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Máquinas ainda não serão as protagonistas da Copa do Mundo

Sem os jogadores, que por mais que tenhamos a tentação de alçar à condição de máquinas, são, no fundo, tão humanos quanto nós. E assim será por muito tempo

Bob Faria: 'Máquinas ainda não serão as protagonistas da Copa do Mundo'
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Bob Faria: 'Máquinas ainda não serão as protagonistas da Copa do Mundo'



A menos que você seja tão nerd quanto eu, provavelmente jamais terá se preocupado com dois termos que andam muito em moda entre nós ultimamente. O primeiro é o chamado "horizonte de eventos", que trocando em miúdos, é um ponto no espaço em que a gravidade é tão forte, que nem mesmo a luz escapa. É também chamado de "ponto de não retorno", porque a partir dali nada escapa e todas as leis da física deixam de atuar. Deste, eu diria que estamos relativamente seguros, já que é humanamente impossível transpor essa barreira antes da aniquilação total.

O outro conceito é o que chamam de "singularidade". Essa sim uma teoria bem mais palpável e para a qual estamos caminhando a passos largos e em projeção geométrica. A singularidade é o ponto em que as inteligências artificiais, as chamadas A.I, terão a mesma capacidade de pensamento subjetivo que a inteligência humana. Ou seja, as máquinas serão tão sensíveis, criativas e imprevisíveis quanto nós. Com uma pequena, mas significativa diferença. Com uma capacidade de processamento milhares de vezes mais rápida do que a de um cérebro orgânico!! E ninguém pode garantir, assim como acontece conosco, que somente pensamentos bons emergirão. Porque, fisicamente, a mesma estrutura cerebral capaz de amar, é capaz de ser perversa e destrutiva. Do ponto de vista orgânico o cérebro de um monge tibetano é igual ao de um serial killer.

Eu sei, dá medo, ainda mais que os cientistas calculam este ponto para algum momento próximo a daqui a 30 anos! Sim... em 30 anos poderemos ter máquinas não só mais inteligentes, quanto mais rápidas que nós, pelo menos no que diz respeito a respostas sensoriais.

Mas há vários tipos de inteligência. Uma delas, em especial, é particularmente difícil de reproduzir. A inteligência cinestésica. Ou a inteligência do corpo. Enquanto os computadores e algoritmos estão cada vez mais perto de nós, as tentativas de reproduzir o movimento humano em robôs ainda estão muito próximas do arremedo.

Não estou falando de próteses que restituem movimentos, como aquelas usadas por atletas paralímpicos (especialmente as de pernas, que conferem inclusive maior impulso a quem usa) refiro-me a um robô capaz de reproduzir com perfeição, agilidade e graça os movimentos humanos. Neste particular, a engenharia avançou muito, mas por enquanto não passou da construção de meros brinquedos miméticos.

E o que isso tem a ver com o esporte. Já te digo. O esporte será a última fronteira da singularidade. Mesmo que já estejamos virtualmente criando personagens digitais com verossimilhança inacreditáveis, fisicamente eles  ainda são apenas um vislumbre.

Está longe o dia em que veremos uma máquina capaz de competir em igualdade de condições com atletas de carne e osso. Elas podem até chegar a serem mais fortes, mais resistentes e talvez até mais inteligentes, mas não serão tão cedo, capazes de produzir a beleza de um drible, a destreza de uma defesa difícil, a imprevisibilidade de uma ginga de corpo.

Estamos às vésperas da maior celebração, do esporte mais popular do planeta. Ainda é uma prova da nossa humanidade. Uma prova de que não importa o quanto andemos em direção à mecanização e automatização da nossa civilização, ainda há coisas que só os humanos conseguem fazer. A principal delas, inspirar através do exemplo.

A Copa do Mundo é a cada 4 anos, também uma exibição de avanços tecnológicos, seja na organização, na comunicação, preparação física, monitoração de atletas via satélite, bolas inteligentes que dizem ao árbitro se cruzaram ou não a linha de gol, o já óbvio VAR... e muitas outras que virão. Mas nenhuma delas ainda existe sem os protagonistas. Sem os jogadores, que por mais que tenhamos a tentação de alçar à condição de máquinas, são, no fundo, tão humanos quanto nós. E assim será por muito tempo.

Porque não nos envolvemos empaticamente com a capacidade de realizar coisas incríveis que esses atletas fazem. No fundo nos envolvemos com a sua capacidade de, apesar da humanidade, superar os próprios limites. E isso nenhum robô nos trará.

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