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Bob Faria: 'Você sente saudades de quê?'

Você se lembra da primeira emoção que um jogo de bola te proporcionou? Como era o jogo quando você se apaixonou por ele? Como era ver seu ídolo amaciar a bola?

Bob Faria escreve às terças-feiras no Superesportes e no Estado de Minas; e também no portal ao fim de cada rodada
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Bob Faria escreve às terças-feiras no Superesportes e no Estado de Minas; e também no portal ao fim de cada rodada



Você sente saudades de quê? A pergunta é simples, mas a resposta de verdade deve vir do fundo da alma. E como tudo que está escondido no fundo da alma, vem à tona rasgando impiedosamente o que encontra pelo caminho. Talvez seja por isso que tanta gente hoje se negue a admitir que sente saudades. Um sentimento tão poderoso quanto o amor, mas do qual a sociedade nos impulsiona a fugir, custe o que custar. A saudade se tornou uma ameaça ao mundo moderno. Quem sente saudades está preso ao passado e não merece um lugar no agora. Por quê?

Renato Russo, que ao lado de Cazuza foi o grande poeta da minha geração, escreveu certa vez sobre a saudade que sentia das coisas que ainda não havia visto. Em determinado momento, parecia uma manifestação poderosa de alguém que só se importava com o futuro, que não dava a mínima para o passado e só queria ir vivendo uma emoção após a outra.

Mas a verdade é que é, de fato, um conceito difícil de entender. Muito profundo. É um sentimento de inadequação, de anacronismo. De uma tristeza profética.

Talvez todos nós tenhamos este momento da vida em que só sentimos saudades do que ainda não experimentamos. Aquele momento em que há tanto por fazer, que não importa o que te trouxe até ali. Uma inconsequência juvenil.

Mas esse tempo passa, e com ele vem a compreensão do que isso realmente deve significar.

Ter saudades do futuro não é deixar de dar importância ao passado. Pelo contrário, quando a ficha cai e você percebe que já fez tanto, e de quanta gente importante já se foi é que vem a compreensão das saudades que você terá, das coisas que não conseguirá viver. Entende a diferença?

Você se lembra da primeira emoção que um jogo de bola te proporcionou? Lembra-se da primeira vez que viu seu time jogar, ou que vestiu aquela camisa que fez de você parte de uma tribo, e que que irá te acompanhar pelo resto dos seus dias? Como era o jogo quando você se apaixonou por ele? Como era ver seu ídolo amaciar a bola? E da primeira vez que genuinamente chorou de decepção por uma derrota? Você se lembra?

São sensações que o cotidiano vai enterrando quando vivemos num mundo que gira tão rápido que não nos dá tempo de digerir ou construir sentimentos.  Vivemos uma vida medida em rodadas, onde a quarta-feira tem que fazer esquecer o domingo, em que a alegria de uma vitória se apaga na próxima derrota.

Este giro rápido nos tirou o direito e o tempo de desfrutarmos as alegrias, tanto como o de absorvermos os golpes. Então, cada vez mais, vivemos fora de fase, avatares de nós mesmos, fingindo felicidade em redes sociais, e (viva Cazuza) vagueando neste museu de grandes novidades.

Há muitas sensações e pessoas que eu gostaria que ainda estivessem na minha vida. E presto atenção quando elas vêm lá do fundo rasgando o que encontram pela frente. Sentir saudades é dar valor às suas experiências. É uma manifestação de amor a tudo e a todos que pavimentaram seu caminho.

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