Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

O atleticano é um crente patológico

Tudo o que ele fez na vida, apesar das tantas provas em contrário, foi acreditar

postado em 25/11/2017 12:00

Bruno Cantini/Atlético


Um amigo botafoguense está certo de que lhe roubaremos a derradeira vaga na Libertadores do ano que vem. Por experiência familiar, mesmo cunhado não sendo parente, posso atestar que o botafoguense é muito parecido com o atleticano. Reside na alma de ambos a melancolia do retrato em branco e preto: o botafoguense sofre por aquilo que ele foi; o atleticano, por aquilo que poderia ter sido.

Há, no entanto, uma diferença fundamental: o botafoguense não acredita. Ele perdeu as esperanças, e encontrá-las pode ser um problema – porque um botafoguense esperançoso é a própria negação de sua botafogosidade (se assim se pode chamar o misterioso sentimento que, entre nós, atleticanos, se denomina “atleticanidade”). O botafoguense é como Hardy, aquela hiena da Hanna-Barbera: “Oh, vida, oh, céus... Isso não vai dar certo”.

Já o atleticano é um crente patológico. Tudo o que ele fez na vida, apesar das tantas provas em contrário, foi acreditar. O atleticano nasceu pra isso, e se o Atlético não existisse, seríamos 8 milhões a crer, sei lá, em duendes, discos voadores, tucano preso, Terra plana. Na sua imortal melancolia, a solidão estampada no escudo, o botafoguense é um blues do Robert Johnson. O atleticano, por sua vez, é o blues do Malcolm Young, AC/DC na veia, highway to hell, graças a Deus.

O Atlético vai roubar a vaga do Botafogo. Vai enterrar o sonho de Vasco e Bahia, sinto muito, porque são amigos de fé, irmãos camaradas – união sinistra que ninguém segura, Torcida Jovem e Bamor, 100% Galoucura. Bobeia, e roubamos também a vaga do Flamengo, garantindo um século de foro privilegiado. Afinal, ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão.

A fé do atleticano é algo comovente. Ele acredita que o Flamengo será campeão sul-americano, abrindo mais uma vaga na Libertadores. De nada adianta dizer a ele que os tempos são outros e que o Flamengo não conta mais com Zico, Nunes e José Roberto Wright, seu melhor ataque de todos os tempos. Não adianta expor a dura realidade: em termos de América do Sul, o Flamengo é um Bangu com torcida, não ganha de ninguém e nunca passa da primeira fase. Se levar a Sul-Americana, será tão surpreendente quanto o São Caetano na final da Libertadores de 2002. Se perder, como o São Caetano perdeu (para o Olimpia, nosso freguês paraguaio com mais pontos no cartão de fidelidade), estará tudo nos conformes.

A fé do atleticano nem trisca em qualquer lógica. Ele acredita, por exemplo, que o Grêmio vai ganhar do Lanús na Argentina, o que também significaria nova vaga aos brasileiros no torneio do ano que vem. Mas se esquece de que, à exceção do Santos, de Pelé, e do Galo, de qualquer um a qualquer tempo, o Brasil diante dos argentinos não passa de um Crüzëirö em tamanho continental, chacoalhando a 10 graus na escala Richter.

A fé do atleticano é patológica, e disso consta a negação da realidade. O atleticano acredita no fair play do crüzëirënsë, e tem por certo que não entregarão a rapadura para Vasco e Botafogo, concorrentes diretos pela derradeira vaga nessa Libertadores que, se não a disputarmos, o que faremos da vida durante tantas e tantas quartas-feiras? O Crüzëirö faliu, seus dirigentes se ameaçam de morte, o presidente do Conselho é o Zezé Perrella – mas o atleticano acredita no fair play. É uma alma pura e devotada. O mundo seria melhor se houvesse apenas os atleticanos.

O atleticano acredita. Acredita em Fred e Robinho. Acredita em Otero. Acredita no Valdívia. Acredita até em Oswaldo de Oliveira. Mais um pouco acreditará no Yago. E eu? Eu acredito no atleticano. Porque a fé do atleticano não move montanhas – ela move é a geografia inteira, o atlas, o globo terrestre, seja plano ou redondo. A fé do atleticano é capaz de colocar a gente no topo da América. Eu acredito! E quem não acredita não é atleticano.

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