Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

A nossa Dilma

Nepomuceno também não era o Haddad. Daniel era a Dilma mesmo: igualmente errático no discurso, bem-intencionado, mas incompetente para o cargo que ocupa

postado em 29/07/2017 12:00

Paulo Filgueiras/EM/DA PRESS
Certa vez, fui jantar com Alexandre Kalil num japonês em Lourdes, levado por um amigo em comum. Ainda era possível expor preferências políticas sem despertar tanto ódio – e então, lá pelas tantas naquele saquê, comentei: “Kalil, você é o Lula do Atlético. Tem o mesmo carisma, pegou um abacaxi e mesmo assim mudou pra melhor a vida de milhões de pessoas”. O Kalil não gostava do Lula, eu já sabia. E com aquela finesse que aprendemos a amar, tratou de deixar isso claro: “Lula, o caralho!”.

“Sim, você é o Lula do Atlético”, reafirmei, talvez na esperança de vê-lo reagir com algum destempero, ocasião em que ninguém no mundo é mais positivamente performático do que ele. “Você poderia ter mudado as regras e conseguido o terceiro mandato, mas não quis, preferiu respeitar a democracia, igual ao Lula”. “Lula, o caralho!”. “Você só fez uma coisa diferente, e foi pra melhor: no lugar de ter deixado a Dilma, você deixou o Haddad”.

Na ocasião, a presidente Dilma já era vista como incompetente no trato com a economia e com sua base aliada no Congresso. Haddad, por sua vez, fazia uma interessante e surpreendente gestão à frente da Prefeitura de São Paulo, ousada e criativa. Ambos tinham sido candidatos escolhidos por Lula, de quem se dizia ser capaz, à época, de eleger até um poste de luz.

Passados pouco mais de dois anos, algumas coisas mudaram na percepção dessa realidade. Parte da incompetência de Dilma era, na verdade, uma virtude: ao contrário de Lula, a presidente tinha dificuldades em lidar com a quadrilha a que se chamava “base aliada”, desde sempre no poder. A outra parte era incompetência mesmo, manifesta desde os maus-tratos à economia até a dislexia de seu discurso, com saudações à mandioca e concordâncias jogadas às favas (não muito diferente de seu sucessor, convenhamos, que foi à “União Soviética” convencer “empresários soviéticos” a investirem no Brasil. Pobres de nós).

Daniel Nepomuceno também não era o Haddad. Daniel era a Dilma mesmo: igualmente errático no discurso, bem-intencionado, mas incompetente para o cargo que ocupa. Na mais recente troca de técnicos operada por ele, passou recibo duplo dessa incompetência: com duas decisões pela frente, na Copa do Brasil e na Libertadores, tirou do comando alguém que pelo menos tinha o apoio do vestiário; e entregou o time a um técnico que nunca dirigiu uma equipe profissional – porque nem Grêmio Prudente nem a selecinha da CBF são exatamente times profissionais.

Daniel fez boas contratações e dispensas ao longo de seu mandato, embora tenha se esquecido que um time de futebol também é composto de departamento de futebol e zagueiros, além de atacantes velozes. Mas, com relação aos técnicos, conseguiu uma proeza: ao contratar Micale, fez boa parte dos atleticanos lamentar a saída de Roger; com Roger, fez a gente ter saudade de Marcelo Oliveira; com Marcelo Oliveira, lamentamos a dispensa de Aguirre; com Aguirre, choramos a saída de Levir Culpi. Não se ganha nada trocando tanto de técnico, ainda menos se o substituto é sempre um equívoco confirmado logo adiante com nova demissão.

A gestão do Galo comete, neste momento, dois erros fundamentais: ouve demais o torcedor e de menos o jogador, talvez pela falta que faz Eduardo Maluf. O torcedor (este escriba incluso, afinal, assina coluna chamada “Da Arquibancada”) é passional em excesso pra ser levado ao pé da letra. É preciso contrariá-lo volta e meia. O jogador – ou o vestiário, como se diz – é a “base aliada” do presidente. Deve-se tratá-lo na medida exata do carinho e do reconhecimento, e também da cobrança por empenho e lealdade. Um tapa na mesa em ocasião inoportuna, e o caldo pode entornar. É preciso a sapiência que, tudo indica, é justamente o que nos falta nessa hora.

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