Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

Willy, você não tinha o direito de morrer

"Antes de gritar gol - longo e apneico gol -, ele se mantinha em silêncio. O obsequioso silêncio em que apenas a Massa gozava seu orgasmo múltiplo: 'Ahhhhhhhhhhh'"

postado em 26/08/2017 12:00

Jorge Gontijo/Estado de Minas
Quem puder, por favor, ajude este pobre cronista a entender.

Precisando de técnico pra botar uma camisa de força no Galo Doido e corrigir o problema da defesa, nos últimos dois anos mandamos embora um técnico a cada semestre. Por experiência, esta parecia ser tarefa difícil de se executar. Contratamos, então, um técnico sem experiência. Seu objetivo declarado: resgatar o Galo Doido.

Precisando de um volante trombador, trouxemos Roger Bernardo. Não sem antes decretar o fim dos volantes trombadores, o que nos fez mandar embora Leandro Donizete, ídolo de duas das maiores conquistas da história do Galo. O mesmo fizemos com Maicosuel, apenas um velocista. Agora buscamos... um velocista.

Esse velocista que salvará a pátria é Clayton, aquele que foi trocado antes por Marlone porque em momento algum conseguiu salvar a pátria. Marlone é aquele jogador que não entra em campo – o jogador que não joga. Na busca pelo velocista, também tentamos reaver Carlos, aquele que nunca foi velocista. Enquanto isso, Usain Bolt taí dando sopa.

Copa do Brasil é obrigação, Libertadores é obrigação, G-6 é obrigação. A realidade: Galo a três pontos da zona de rebaixamento. O diagnóstico: falta um diretor de futebol. A diretoria: temos diretor de futebol, ele se chama André Figueiredo. Bernard critica André Figueiredo, que na época em que coordenava a base do Atlético o dispensou por três vezes. A solução: tira o André Figueiredo da diretoria de futebol e... bota ele de novo na base.

O Galo planeja vender parte do shopping para construir um estádio. É um grande negócio, que tem o apoio deste pobre cronista. Mas cuidado pra não acabar vendendo o CT e construindo um autódromo, um campo de golfe ou um complexo para vaquejadas.

Willy Gonser (foto) era daquelas pessoas que não deviam ter o direito de morrer. Porque, quando morre Willy Gonser, morre também uma parte da gente, da nossa juventude e dos nossos sonhos. Sem o Willy, ficamos irremediavelmente velhos. Como os nossos pais, saudosos do Vilibaldo Alves, que só ouvimos no CD narrando o título de 71 enquanto aos “45 minutos, lágrimas escorrem na minha face”.

Muitas vozes marcaram o passado da minha geração. Mick Jagger, Ozzy Ousborne, Raul Seixas, Joe Strummer, Jello Biafra. Entre punks e roqueiros, Cid Moreira e Gil Gomes, nenhuma era tão arrebatadora para um coração atleticano como a de Willy Fritz Gonser.

Com ele sofremos juntos as derrotas mais injustas. Com ele fomos ao delírio e aprendemos a amar o Galo acima de qualquer coisa. Exilado em São Paulo desde 1996, fui salvo em tantas jornadas por sua voz tão familiar quanto a da minha mãe. Quando ainda não havia internet nem TV a cabo, eu ligava pra ela e pedia que colocasse o telefone perto da caixa de som. Por 90 minutos, Willy falava aos meus ouvidos e ao meu coração.

Antes de gritar gol – longo e apneico gol –, ele se mantinha em silêncio. O obsequioso silêncio em que apenas a Massa gozava seu orgasmo múltiplo: “Ahhhhhhhhhhh”. Em seguida, o Willy. Depois, o refrão do Trio Esperança: “É gol, que felicidade (e aqui ele finalmente nos contava o autor da façanha, o sujeito que tinha botado a bola lá dentro), o meu time é alegria da cidade”. O roteiro só mudava quando o gol era de Reinaldo. Nesse caso, Willy ia logo aos finalmentes, caprichando no R: “Gol de RRRRei, gol de RRRRei!!!”.

Com o Willy, eu “vi” o Galo ser roubado em 1981, aos 9 anos de idade, com o radinho escondido debaixo do travesseiro porque minha mãe me obrigou a ir pra cama mais cedo. Com o Willy eu vi o gol de Vanderlei, e o Fábio lá de costas a chorar. Coitado do Mick Jagger perto do Willy Gonser.

Um dia fui ver o Galo em Araras, contra o União São João. No intervalo, enquanto mijava, reparei um senhor no mictório ao lado. Era o Willy. Enquanto ambos fazíamos o número 1, eu planejava dizer a ele da minha admiração por sua pessoa. Depois imaginei que teria de dar-lhe pelo menos um aperto de mão. Mas como ninguém aperta a mão de ninguém depois de sair do mictório, fui embora sem falar nada. Que pena, eu amava o Willy Gonser.

Willy, você não tinha o direito de morrer.

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