Fred Melo Paiva
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DA ARQUIBANCADA

O nosso pagode na laje

Já eu me realizo ganhando do Corinthians, e poucas vezes fui mais feliz na vida do que naquele dia em que tomaram de quatro e então fizemos a dancinha do Mano

postado em 01/09/2018 12:00

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Tempos estranhos, meus amigos. E olha que nem falo da política, onde toda a sorte de absurdos, ilegalidades e imoralidades acontece, incluindo a emergência de um Hitler à brasileira, era só isso o que nos faltava. Falo do circo, do ópio do povo, da nossa cachaça, do nosso rivotril – o ludopédio, que para nosotros atende por Atlético Mineiro, sendo todo o resto, Barcelona, Real Madrid, essas coisas, apenas brincadeira de criança cuja babá é o Playstation. Mal-educados! Pequenos filhos da colônia a envergar o manto da metrópole. Assim se forjam os entreguistas, jogando Fifa no videogame. Traidores mirins. Aqui em casa não! Aqui a gente só joga dominó, mau-mau e Atari!

Tempos estranhos. Depois de passear pela ala VIP, desenvoltos, serelepes, o peito estufado como uma Pamela Anderson, eis que nos encontramos alijados da festa. Perdemos nosso abadá, fomos atirados à pipoca. Acostumamo-nos à primeira fila e agora estamos rebaixados às alturas infinitas do mezanino, vendo o concerto do telão, que desastre. Estamos hoje como Eduardo Dusek (onde andará?): barrados no baile, tratados como maus elementos, lá dentro rolando Bob Marley, cá fora “por favor, documentos”.

Sem Libertadores, sem Sul-Americana, sem Copa do Brasil, o atleticano é o sem-terra, o sem-teto do futebol. Há outros nesta mesma triste condição, sem dúvida, mas isso não diminui nossa desgraça. Tampouco deve eliminar nossa capacidade de reagir – reconhecer a queda, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Se não foi possível o convite para o baile, que façamos o nosso pagode na laje, nosso churrasco de coxão mole com Itaipava! Outros hão de invejar a nossa despudorada alegria.

Hoje mesmo, tal qual o Lula naquela foto com o isopor na cabeça, dirigir-me-ei (olha o ilegítimo influenciando minha escrita) ao Itaquerão sedento pela peleja entre os times do povo. Irei disfarçado, com certeza, porque atleticanos e corintianos não se bicam. Apesar de povo, travam conosco já histórica de luta de classes: nós, os oprimidos, vitimados pela ditadura quando tínhamos Reinaldo, inimigos mortais da CBF; eles, os vendilhões do reino, amigos dos apitadores, do STJD e da Odebrecht.

Nós, a verdadeira Fiel, 100% Galoucura. Eles, a Fiel do Projac, tudo mentira, tudo simulacro, incluindo as dezenas de milhares que jamais viajaram ao Mundial que eles ganharam no Japão (pura sorte) porque já moravam todos lá. Nós, não: nós fomos ao Marrocos, pra lá de Marrakesh, de avião, de barco, de pedalinho, abrimos o Mar Vermelho e chegamos a pé. Nóis é nóis, o resto é invenção da Globo golpista.

O Corinthians foi alijado da Libertadores, mas não se engane: o Corinthians jamais é alijado da festa. O Corinthians é o time oficial, o Real Madrid de Franco, o Flamengo do general Figueiredo. Uma batalha entre Atlético e Corinthians é, pois, a luta da senzala com a casa-grande. Viva Zumbi dos Palmares! Viva o Clube Atlético Mineiro, que jamais se curvou aos opressores e portanto nunca mostrou a bunda aos oprimidos!

Há 22 anos exilado no Tucanistão, o Corinthians virou o meu Cruzeiro, o meu Flamengo. Vencê-lo é o campeonato à parte, o ideal particular. Uns desejam Libertadores, outros satisfazem-se com Sul-Americanas e Copas do Brasil. Já eu me realizo ganhando do Corinthians, e poucas vezes fui mais feliz na vida do que naquele dia em que tomaram de quatro e então fizemos a dancinha do Mano. Para sempre Edcarlos irá morar neste carcomido coração. Aquela noite, em São Paulo, corri sozinho pela rua vazia, envergando o manto e embebido na cerveja. Ao rés do chão, o meu pagode na laje – muito maior que a festa do Reveillón em Copacabana, nem se compara.

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