Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Nós vamos morrer sem fazer nada?

Entre os poucos mais de 8 mil que foram ao Horto, o de sempre: uma parte ainda é a velha torcida do Galo. A outra vaia jogador em aquecimento

postado em 04/06/2016 16:57

Bruno Cantini/Divulgação
O título desta seção, assinada por um atleticano, um cruzeirense e um americano, é Da Arquibancada. Não há mais arquibancadas. Acabaram com elas. Num processo de higienização típico de um país que coloca espeto em banco de praça pra mendigo não dormir, expulsaram o povão de sua festa mais popular. No lugar do abnegado torcedor botaram os consumidores de shopping, o habitante da varanda gourmet, o comensal de cheese salada de R$ 50.

O jornal deveria mudar o nome da seção para Do Camarote, Do Topo da Pirâmide, Eu Paguei, Eu Tenho o Direito de Vaiar. Até quando vamos enganar a nós mesmos? Não existe mais a Massa, a Fiel, a mulambada do Flamengo. Além da manada de elefantes brancos e dos 7 a 1 na corcova, foi este o mais triste legado da Copa: mataram a nossa torcida e ninguém fez nada.

Eu sabia que ia ser assim desde que pisei pela primeira vez no Independência, convidado pelo Estado de Minas para escrever sobre a experiência. Não faço ideia do setor em que eu me encontrava. Só sei que minha camisa 4 do Nelinho, safra 1986, era velha demais para aquele esporte fino. Faltava um blazer, um gel no cabelo. Me senti de sunga e havaianas na Semana de Moda de Paris. Havia uma garçonete e ela me perguntou se eu desejava coxinhas. Em 2012, “coxinha” era apenas um insuspeito salgadinho. Aceitei e, assim como Eva (ou terá sido Adão?), mordi a maçã. O estádio virou o que virou, o torcedor morreu, e a pobre coxinha foi de golpista a trouxinha em coisa de duas semanas.

Outro dia assisti a um filme sobre Amy Winehouse, Amy, ganhador do Oscar de melhor documentário. É revoltante perceber como ela foi morrendo aos poucos sem que ninguém em seu entorno fizesse quase nada, pelo contrário. Assim acontece com as torcidas de futebol no Brasil, uma festa popular que deveria ser tombada como patrimônio imaterial da nossa cultura, preservada dos interesses comerciais, defendida pelos clubes como o Santo Graal guardado no cofre. Assim acontece, de forma ainda mais chocante, com a torcida do Galo – talvez por já ter sido, num passado nem tão distante, a mais doida do Brasil. Talvez por ser eu quem esteja falando – um cara, como tantos outros, que só virou atleticano porque era impossível olhar o Mineirão lotado nos anos 70, 80 e 90 e não virar um de nós.

Quarta-feira passada no Independência, o público pagante (também conhecido como “pupagante”) foi de 8.144 pessoas. Na primeira rodada do Brasileirão, 4.889 (!). O preço médio dos ingressos foi de R$ 15 e R$ 17, respectivamente. Ou seja, o problema não se resume mais ao custo da entrada. Passados esses quatro anos de “arena”, o povo perdeu o costume de ir ao campo, não é pro seu bico. Sim, tem a crise. Sim, ela era pior nos anos 90.

O torcedor-consumidor também não compareceu, porque esse tipo de público paga pela qualidade do show – se há algum indício de que o time vai desafinar, ou se a banda é cover, ele prefere bater uma perna no shopping, é coerente.

Entre os poucos mais de 8 mil que foram ao Horto, o de sempre: uma parte ainda é a velha torcida do Galo. A outra vaia jogador em aquecimento. Nas redes sociais até Victor foi hostilizado. Mas como disse Umberto Eco, “a internet organizou a imbecilidade”, a que podemos dar um desconto.

O time de preto, de favelado, ficou restrito a uma parte ínfima das “arenas” (“estádio” é coisa de pobre), cenografia pra Globo filmar quando precisa da alegoria de uma Galoucura, Gaviões ou Máfia Azul. Quando não é esse o caso, criminalizam-se as organizadas, negando espaço de divulgação para as campanhas de doação de sangue e agasalho, entre outras tantas, e tratando seus “5 a 7% de bandidos” (segundo o sociólogo Maurício Murad) como se fossem 100%. Se no governo, Congresso e Judiciário houvesse entre 5 e 7% de bandidos, o Brasil seria uma Suécia.

Todo esse estado de coisas, meu amigo, porque estamos vendo desde 2012 o que pode ser a melhor fase do Galo em todos os tempos. Imagina se não fosse. Imagina quando não for.

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