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Quais são as lesões mais comuns no futebol e como preveni-las?

A sobrecarga e as pancadas são as duas principais origens das condições que afetam músculos, articulações e ossos. Conheça os problemas mais frequentes e como tratá-los ou, de preferência, evitá-los.

Embora as lesões de articulação e joelho sejam geralmente mais graves, os problemas mais comuns no futebol envolvem os músculos
foto: Getty Images

Embora as lesões de articulação e joelho sejam geralmente mais graves, os problemas mais comuns no futebol envolvem os músculos

Se você acompanha os jogos de futebol no estádio ou pela televisão, muito provavelmente já viu a cena em que um atleta sai correndo e, de forma repentina, fica parado e bota a mão atrás da coxa.

Mais traumáticos ainda são os episódios em que o jogador pisa em falso ou sofre uma pancada para depois cair no gramado com dor no joelho ou no tornozelo.

As lesões neste esporte são mais comuns do que se imagina. Um indício do tamanho do problema vem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que realiza um acompanhamento das principais intercorrências médicas durante todas as partidas válidas pela Série A e pela Série B do Campeonato Brasileiro.

Durante a temporada 2019, por exemplo, foram analisados 645 atletas. Desses, 214 (ou 33% do total) tiveram pelo menos uma lesão ao longo da disputa.

Ou seja: um terço dos jogadores que participaram da competição precisaram ficar no departamento médico em algum momento.

No registro, as estruturas mais afetadas foram os músculos (37%). Vale notar que 62% das lesões aconteceram sem nenhum contato físico com adversários.

As partes do corpo mais prejudicadas foram as coxas (40%), a cabeça (14%), os tornozelos (11%) e os joelhos (11%).

O médico Jorge Pagura, um dos responsáveis pelo projeto na CBF, explica que o levantamento ajuda a entender melhor o que acontece em campo e traçar estratégias para prevenir muitos desses episódios.

"Conseguimos comprovar como os problemas musculares são amplamente comuns e entender como os traumas de crânio e joelho são relevantes", diz.

O ortopedista Moisés Cohen, presidente da Comissão Médica da Federação Paulista de Futebol (FPF), explica que, durante um jogo, o atleta muda de direção e faz movimentos inesperados a cada seis segundos o que ajuda a entender o risco elevado de problemas em músculos, articulações e ossos.

"Imagina o papel de um atacante. Ele precisa olhar para o goleiro que bate um tiro de meta, correr atrás da bola e, talvez, mudar de direção no meio do caminho, se o zagueiro adversário rebater a bola", descreve.

"Ou seja: não falamos aqui de um esporte com gestos pré-determinados. Tudo pode mudar em um segundo de partida", complementa.

A seguir, você confere o que acontece em cada parte do corpo em que as lesões típicas do futebol são mais frequentes.

Músculos

O músculo nada mais é do que um conjunto de fibras, que se deslizam umas sobre as outras em movimentos de contração e relaxamento.

Durante o jogo, eles são essenciais para a corrida, o salto e o movimento da perna que faz o passe ou dá o chute na bola.

Como são constantemente exigidos ao longo da partida ou dos treinamentos, os músculos são os principais lugares em que as lesões se desenvolvem.

"Geralmente, elas são fruto de um esforço muito grande, em que ocorreu um desgaste ou uma fadiga", conta o ortopedista especializado em medicina do esporte Mateus Saito, do Vita Ortopedia, do Grupo Fleury.

Ou seja: o esforço foi tão grande que o músculo simplesmente não aguentou e deixou de funcionar como se esperava.

Como ilustrado na imagem, o músculo reúne um conjunto de fibras que se contraem e relaxam para permitir certos movimentos
foto: Getty Images

Como ilustrado na imagem, o músculo reúne um conjunto de fibras que se contraem e relaxam para permitir certos movimentos

E aqui aparecem alguns jargões típicos, muito comuns durante as transmissões dos jogos de futebol.

O primeiro deles é a contratura, que acontece quando o músculo contrai de uma maneira inadequada e, depois, não volta ao estado normal de relaxamento. Isso pode ou não representar algo mais sério, a depender da avaliação médica.

O segundo é o estiramento. Nele, o músculo se estica mais do que devia, e algumas daquelas fibras que o constituem até se rompem.

Agora, o problema é mais grave quando esse estiramento é maior e acontece uma ruptura total do músculo (ou de parte dele).

Ainda nessa seara, outro grande adversário dos futebolistas é a pubalgia, uma inflamação que aparece no púbis, próximo do quadril.

"Trata-se de uma região em que muitos músculos dos membros inferiores se conectam e onde está o nosso centro de gravidade, do qual depende todo o movimento do chute e do equilíbrio", descreve Saito.

Com o avanço da medicina, hoje os profissionais da área conseguem definir bem o local da lesão e, enquanto o atleta se recupera, ele até faz exercícios focados em outras estruturas que não foram afetadas.

Sessões de fisioterapia, tratamentos com pressão, gelo e calor, também são essenciais. Em alguns casos mais graves, é necessário partir para uma cirurgia.

"Uma coisa que mudou muito em nossa conduta nos últimos anos é a diminuição do uso de anti-inflamatórios. Recentemente, alguns trabalhos mostraram que esses remédios chegam até a atrapalhar o processo de cicatrização", acrescenta Saito.

"Hoje, damos preferência aos analgésicos simples para tirar a dor enquanto focamos na recuperação."

Articulações

Falamos aqui do local em que dois ossos se conectam, o que permite movimentos específicos, como ocorre nos joelhos e nos tornozelos.

Essas regiões, aliás, são bem vulneráveis às pancadas de um atleta adversário.

Os choques e encontrões durante a partida podem resultar em lesões bem sérias, como aquelas que afetam os ligamentos, um tipo de tecido fibroso que, como o próprio nome indica, conecta as extremidades de um osso com o outro.

Outra fonte de lesões nessas estruturas são os buracos em campo ou a forma como os jogadores caem depois de dar um salto: joelhos e tornozelos correm o risco de "girar" de um modo errado, o que certamente pode levar a consequências bem dolorosas.

Em situações dessas, os tais ligamentos se esticam além da conta e, nos quadros mais graves, estouram completamente.

Isso, por sua vez, impede os movimentos da articulação e até a continuidade na partida.

Quando um atleta famoso é diagnosticado com uma condição dessas, é comum que termos como "ligamento colateral", "menisco" ou "ligamento cruzado" ganhem as manchetes dos jornais. São nomes de algumas das estruturas encontradas na articulação do joelho que acabam lesionadas.

Como o próprio nome indica, os ligamentos conectam e permitem a movimentação do local onde dois ossos se encontram. Na ilustração, eles são essas estruturas brancas no meio do joelho, que conectam o fêmur (acima) com a tíbia (abaixo)
foto: Getty Images

Como o próprio nome indica, os ligamentos conectam e permitem a movimentação do local onde dois ossos se encontram. Na ilustração, eles são essas estruturas brancas no meio do joelho, que conectam o fêmur (acima) com a tíbia (abaixo)

"A cirurgia vai depender do grau da lesão e do quanto aquele ligamento estirou ou se rompeu", resume Cohen, que também atua no Hospital Israelita Albert Einstein e no Instituto Cohen de Ortopedia, Saúde e Esporte, ambos em São Paulo.

Nos casos mais graves, o atleta geralmente fica por volta de oito meses fora, até conseguir se recuperar e voltar às atividades.

Cohen explica que, com o avanço da medicina, a meta dos profissionais da área é evitar cirurgias sempre que possível e preservar o máximo da estrutura original do corpo.

"Antigamente, tirávamos o menisco, e o jogador até voltava logo. Mas, no médio e no longo prazo, ele sofria mais com desgaste e até artrose, porque sabemos hoje que essa estrutura é um importante amortecedor entre os ossos do fêmur e da tíbia", aponta o ortopedista, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ossos

Eles podem ser acometidos por duas lesões principais: as fraturas e as luxações.

As fraturas ocorrem quando o osso quebra após uma pancada ou uma queda mais violenta.

"Já na luxação, dois ossos articulados saem do lugar e se desencaixam", detalha Saito.

Diferentemente do que muita gente pensa, esse deslocamento de ossos típico da luxação nem sempre é algo simples.

Nesses casos, a avaliação médica vai indicar o que precisa ser feito para botar os ossos no lugar certo ou restaurá-los após a fratura.

A fratura ocorre quando o osso se quebra
foto: Getty Images

A fratura ocorre quando o osso se quebra

Pode ser necessário partir para a cirurgia, ou passar um tempo com a parte do corpo imobilizada com gesso e ataduras (ou equipamentos protetores mais modernos).

Fisioterapia e outros recursos terapêuticos também podem ser parte integrante do processo de recuperação.

Como prevenir?

Ainda que muitas das lesões mais comuns sejam frutos de acidentes, há um consenso entre os especialistas de que é possível evitar a maioria delas seja no esporte amador ou no profissional.

"A própria FIFA desenvolveu na última década um programa chamado 11+, que reúne orientações para prevenir esses problemas", lembra Pagura.

A iniciativa da entidade traz uma série de exercícios de aquecimento e alongamento, que ajudam a deixar o corpo mais preparado para a partida.

Para quem joga futebol amador, usar equipamentos adequados (como chuteiras de boa qualidade) e evitar encontrões ou choques desnecessários também são medidas válidas.

O médico da CBF ainda orienta que as pessoas analisem o próprio corpo e busquem sinais de alguma alteração nos músculos, nos ossos ou nas articulações.

"Uma dor que não vai embora passadas 48 horas de uma partida merece avaliação médica", indica.

Por fim, Saito lembra da importância de ter uma vida ativa, até como uma forma de prevenir as famigeradas lesões e outros problemas de saúde.

"Exercício é remédio. Quando você faz atividade física, está ajudando a evitar quadros como pressão alta, diabetes e até depressão", lembra.

"E, ao longo dos treinos, é importante trabalhar a estrutura muscular, inclusive para resguardar as articulações", conclui.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63562311


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