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Mineira Bruna de Paula saiu da colheita de café para se destacar em Tóquio

Armadora nascida em Campestre, no Sul de Minas, teve infância difícil, com pai ausente e necessidade de trabalhar precocemente. Agora, é estrela do handebol

30/07/2021 16:35 / atualizado em 30/07/2021 17:00
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Aos 10 anos, Bruna de Paula começou no esporte e logo chamou atenção de quem a via jogar.
foto: Daniel LEAL-OLIVAS / AFP

Aos 10 anos, Bruna de Paula começou no esporte e logo chamou atenção de quem a via jogar.



Ainda pequena, Bruna de Paula costumava acordar cedo para ajudar a mãe. As duas saíam rumo às lavouras de café em Campestre, cidade de 20 mil habitantes no Sul de Minas, para trabalhar na colheita. Durante a infância, a garota também precisou vender picolé nas ruas e auxiliar em uma oficina mecânica. Numa casa com quatro irmãs e sem um pai, ela sentia o dever de acompanhar dona Marinalva na longa e exaustiva jornada - especialmente para crianças - para buscar o sustento da família. 

Quando não podia fazer companhia à mãe, Bruna estava suando em um outro lugar: a quadra da escola onde estudava. Era o que Marinalva queria para a filha. Se não pudesse trabalhar, que passasse o tempo no esporte e não nas ruas. Foi assim que a menina descobriu no handebol o primeiro grande amor. Aos 10 anos, começou no esporte e logo chamou atenção de quem a via jogar. Agora, está no auge da carreira e é o grande destaque da Seleção Brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

"Minha infância não foi fácil, pois sempre tive só a minha mãe. Jogar handebol era uma forma de ela me deixar ir para o esporte para que eu não passasse o tempo na rua, já que ela trabalhava o dia inteiro", disse, em entrevista ao Superesportes. "O que eu pudesse fazer para ajudar eu fazia. Eu queria ajudar de alguma forma em casa, sempre estava querendo trabalhar. Não foi fácil, mas o que eu sou hoje é graças a ela e a algumas pessoas que entraram na minha vida", completou.

O talento foi descoberto inicialmente por Eloy Sartini, professor de Bruna na escola - principal espaço formador de atletas da modalidade no Brasil. "Desde as iniciações de base no handebol, já era fácil de observar que ela tinha facilidade no esporte: coordenação motora, lateralidade e resposta muito rápida", analisou o primeiro treinador da camisa 2 da Seleção Brasileira na Olimpíada, em entrevista dada em 2015 à ESPN.

Aquele foi o ano da primeira convocação de Bruna para a equipe principal do Brasil. Após uma longa trajetória nas categorias de base, a mineira - que no começo da adolescência deixou Campestre para jogar handebol em Juiz de Fora e depois em São José dos Campos - recebeu do técnico dinamarquês Morten Soubak a chance de defender a seleção, ainda aos 19 anos.

Ao seu lado estavam lendas da modalidade no país, que conquistou de maneira surpreendente o Campeonato Mundial de 2013. "Bruna tem um perfil diferenciado. Como não tem muito peso e nem altura, penso que ela pode ser usada para contra-ataque, mas a ideia seria utilizá-la mais em ações no ataque mesmo", justificou Soubak, à época, quando a mineira ainda era coadjuvante num elenco recheado de estrelas.

Em 2015, Bruna pouco entrou em quadra na principal competição do handebol. Mas aproveitou muito bem os minutos que teve em quadra e chamou a atenção de clubes do exterior. A garota de Campestre, então, decidiu partir para ainda mais longe de casa: a França. Lá, conseguiu se tornar uma das principais atletas do mundo na modalidade e, mais do que isso, melhorou as condições econômicas da família. Estava cumprido o desejo que a garota teve quando criança.

O amadurecimento apressado pela necessidade de trabalhar na infância a ajudou a atravessar o Atlântico e se adaptar rapidamente à nova realidade. O "raio", como é apelidada por conta da agilidade nos movimentos e velocidade nos contra-ataques, consolidou a carreira no Velho Continente. Neste ano, foi campeã, artilheira (68 gols em 11 jogos) e melhor jogadora da Liga Europeia.

Na Seleção Brasileira, tornou-se fundamental. Mesmo em meio a nomes como Alexandra, Bárbara Arenhart e Duda Amorim - pilares da geração mais vitoriosa da história do país -, a jovem de 24 anos tem cumprido papel destacado. "Não é o meu objetivo ser o destaque, mas quando o time precisa de mim, sei que posso dar o meu melhor. Eu me preparei para isso. O que for preciso fazer dentro de quadra, vou fazer. Se for preciso pegar a responsabilidade, eu farei", disse.

E Bruna de fato tem assumido a responsabilidade. A armadora direita marcou 17 gols nos três primeiros jogos da Seleção Brasileira em Tóquio. Ela foi a principal responsável pela excelente atuação na estreia diante do Comitê Olímpico Russo, campeão nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016. A partida terminou empatada por 24 a 24 - e a mineira foi às redes sete vezes.

Na trajetória até aqui, o Brasil também derrotou a Hungria e perdeu de virada para a Espanha, atual vice-campeã mundial. Nas duas rodadas derradeiras do grupo, enfrentará, em sequência, Suécia e França. O jogo contra as suecas está marcado para este sábado, às 4h15. O duelo com as francesas será no domingo, a partir das 11h.

Os quatro primeiros colocados das duas chaves avançam às quartas de final. Com adversários duríssimos pela frente, a tarefa não será nada fácil. Mas Bruna de Paula já mira voos mais altos: conquistar uma inédita medalha olímpica na modalidade. "Esse é o nosso objetivo, a gente tem isso na cabeça. A gente sabe que tem um time, não só só boas peças. Essa pode ser a nossa força durante a competição", disse. É difícil. Mas quem é capaz de duvidar de Bruna de Paula?

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