

<i>(Foto: Juarez Rodrigues/EM/D. A Press)</i>
Não faz muito tempo hereges blasfemaram contra São Victor. Houvesse uma Santa Inquisição atleticana, estariam ardendo na fogueira desde a última terça. Demônios encarnados! Como pastor da Igreja Universal do Reino do Galo, determino que se ajoelhem sobre o milho e caminhem na brasa quente. Além de rezar o terço 13 vezes ao dia: “São Victor que estais no Horto, santificado seja o vosso nome”.

Victor é de longe o maior goleiro da história do Galo, superando Kafunga e Taffarel. Seu personagem encerra toda a sorte de aspectos que o atleticano carrega em si mesmo – a tragédia iminente, a patológica condição daquele que acredita sempre, ainda que a vaca se encaminhe fatalmente para o brejo. São Victor é nóis: lúcido diante da gravidade da vida, duro frente ao fato consumado, um tresloucado a bradar contra o centroavante inimigo, o fogo amigo a cobrar o zagueiro perna de pau. Victor é a gente dançando a Dancinha do Mano, cruel.

A defesa do pênalti de Riascos na Copa Libertadores de 2013 é o maior momento do Galo em seus 111 anos de história. Nenhum título é capaz daquilo que se deu. Aquela perna esquerda, a narração do Pequitito: “Gol, é gol do Victor, é gol do Galo, Victor, Victor, Victor!”. Por quantos anos mais eu vou chorar com isso, meu querido Pequitito? Por quantas e inconfessáveis vezes, na hora das agruras que nada têm a ver com o futebol, eu vou escutar a sua voz, o seu grito infinito de Victor, Victor, Victor?

Pequitito é cruzeirense. Naquele momento, eu acho, foi arrebatado por algo que transcende o futebol. Deve ter olhado para o lado e visto aquele povo todo, aquela gente simples que há tantos anos merecia uma sorte melhor, uma vida melhor. E aquele sonho que ia escapando pelos dedos enquanto Leo Silva é uma alma penada, um negro de joelhos na grande aérea diante de pretos, pobres e mulatos, e quase brancos quase pretos de tão pobres. A Massa. Povo marcado, povo feliz.

O comentarista diz que acabou, mas Pequetito se revolta, o Victor vai pegar. O Pequitito não torce contra, tá na cara, tá na sua voz. Naquele momento que antecede a cobrança, o Pequetito cruzeirense é Obdulio Varela, o capitão uruguaio que saiu pra beber sozinho em Copacabana, depois de ganhar a Copa de 1950, e se arrependeu da vitória. Achou que não podia ter feito aquilo com aquela gente.

Pequitito me escreve na madrugada do último dia 30, sexto aniversário do primeiro milagre de São Victor. “Antes de eu morrer, o chapéu que usei naquele dia será seu”. Agradeço a honraria, Pequetito, mas você não vai morrer jamais.

Na terça-feira, Victor defendeu três pênaltis. Eu nunca tinha visto uma coisa dessa, 3 a 0 numa disputa de pênaltis, que coisa. O mesmo gol da cobrança de Riascos (o maior título do América é aparecer ao fundo na fotografia). O Unión La Calera vestindo o mesmo vermelho do Tijuana. A mesma perna esquerda de Deus.

Essas coisas me fazem estar imbuído, agora, de uma estranha esperança neste Galo doido. Louco a ponto de abdicar do jogo contra o Grêmio como se fosse uma URT, mas também de ganhar do Flamengo jogando com 10. Rogo a São Victor que interceda com o homem lá em cima pela titularidade de Alerrandro, um atleticano que, como nós, viu Riascos partir pra bola quando ainda era só um torcedor.

Amanhã, temos pela frente o CSA. Na quinta, o Santos pela Copa do Brasil. “Quando se sonha tão grande a realidade aprende”, ensinou o cineasta atleticano Lobo Mauro, a citar o escritor português Valter Hugo Mãe (o homenageado deste ano na Fliaraxá). Vitória sobre o time alagoano nos mantém na briga pela liderança do Brasileiro. Empate com o Santos leva a decisão para os pênaltis. Que São Victor esteja conosco, perdoai as nossas ofensas, amém.

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