Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

"Perturbando a paz, exigindo o troco"

O Galo dará a volta por cima. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa

postado em 14/04/2018 09:30

Bruno Cantini/Atlético
“Oh vida, oh céus, oh azar... Isso não vai dar certo...” Diante da infinita sequência de derrotas, no futebol e na vida, na política e na guerra contra os boletos, ando a repetir como mantra o bordão de Hardy, a hiena pessimista do desenho animado. Todo azar no jogo enseja alguma sorte no amor. É o meu caso. Ao acordar pela manhã, minha mulher sempre diz um agradável “bom dia”. Mas eu tô igual aquele mendigo da internet ao ser cumprimentado por um transeunte feliz e solidário: “Bom dia é o caralho”.

Oh vida, oh céus... Ajoelhado no milho do confessionário da Igreja Universal do Reino do Galo, eu vos digo que já sabia: aquele 3 a 1 no Horto era só pra sublinhar a derrota final, sádica, perversa, o último suspiro do cachorro morto. Estratégia do homem lá em cima, que por motivos obscuros preferiu abraçar Fábio de Costas em detrimento de Ricardo Oliveira, ambos servos devotados e, ao que tudo indica, em dia com os respectivos dízimos. Espero a entrevista em que veremos alguém chamá-lo na chincha ao final do jogo: “Essa derrota eu credito a Deus, que sempre esteve ao meu lado mas hoje me abandonou. Quando ganha, ganha todo o mundo, inclusive Ele. Quando perde, perde todo mundo menos Deus?”.

Domingo passado o Cruzeiro jogou com 11 mais o trio de arbitragem. E Deus, esse vira folha. No 14 contra 10 deu eles, fazer o quê? Fazer a coisa certa: culpar o Otero. En portunhol selvagem, para non quedar ninguna duda: puerra, Otero, que mierda fue aquela? Era só usted ter se jogado em la vuadera daquele canalha e seria ele expulso e non usted, su anón de jardim! Claro que nosotros gostaríamos de ter dado aquele soco em la fuça, mas por isso non estamos en la cancha, por isso é usted, su bolivariano traidor de la pátria, inimigo de Chávez e Maduro, entreguista, imperialista, direitista, masoquista, ortopedista, ascensorista!

Hablado esto, vamos a Edílson, o desconhecido lateral do Cruzeiro de quem, possivelmente por ignorância minha, jamais tinha ouvido falar. Edílson é o autor da voadeira em Otero, mas o que o faz um canalha é sua xenofobia, seu menosprezo pela Venezuela e os venezuelanos. Fiquei curioso: teria Edílson nascido em Paris, Londres, Nova York? Não, nasceu aqui mesmo nessa cloaca do mundo, onde certa vez Reagan, estando em Brasília, ergueu a taça e propôs um brinde ao “povo da Bolívia”.

Como diria a presidenta, seu nome não resiste a uma pesquisa no Google. Quando jogava no Grêmio, Edílson usava a tática de provocar o torcedor colorado, como se fosse mesmo um gremista. Foi botar o pé fora de lá, em sua primeira passagem pelo clube, para acioná-lo na Justiça. Faz o mesmo agora com o Corinthians, onde foi campeão brasileiro (no banco, obviamente) antes de retornar ao Grêmio (inacreditável: sem que tenha retirado a ação). Por fim, pra forçar supostamente a saída do time gaúcho, deixou-se gravar em áudios “vazados” desancando dirigentes e jogando a torcida contra a diretoria. Que bela capivara.

Quem gostou do Edílson foi o pai de um colega do meu filho, cruzeirense que pela primeira vez me mandou mensagem no WhatsApp, tirando uma onda. Aceito sin perder la ternura jamás. Abro a fotinho do perfil e lá estão ele e o filho, ambos com a camisa do... São Paulo?! Cruzeirense quando muda de cidade muda de time também, que comédia. Na quarta-feira foi a vez de Arturo, outro pai da escola. É argentino, torcedor do San Lorenzo. Oh vida, oh céus... Isso não vai dar certo...

Respiro fundo, miro o jogo de volta, penso no Vasco e no tanto que a gente merece um Brasileirão. Lembro de Frei Betto sobre as infinitas derrotas nesses tempos estranhos: “Deixemos o pessimismo para dias melhores!”. Penso no áudio vazado do Chico Pinheiro cantando Pesadelo, que eu só conhecia na versão punk dos Inocentes: “Você me corta um verso, eu escrevo outro. Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente olha eu de novo, perturbando a paz, exigindo o troco”.

Porra, Ali Kamel, o Chico não tava falando do Lula, que fixação, o Chico tava falando do Galo! Eu tenho a prova, me liga: “O Galo é uma ideia”, me disse ele antes do clássico. Uma ideia é imortal, não se prende nem se arrebenta. O Galo dará a volta por cima. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa.

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