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Homofobia e 'escravidão': as marcas de violência da Copa do Mundo no Catar

Mundial em país do Oriente Médio causa grandes polêmicas desde que a candidatura catari foi escolhida pela Fifa, em 2010; ex-presidente Blatter admite erro

16/11/2022 08:06 / atualizado em 16/11/2022 14:52
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Escolhido para sediar a Copa do Mundo em dezembro 2010, Catar realizará o evento entre os dias 20 de novembro e 18 de dezembro
foto: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Escolhido para sediar a Copa do Mundo em dezembro 2010, Catar realizará o evento entre os dias 20 de novembro e 18 de dezembro


Como todo evento de escala global, a Copa do Mundo não escapa de críticas. Ao longo dos anos, o torneio foi alvo de diversas controvérsias, que vão desde escândalos de corrupção na construção de estádios a acusações de compras de votos em eleições para escolha das sedes.
 
 

Contudo, nenhuma outra edição do Mundial causou tanta polêmica quanto a do Catar. O país asiático de 2,9 milhões de habitantes fica localizado no Oriente Médio e foi escolhido para sediar a Copa de 2022 pelo Comitê Executivo da Fifa, em dezembro de 2010.

Entre as principais críticas feitas ao Catar estão acusação de corrupção no processo seletivo, violações de direitos humanos e trabalhistas, condutas anti-LGBTQIA+, mortes de operários nas obras das arenas e funcionários em condições análogas à escravidão.

A escolha pela candidatura catari sempre foi bastante questionada, mas, no dia 8 de novembro, Joseph Blatter, presidente da Fifa entre 1998 e 2015, admitiu que cometeram um erro.

"É um país pequeno demais. O futebol e o Mundial são grandes demais para isso. Para mim é claro: o Catar foi um erro. Foi uma escolha ruim", declarou o ex-dirigente ao jornal suíço Tages-Anzeiger.

Em 2015, Blatter deixou seu cargo na Fifa acusado de ser cúmplice do ex-presidente da Uefa, Michel Platini, em um grande esquema de corrupção e fraude. A dupla foi inocentada pelo Tribunal Criminal Federal da Suíça, em julho deste ano.

LGBTfobia


A Copa do Mundo colocou em destaque o tratamento cruel que o Catar dá aos homossexuais. O Código Penal do país prevê pena máxima e até apedrejamento para homens e mulheres que se envolverem com pessoas do mesmo sexo. 

Executivos de alto escalão envolvidos na organização do evento, Nasser Al Khater e Hassan Al Thawadi buscam projetar uma boa imagem do Mundial e afirmaram em diferentes momentos que todos são bem-vindos ao Catar, independentemente da orientação sexual.

Esse pensamento, porém, não condiz com tudo que é dito por divulgadores do torneio. Embaixador da Copa do Mundo e ex-jogador da Seleção Catari, Khalid Salman afirmou em entrevista à emissora alemã ZDF, no dia 7 de novembro, que a homossexualidade é pecado por ser "um dano mental". 

Salman ainda declarou que homossexuais serão tolerados no Mundial, mas devem "aceitar as regras" impostas no local. Após os comentários, a exibição do programa foi interrompida. 

Quem também afirmou que os torcedores LGBTQIA+  devem seguir as condutas impostas no Catar é o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari, militar de mais alta patente do país árabe. 

"Se um fã levantar a bandeira do arco-íris e eu a pegar, não é porque quero insultá-lo, mas sim protegê-lo. Porque se não for eu, alguém ao redor dele pode atacá-lo. Não posso garantir o comportamento de todo o povo", disse Al Ansari à agência de notícias Associated Press, em abril.

"Se quer demonstrar sua visão sobre a situação (LGBTQIA+), faça isso em uma sociedade onde ela será aceita", pediu o major-general, ao afirmar que bandeiras arco-íris podem ser confiscadas durante a Copa.

Capitães europeus se posicionam a favor da comunidade LGBTQIA


Se os torcedores não poderão as cores símbolo da comunidade LGBTQIA+ consigo, então caberá aos jogadores representar o movimento. Alguns capitães europeus, como o atacante inglês Harry Kane e o goleiro alemão Manuel Neuer, já garantiram que irão usar braçadeiras arco-íris durante os jogos.

Já o goleiro Hugo Lloris, líder da Seleção Francesa, preferiu manter a neutralidade. O camisa 1 disse que não fará uso das faixas. "Na França, quando recebemos estrangeiros, os queremos respeitando nossa cultura. E farei o mesmo quando for ao Catar", justificou.

De acordo com o jornal Sky News, a Fifa pediu através de carta que as 32 seleções da Copa Mundo foquem no futebol e não travem batalhas ideológicas e políticas durante o torneio.

"Sabemos que o futebol não vive em um vácuo e estamos igualmente cientes de que existem muitos desafios e dificuldades de natureza política em todo o mundo. Mas, por favor, não deixem que o futebol seja arrastado para todas as batalhas ideológicas ou políticas que existem", declarou a entidade em documento assinado pelo presidente Gianni Infantino e pela secretária-geral Fatma Samoura.

Morte de funcionários e trabalho análogo à escravidão 


Outra grave acusação ao governo catari está na gestão dos direitos dos trabalhadores que atuaram nas obras da Copa do Mundo. Em fevereiro de 2021, o jornal britânico The Guardian afirmou que mais de 6,5 mil operários haviam morrido ao longo dos dez anos de produção do evento.

Entre as pessoas mortas estariam imigrantes vindos de diversos países da Ásia, como Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka. Esse número seria menor do que o oficial, pois não contabiliza vítimas dos meses finais de 2020 e dados de obreiros nativos do Quênia e das Filipinas. Insuficiência cardíaca ou respiratória, lesões geradas por quedas de grandes alturas e suicídio são as principais causas das mortes.

Organizações globais como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch fazem campanha para que a Fifa pague US$ 440 milhões (R$ 2,3 bilhões) a um fundo que indenizará pessoas que trabalharam durante a última década nas obras da Copa do Mundo.

Por ser um país muito rico e com uma população bem pequena, o Catar se apoiou na mão de obra estrangeira para construir o evento. Um relatório do grupo humanitário Equidem, com sede em Londres, apontou condições análogas à escravidão nas construções das arenas do Mundial.

Entre os problemas relatados por funcionários entrevistados para o documento, estão taxas ilegais de recrutamento, discriminação étnica e racial, violência verbal e física, não pagamento de salário e dura e extensa jornada de trabalho.

Suposto pagamento de propina à Fifa para sediar Copa do Mundo


Ao longo dos últimos 12 anos, por diversas vezes o Catar foi acusado de ter pago à Fifa para ser escolhido sede da Copa do Mundo. Em 2019, o jornal inglês The Sunday Times afirmou que o governo catari repassou 880 milhões de euros (R$ 3,8 bilhões) à entidade.

Segundo o veículo britânico, há documentos que mostram que a oferta foi feita 21 dias antes da Fifa decidir qual seria o país sede do Mundial de 2022. O pagamento teria sido feito através da rede de televisão estatal Al Jazeera.

A suposta compra de votos na eleição também foi tema de longa reportagem da France Football, em 2013. Na época, a revista francesa dedicou 20 páginas ao assunto e acusou os ex-presidentes da CBF e da Conmebol, Ricardo Teixeira e Nicolás Leoz, de receberem propina do governo catari. 

Apesar do antigo presidente da Fifa Joseph Blatter e diversos outros cartolas ligados a sua gestão terem sido condenados e presos por esquemas de corrupção, a suposta fraude na eleição do Catar como país-sede nunca foi comprovada.

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